Fim do sofrimento no diagnóstico de fibrose hepática. Chegou ao país a elastografia hepática transitória, exame baseado na ultrassonografia, que, em muitos casos, substitui a biópsia. O novo método é mais eficiente, pois analisa uma área 100 vezes maior do fígado, e não é invasivo. Sem cortar nem perfurar o paciente, o aparelho permite ao médico analisar o órgão por meio de ondas de vibração. Dos seis que existem no Brasil, um está em Belo Horizonte, um no Rio de Janeiro e quatro em São Paulo.
A novidade tecnológica foi lançada há cerca de dois anos por uma multinacional francesa e já está em uso na América do Norte, Europa Ocidental e Japão. Ela serve para detectar a presença, o grau e a evolução da fibrose hepática, conjunto de cicatrizes resultantes de doenças que agridem continuamente o fígado. As causas mais conhecidas desse mal são alcoolismo, hepatites B e C crônicas, hepatite autoimune, doenças metabólicas como hemocromatose, provocada por acúmulo de acúmulo de ferro no organismo, cirrose biliar primária e esteatose, que é causada por excesso de gordura no fígado. De acordo com o hepatologista mineiro João Galizzi Filho, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o aparelho mede a dureza do órgão, aspecto que está diretamente ligado ao grau de fibrose. "Quanto mais cicatrizes, mais duro é o fígado, que, assim como a nossa pele, perde a elasticidade no local", explica.
A elastografia hepática transitória só não levou ao fim do antigo método porque não mede outras alterações do fígado, como o nível de inflamação. Mesmo assim, é vista como um importante avanço da medicina, já que a biópsia é incômoda, dolorosa e gera risco de sangramento. Além disso, o exame deve ser feito em ambiente hospitalar, pois o paciente toma anestesia local e precisa permanecer em observação médica por algumas horas. Outro problema é que a biópsia colhe um material mínimo, o que pode levar a um erro de amostragem, que chega a 20%. "Aquele pequeno fragmento colhido pela biópsia pode não refletir fielmente o que ocorre na maior parte do fígado, já que as doenças crônicas são difusas, ou seja, acometem o órgão por inteiro, mas são heterogêneas", pontua o hepatologista.
A biópsia já afastou muitos pacientes do consultório médico. A esperança é de que, com o novo exame, os brasileiros percam o medo de fazer checape do fígado. João Galizzi Filho destaca a importância do diagnóstico precoce da fibrose hepática, já que ela pode evoluir para a cirrose, doença com alta taxa de mortalidade. Não há dados sobre o número de mortes no Brasil, mas sabe-se que na América do Norte 27 mil pessoas morrem por ano em decorrência de cirrose hepática.
A mais grave doença do fígado, que leva muitos pacientes a recorrer ao transplante, por ser considerada irreversível, é um grau extremo de fibrose. As cicatrizes vão se formando em resposta a um longo processo de agressão ao órgão, cujo tempo é variado. Em quem sofre de hepatite C, por exemplo, a evolução pode demorar cerca de 25 anos. A cirrose leva a uma perda gradual das funções do fígado, pois as cicatrizes o ocupam difusamente, alteram a estrutura dele e prejudicam a livre circulação do sangue. Assim, o órgão fica sem os nutrientes necessários para o seu funcionamento normal. É exatamente por isso que a doença é potencialmente fatal, como esclarece Galizzi.
SEM MANIFESTAÇÃO
O acompanhamento médico é fundamental quando se fala em fígado, porque as doenças hepáticas não se manifestam com facilidade. Como diz um ditado popular, o fígado sofre calado. Ele é um órgão que, geralmente, não produz dor, então as doenças evoluem silenciosamente, às vezes por anos. Normalmente, quando os sintomas aparecem, eles já são consequência da cirrose hepática avançada. Nesse estágio, o paciente emagrece, fica com os pés e a barriga inchados, os olhos amarelos, sofre de anemia e tem perda da massa muscular. "Não podemos contar com os sintomas para fazer o diagnóstico. Por isso, é tão importante, se o indivíduo tem hábitos de vida que predisponham às doenças do fígado, ficar alerta e procurar regularmente um médico para fazer exames", alerta o hepatologista.
A elastografia hepática transitória não é só um avanço para o diagnóstico, mas para o acompanhamento das doenças do fígado. Muitos pacientes que precisam fazer uma segunda biópsia abandonam o tratamento. "A vantagem desse método não invasivo é que ele permite repetir o exame, sem sofrimento, para ver se a fibrose está aumentando, regredindo ou se paralisou. Se fosse com a biópsia, o paciente teria que fazer, pelo menos, duas ou três e muitos são resistentes a isso", observa. João Galizzi Filho apenas ressalta que, em alguns casos, o médico pode pedir a biópsia no início do tratamento para depois seguir o acompanhamento com o novo aparelho. A escolha do exame vai depender da doença que agride o fígado.
O hepatologista destaca que o novo aparelho também é útil para acompanhar pacientes que foram submetidos a transplante de fígado. Com a elastografia, dá para ver se o órgão está se adaptando bem ao novo organismo ou se está havendo uma recidiva da doença. O método ainda representa um alívio para quem toma medicamentos que podem causar fibrose hepática, como o methotrexate, muito usado em reumatologia e dermatologia. "Até então, esses indivíduos tinham que ser submetidos a uma biópsia do fígado antes, durante e depois do tratamento para detectar uma eventual fibrose em formação."
Estilo de vida
As doenças hepáticas, fora as de origem genética, podem estar diretamente ligadas ao estilo de vida do paciente. Para evitá-las, o melhor é se livrar do sedentarismo, excesso de alimentação, sobrepeso ou obesidade, por causa da esteatose; usar bebidas alcoólicas com moderação; ter vida sexual segura, já que a hepatite B é sexualmente transmissível; evitar o compartilhamento de objetos que perfurem ou cortem a pele, como agulhas e seringas, usando apenas material descartável, porque as hepatites B e C são transmitidas sangue a sangue; vacinar contra a hepatite B e procurar regularmente um médico, pedindo a ele análise do fígado em checape de rotina.
SAIBA MAIS SOBRE O FÍGADO
O órgão é a central elétrica do corpo humano. Ele recebe os nutrientes transportados pelo sangue, transforma-os, por exemplo, em glicose, glicogênio, colesterol, enzimas e proteínas, armazena essas substâncias e as fornece para a produção de energia necessária para o funcionamento do nosso organismo. Outra função do fígado, entre mais de 500, é eliminar toxinas produzidas pelo organismo ou que venham de fora dele, como álcool e medicamentos. O órgão tem, ainda capacidade única de regeneração, daí a possibilidade de transplante inter vivos. Se forem retirados, cirurgicamente, 70% de um fígado saudável, os 30% restantes conseguem manter o indivíduo vivo e, depois de alguns meses, crescem e retomam o tamanho próximo do original.