Em 1996, a Apple era uma companhia à beira da falência. No mundo da tecnologia, quem ditava as regras era a Microsoft, dona de praticamente todos os programas básicos usados nos computadores domésticos ao redor do mundo. Em pouco mais de 15 anos, a história mudou. A empresa fundada por Steve Jobs, porém, se reergueu, tornando-se a maior referência mundial em artigos tecnológicos — como tablets, smartphones, notebooks e equipamentos portáteis para a reprodução de música e vídeo. Hoje, o mercado vive uma espécie de estabelecimento de um “padrão Apple”. A empresa ganhou a imagem de permanente inovação, por criar produtos que, muitas vezes, mudam padrões de comportamento no mundo e tendem, segundo especialistas, a ser copiados pelos concorrentes.
Mesmo mais caros, e muitas vezes difíceis de comprar — chega-se a ter que esperar meses para se conseguir adquirir um iPad de última geração em uma loja autorizada —, os produtos da empresa criada por Jobs permanecem como desejo de consumo de boa parte dos consumidores de tecnologia. “É uma tecnologia mais simples de ser utilizada. A Apple é muito minuciosa em relação aos seus produtos. Se uma tecnologia atrapalha a plena experiência do usuário, ela é automaticamente descartada”, conta Alessandro Salvatori, especialista em tecnologia e editor do BlogdoiPhone.com, site dedicado à análise dos produtos desenvolvidos pela equipe Apple. “Foi assim no caso do Flash. Os produtos Apple não rodam com esse programa, muito mais por ele travar constantemente e carregar a navegação do que por uma possível briga entre Steve Jobs e a Adobe”, avalia.
Apesar de ver com cautela a liderança da empresa no mercado de tecnologia, Jeff Orr, diretor sênior da ABI Research, principal consultoria norte-americana na área de tecnologia, acredita que a Apple mantém o posto de empresa mais inovadora da área. “Será preciso uma competição acirrada e constante inovação para fazer com que ela deixe a liderança na área”, afirmou, em entrevista ao Correio. “É um exagero dizer que a Apple controla os mercados onde atua. No entanto, é a empresa que tem contribuído de forma mais significativa para tornar cada tipo de dispositivo uma experiência mais agradável”, completa.
Uma das justificativas apontadas pelo especialista americano para a liderança da empresa é o próprio império tecnológico que a Apple construiu ao redor de si. “O interesse contínuo da empresa na experiência do usuário tem sido fundamental para seu sucesso nos mercados. Eles desenvolveram um ecossistema de conteúdo adaptado para seus dispositivos”, explica Orr. Assim, produtos e serviços, como a loja virtual iTunes, o music player de mesmo nome ou o navegador Safari dificultam que outros padrões possam se estabelecer. “Ao contrário de muitas empresas de PCs e de dispositivos móveis, a Apple está focada em apoiar seu próprio sistema operacional e plataformas de transação de conteúdos”, completa.
No entanto, é a falta de inovação das concorrentes que é apontada pelos especialistas como a principal justificativa para a falta de alternativas. “O que percebo no mercado atual é que as concorrentes, praticamente sem exceções, tentam imitar o que é proposto pela Apple”, opina Alessandro Salvatori. “É como se a Apple se ocupasse em ditar a tendência e as demais companhias apenas a seguissem”, completa.
Reviravoltas
O mercado de smartphones é apontado como um exemplo bastante explícito de como isso vem ocorrendo. Em 2007, todos os celulares utilizavam teclado. “Aí, é lançado o iPhone, que rompe totalmente com isso e passa a usar o sistema touch screen”, exemplifica Salvatori. A tecnologia para a navegação com toque na tela não era desconhecida naquele período, mas a empresa foi a primeira a aplicá-la a celulares e a MP3 players. “Logo em seguida, percebe-se um movimento intenso de várias marcas para lançar produtos semelhantes. É como se as concorrentes estivessem apenas esperando a Apple criar para poderem copiar. O mesmo raciocínio pode ser aplicado a praticamente todos os demais produtos que ela fabrica.”
O consultor em comunicação digital e novas mídias Celso Fortes concorda com essa avaliação. Para ele, existe uma certa “preguiça” dos concorrentes em criar uma via diferente da produzida pela Apple. “O que aconteceu foi um erro de avaliação por parte da maioria das empresas, no que diz respeito à inovação. A impressão que fica é que houve uma espécie de acomodação da concorrência”, opina. “Um exemplo disso é a Microsoft. Há tempos, se ouvia falar muito mais neles. Hoje, continuam importantes, mas muito menos e, nesse caso específico, acho que foi em função de uma má avaliação sobre o peso da internet no futuro da tecnologia.”
Em um futuro próximo, a supremacia da empresa de Jobs não deve ser ameaçada. Os especialistas são unânimes em acreditar que, pelo menos nos próximos cinco anos, ela deve se manter como líder do mercado em que atua. “Há, inclusive, um processo de acentuação dessa liderança. Um dos problemas da Apple hoje é que ela é muito cara. Com o passar dos anos, a tendência de queda nos preços deve ajudar a empresa a conquistar ainda mais mercados”, acredita Fortes. “Sinto que hoje estamos reféns da Apple. Se, por alguma razão, ela deixasse de existir, creio que o ritmo de crescimento do mercado se tornaria mais lento”, completa Alessandro Salvatori.
Padrão próprio
Na semana passada, a Apple propôs um novo padrão para cartões SIM, os tradicionais chips de celulares, à Etsi, órgão que controla as telecomunicações na União Europeia. A proposta é adotar versões menores e mais finas que as atualmente utilizadas. A ação faz parte da estratégia da Apple de tentar fazer telefones ainda mais finos que os atuais. A proposição surgiu no momento em que a Europa tenta retomar a discussão sobre a padronização de chips em seus celulares.
Nova aparição
Afastado dos negócios para um tratamento de câncer desde o ano passado, Steve Jobs confirmou que participará da conferência anual da Apple para desenvolvedores, marcada para a próxima semana, na Califórnia. Em nota, a companhia apenas afirmou que “Steve Jobs e a diretoria da Apple vão abrir (a conferência)”, não deixando claro se ele deve retomar o comando da empresa. É normalmente nessa conferência que são apresentadas as principais apostas da Apple para o próximo ano. Só esse anúncio fez as ações da Apple subirem cerca de 1,5% na bolsa norte-americana, ontem.