Jornal Estado de Minas

Depressão psicótica altera a estrutura do cérebro, diz estudo

Estudo realizado por pesquisadores da USP indica que pacientes com depressão, quando apresentam manifestações psicóticas, têm alteração em estruturas cerebrais e viés negativo na memória para informações com conteúdo emocional

Agência Fapesp

Estudo realizado por pesquisadores da USP indica que pacientes com depressão, quando apresentam manifestações psicóticas, têm alteração em estruturas cerebrais e viés negativo na memória para informações com conteúdo emocional - Foto: DivulgaçãoPessoas com depressão muitas vezes apresentam também manifestações psicóticas. Mas, até agora, a medicina não tem métodos objetivos para diferenciar esses casos dos quadros depressivos comuns, o que dificulta a adoção de tratamentos específicos.

Correlacionando dados de neuroimagem e testes clínicos, um grupo de pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da Universidade de São Paulo (USP) dá os primeiros passos para definir as diferenças clínicas e biológicas entre a depressão psicótica e não psicótica.

Dados preliminares de um estudo coordenado por Cristina Marta Del Ben, do Departamento de Neurociência e Comportamento da FMRP-USP, indicam que pacientes com depressão psicótica apresentam alterações no volume de determinadas estruturas cerebrais.

O estudo, ligado ao Projeto Temático "Neurotransmissores típicos e atípicos em transtornos neuropsiquiátricos", apoiado pela FAPESP e coordenado por Francisco Silveira Guimarães, da FMRP-USP, foi apresentado na sexta-feira (26/08), durante a 26ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE), no Rio de Janeiro.

O estudo avaliou 23 pacientes com depressão psicótica, 25 com depressão não psicótica e 29 pessoas saudáveis para controle. O objetivo era observar as diferenças entre a depressão com e sem psicose. “Mas achamos importante correlacionar esses resultados de alterações biológicas com medidas clínicas e funções psíquicas mais finas. Por isso, combinamos esses dados a uma avaliação clínica detalhada”, disse Del Ben à Agência FAPESP.

Os dados de neuroimagem foram obtidos com um scanner de 3 tesla. Os pacientes também foram submetidos a uma espectroscopia para detectar a presença de uma série de metabólitos. Os dados foram então analisados por um software específico.

“Mas não podíamos nos restringir aos dados biológicos, pois era preciso considerar a emoção e o comportamento envolvidos nas manifestações da doença. Por isso, desenvolvemos também paradigmas para avaliar as interferências no processamento de memória verbal e visual envolvendo estímulos emocionais”, disse Del Ben.

Em um dos testes, os pacientes tinham que memorizar uma lista de 15 palavras com significado positivo, negativo ou neutro. Uma segunda lista de 15 palavras era então apresentada e os participantes deveriam identificar as palavras que já estavam presentes antes.

Outro teste semelhante foi feito com imagens positivas, negativas e neutras. Um terceiro teste envolvia a identificação de rostos humanos expressando diferentes tipos de emoção.

“Embora todos os pacientes tivessem depressão com o mesmo grau de gravidade, aqueles que apresentavam a manifestação psicótica demonstraram uma tendência maior a ficar atentos ao negativo. Não percebiam estímulos positivos que já tinham visto, ou achavam que tinham visto estímulos negativos que não tinham visto. É como se eles apresentassem um viés para o que é ruim”, disse Del Ben.

Algumas estruturas cerebrais dos pacientes com depressão psicótica apresentaram alterações no volume. A principal diferença ocorreu no istmo do giro do cíngulo, que estava reduzido nesses pacientes. De acordo com Del Ben, essa estrutura faz parte do sistema límbico, uma região do cérebro responsável pelas emoções.

“A redução da parte posterior do giro do cíngulo foi significativa nos pacientes com depressão psicótica, distinguindo-os muito bem dos não psicóticos. Além disso, há uma correlação com a gravidade. Quanto mais grave o caso do paciente psicótico, menor se apresentava a estrutura”, apontou.

Tratamento específico


Segundo a cientista, os dados são preliminares e foram obtidos há cerca de dois meses. “Apenas começamos a fazer as correlações. Mas agora temos dados para fazer a conexão entre as alterações nas estruturas cerebrais e essa tendência a superestimar o lado negativo das coisas”, afirmou.

O istmo do cíngulo faz a conexão entre o lobo occipital – uma estrutura importante para o processamento visual e a percepção do estímulo externo – com o sistema límbico. Segundo a pesquisadora, o trabalho abre caminho para levantar até que ponto a depressão com psicose pode estar ligada a uma percepção distorcida de estímulo externo.

“É uma possibilidade que estamos levantando. A possibilidade de uma distorção na percepção do estímulo externo é, a princípio, coerente com a presença de delírio e alucinação, típicas da manifestação psicótica. Ainda temos que explorar esse possível problema na integração entre mundo externo e percepção subjetiva”, explicou.

Segundo Del Ben, é possível que a depressão psicótica e não psicótica sejam condições distintas de transtorno mental, que mereceriam abordagens específicas. Por isso, é importante estudar essa diferença.

“Entender a fisiopatogenia da doença é fundamental para a psiquiatria. Estamos aquém de outras especialidades médicas nessa área. É preciso aprofundar nossa compreensão de todo o processo para intervir de maneira mais apropriada. Atualmente, os pacientes são medicados com antidepressivos que causam uma modificação bastante inespecífica, no cérebro todo. Ainda não sabemos se é possível utilizar um tratamento mais específico e personalizado”, afirmou.

Além de Del Ben, participaram do trabalho a pós-doutoranda Maristela Schaufelberger Spanghero, atualmente docente da FMRP, e as alunas de mestrado Aline Gerbasi Balestra e Helena Pinho de Sá.