Prometer no dia seguinte à farra etílica que nunca mais vai beber já virou rotina e até motivo de piada. A promessa normalmente só é feita quando o bebedor incauto está atormentado por uma dor de cabeça implacável, um enjoo aparentemente interminável e a indefectível boca seca — a famosa e quase onipresente ressaca. Mesmo se resguardando, tomando comprimidos com a proposta milagrosa de evitar o incômodo ou seguindo receitas caseiras que garantem curar os sintomas, beber em excesso, independentemente do tipo de bebida, vai fazer mal. Embora a melhor escolha seja não beber, com o carnaval batendo à porta fica difícil negar os goles tão apreciados nesses dias de festa. A proposta é não ser um folião despreparado. Basta tomar os devidos cuidados, alimentar-se bem, não exagerar e deixar a ressaca apenas nas letras de marchinha de carnaval.
Para a gastroenterologista Lilian Lauton, o único meio garantido de evitar o mal-estar é beber moderadamente. Mas, como algumas pessoas não vão dispensar a bebida, o importante é cuidar para a festa não acabar no primeiro dia. A médica conta que o álcool passa a afetar o cérebro apenas cinco minutos depois da ingestão. A rapidez na absorção se dá pelo processo pelo qual o etanol passa até chegar ao cérebro. Após ser digerido no estômago e absorvido no intestino, as moléculas de álcool são levadas para o cérebro pela corrente sanguínea. “A concentração alcoólica no sangue atinge o pico em até 45 minutos depois do consumo de 10g de álcool”, salienta.
De acordo com Lilian, a gama de reações fisiopatológicas do álcool começa com o amortecimento da excitação cerebral motora e dos centros sensoriais, que reduzem as reações aos estímulos e afetam a coordenação, a fala, a cognição e os sentidos. Na glândula hipófise, a substância é maléfica por suprimir a produção do hormônio antidiurético, fazendo com que os rins não reabsorvam a quantidade adequada de água, resultando na desidratação. “Por isso, a importância de beber muita água, de três a cinco litros, em média”, aconselha.
O tempo para o álcool ser eliminado do organismo varia de acordo com a pessoa. Essa “digestão” depende de fatores como o tamanho do fígado, a massa corpórea e a tolerância ao álcool. Segundo a gastroenterologista, isso é relacionado também com a variação genética individual, ligada às enzimas que metabolizam o álcool no fígado. “Depois de beber pesado, podem demorar muitas horas para a taxa alcoólica sanguínea zerar”, acredita.
Para curar a ressaca, o produtor Ailton Ribeiro Júnior, 26 anos, fez uma opção radical: parou de beber. “Eu tinha até febre. Passava muito mal no dia seguinte, não aguentava mais”, recorda. Ele conta que gostava de vodka com energético, cerveja e uísque, e que podia passar até três horas bebendo. Nesse ritmo, não demorava muito para ficar bêbado. “Aí, começava a sentir sono e dores de barriga e de cabeça”, diz. Após os sintomas, Júnior passava o dia seguinte de cama e vomitava quase o tempo todo. Foi então que ele resolveu cortar a bebida. Na verdade, rende-se apenas ao vinho e, mesmo assim, limita-se a apenas duas taças. “Hoje sou bem mais feliz”, garante.
Prazer em queda
As consequências mais evidentes e imediatas do álcool são no cérebro e causam relaxamento e desinibição. No entanto, quanto maior for o consumo, menor será o prazer. “Os efeitos serão contrabalançados por sensações menos prazerosas, como sonolência, náusea, perda de equilíbrio e vômitos”, acrescenta Lilian Lauton. Os principais sintomas da ressaca são dores de cabeça, tonturas, náuseas e/ou vômitos, gosto amargo na boca, tremores e letargia no raciocínio.
Quando os desconfortos aparecem, começa a agonia com a boca seca e parece que os litros e mais litros de água bebidos não são suficientes para amenizar o problema. O mesmo ocorre com a fome, normalmente resultado da gastrite. Já as dores de barriga e de cabeça são de responsabilidade da absorção exagerada de álcool. Para o clínico-geral do Hospital Anchieta Roberto Valente, todo esse incômodo, que pode levar o dia todo, é sinônimo da desidratação provocada pelo álcool, pela noite maldormida e pela alimentação errada. “Não tem nada a ver com o fígado ou com intoxicação, como alguns acreditam”, sustenta.
Valente destaca que, para curar a ressaca, é preciso dormir muito e beber muita água, pois as células sofrem com a desidratação. O médico conta que ingerir gordura também não é uma boa escolha, pois pode aumentar o trânsito intestinal. Já tomar café, banho frio, praticar exercícios ou vomitar não reduzirá a concentração alcoólica sanguínea. E quanto aos comprimidos supostamente milagrosos Valente é enfático: “Analgésico, só com prescrição médica. Esses remédios podem até piorar a situação”.
Enquanto algumas pessoas sofrem por horas com a ressaca, Iury Santos, 22 anos, segue uma receitinha que para ele é infalível. Para começar, ele adora chope, cachaça e uísque, e, com tanto teor alcoólico, o pós-bebedeira não poderia ser mais previsível: ressaca. Contudo, o rapaz garante que bastam alguns goles de tereré (chá feito com erva-mate e água gelada) e um bom prato substancioso para curá-lo. Santos mora em uma república e afirma passar os sábados bebendo com os colegas de casa. Precavido, ele conta que bebe água a cada duas doses de cachaça e, quando exagera, no outro dia chega até a vomitar. “Fico inútil o dia todo”, assume. Para melhorar, o rapaz come algo pesado, como torresmo ou picanha, e dorme cerca de cinco horas. “Quando levanto, já estou ótimo, pronto para outra”, gaba-se. Pode até funcionar para ele, mas é a receita explícita do que não fazer, segundo os médicos.
“Esse tipo de alimentação piora a digestão e pode até induzir a mais náuseas. Esses alimentos retardam o esvaziamento gástrico e exigem muito mais da digestão”, afirma Lilian Lauton. Para ela, a escolha acertada é por opções leves e sucos não ácidos (melão, melancia e pêssego). “É importante também procurar o pronto-socorro quando o nível de consciência estiver rebaixado, pois pode haver inibição da respiração normal e, consequentemente, risco de aspiração do vômito”, alerta.