A baixa estatura pode ser sinal de várias doenças, a maioria delas relacionadas à subnutrição. Há um grupo, porém, que já nasce sem qualquer chance de chegar a uma altura normal. São as pessoas com nanismo genético, gente que não chega a ter 1,40m. A ciência já conseguiu mapear as desordens cromossômicas responsáveis pela maioria dos casos de malformação, mas ainda é muito difícil reverter o quadro. Enquanto isso, os pequenos procuram levar a vida como qualquer outro cidadão, algo que já não seria fácil devido à falta de adaptação do mundo e que pode ser ainda mais complicado por conta da resistência ao diferente — que o diga o engenheiro eletricista Haroldo Wasser Gomes, de 38 anos. Há quatro, nasceu sua filha, Milena, diagnosticada com acondroplasia, o tipo mais comum de nanismo. “Até então, eu tinha uma referência muito pejorativa desse tema, achava que essas pessoas só serviam para o circo”, reconhece. “Fiquei triste no começo, mas bastou conhecer outros pequenos para transformar a minha maneira de encarar o assunto”, conta.
Milena é a primeira da família de Gomes e de sua mulher, Paula, a nascer com a mutação genética que causa o problema. Ainda na barriga da mãe, bebês com a doença sofrem alterações que provocam falhas na produção de células essenciais ao alongamento dos ossos (veja infografia ao lado).
“Em boa parte dos casos, ocorre um acidente genético aleatório, sem qualquer relação com a herança familiar. Isso só passa a interferir em indivíduos gerados por pessoas que têm o nanismo”, esclarece Salmo Raskin, diretor da Sociedade Brasileira de Genética Médica. Foi o que aconteceu com a família da atriz Priscila Menucci, 36 anos. Ela casou-se com outro pequeno e está prestes a dar à luz o segundo filho com nanismo. “Muitos médicos disseram que eu não poderia ser mãe, até que um ginecologista resolveu fazer os exames para confirmar essa ideia. Ele descobriu que meu útero é do tamanho normal e eu tive duas gestações absolutamente normais”, conta a atriz. O caçula nasce nesta semana.
Os especialistas ainda não conseguiram definir qual o tipo de nanismo de Priscila, que tem 91cm. O marido dela, com 1,30m, e o filho de 5 anos são acondroplásicos, e toda a família tem a saúde perfeita. O mesmo não ocorre em outras anomalias que causam baixo crescimento. Na osteogênese imperfeita, por exemplo, mais conhecida como síndrome dos ossos de vidro, partes do esqueleto ficam, além de curtas, frágeis. O drama desses pacientes foi retratado no filme Corpo fechado, onde o personagem vivido por Samuel L. Jackson sofreu dezenas de fraturas ao longo da vida. “Nesse caso, o defeito ocorre na produção de colágeno, uma proteína que garante a resistência dos ossos”, detalha Raskin.
As anomalias genéticas também podem afetar a produção de hormônios, o combustível que o corpo utiliza para crescer. Há dezenas de patologias provocadas por esse tipo de problema. Uma das principais é a síndrome de Turner, que ocorre quando há apenas um cromossomo X na mulher, em vez de dois. “A mutação atrapalha a formação do ovário da menina, que já nasce com baixa estatura. A doença pode ser suavizada com a administração de hormônios do crescimento, mas, em muitos casos, a jovem tem dificuldades para desenvolver caracteres sexuais secundários”, explica o diretor da Sociedade Brasileira de Genética Médica.
Esse é, inclusive, um dos desafios que a medicina enfrenta para ajudar pessoas com nanismo. Se o defeito atinge a produção de apenas uma proteína, é possível que isso seja contornado com medicamentos. “O problema é que, frequentemente, há mais de um gene alterado e, em outras situações, nós ainda não sabemos como a proteína se comporta”, diz Salmo Raskin. Ele e outros especialistas lembram que nanismo não é a mesma coisa que ser baixinho. “Muita gente aparece no consultório se queixando de baixa estatura, sem considerar seu histórico familiar. Não é doença ter 1,60m. O nanismo só passa a ser considerado em pessoas com menos de 1,40m, 1,30m”, comenta o endocrinologista Marcello Bronstein, do Hospital das Clínicas de São Paulo, um dos maiores estudiosos do tema no país.
Mundo de gigantes
Para os que cresceram apenas até 1 metro e bem pouco, o cotidiano exige certo jogo de cintura. A começar pela convivência escolar. “Antes de Milena começar no colégio, conversamos com a professora e com a orientadora educacional. Fomos bem francos sobre as possibilidades, especialmente no que se refere a jogos e brincadeiras com crianças maiores”, conta Haroldo Gomes. Esse acerto também foi feito quando Priscila estava no ensino fundamental. Ela lembra que não deixou de praticar nenhuma atividade física, somente permanecia na quadra por menos tempo que as colegas.
Dentro de casa, a família de Priscila optou por manter as coisas no tamanho normal. “Temos alguns interruptores mais baixos, mas é só. O resto é feito com banquinho. Foi uma escolha, porque lá fora os lugares não são adaptados, a gente é que precisa se virar”, diz. A dificuldade existe para todas as pessoas com necessidades especiais, mas pode ser ainda mais crítica para quem tem nanismo. Priscila não consegue usar o caixa eletrônico para cadeirantes, por exemplo. “Eu alcanço as teclas, mas não vejo a tela por causa do reflexo. Infelizmente, tenho que dar minha senha para os auxiliares do banco.”
Essas situações, contudo, não são o pior. “A principal barreira é a cultural. É preciso expor um modelo positivo da pessoa com nanismo, ao contrário do que aparece frequentemente, com pequenos sendo palhaços ou abusados por pessoas maiores”, diz Haroldo Gomes. Priscila concorda. “O mundo pode se adaptar, a gente briga, entra na Justiça. O mais difícil de mudar é o ser humano, ensinar o respeito pela diferença do outro.”