Ela ainda não é tão conhecida ou provoca tanto medo na população quanto a Aids e o câncer, mas pode vir a ser tão letal quanto essas e outras doenças. Um dos principais focos de gastos e preocupações dos sistemas públicos internacionais de saúde, pela primeira vez no Brasil uma pesquisa tenta traçar um perfil da hepatite C no país. Foram ouvidas 1.137 pessoas da classe C, com renda familiar de R$ 1,2 mil a R$ 5,1 mil, em 11 cidades brasileiras, e os resultados não são nada animadores.
O fato de apenas 1% dos entrevistados considerar a doença grave e o elevado índice de 86% de desconhecimento da patologia é suficiente para fazer soar um sinal de alerta. "Os dados significam que o Brasil precisa agir, entrar com campanhas de prevenção mais agressivas e informar melhor a população sobre os riscos da hepatite C", analisa o presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, Raimundo Paraná.
"Isto (o desconhecimento) ocorre em todas as partes do mundo. Nos Estados Unidos e na Europa, ainda há pouca informação sobre a doença", reage o coordenador do Programa Nacional de Aids e DST do Ministério da Saúde, Ronaldo Hallal. Os números da pesquisa foram divulgados ontem durante o 11º Congresso Brasileiro de Hepatologia, em Salvador (BA). Os dados serão discutidos pelos especialistas para ajudar a definição de futuras políticas públicas destinadas a melhorar a estrutura já existente no Ministério da Saúde para lidar com a enfermidade.
Ainda segundo a pesquisa, o medo de contrair o mal foi compartilhado por 52% dos entrevistados; 51% não souberam dizer espontaneamente o que é a hepatite C; e 84% nunca fizeram o teste para a doença. Para agravar a situação, o baixo grau de conhecimento e de informações sobre a doença também atinge a classe médica.
Revelação e medo
A artista plástica Rosa Machado, de 67 anos, e o marido, Walter, de 69, estão entre os mais de 170 milhões de pessoas infectadas no mundo, mas, na hora de procurar um especialista, os clínicos gerais consultados pelo casal indicavam sempre infectologistas ou gastroenterologistas — o que não é de todo equivocado, mas um hepatologista seria o mais adequado para um paciente de hepatite C procurar ajuda. Rosa foi diagnosticada ainda no começo da evolução da patologia e está respondendo bem ao tratamento. O marido é portador do vírus (VHC), mas não desenvolveu a doença.
A principal suspeita de contágio foram as várias transfusões de sangue – a principal forma de contágio, seguida por relações sexuais – a que Walter foi submetido, em 2000, quando passou 18 dias internado em um hospital do Rio de Janeiro. "Eu estava morto; os médicos me desenganaram, mas sobrevivi. Depois, soube que estava com o vírus da hepatite C."
Para Rosa, no começo, a tensão, o desconhecimento sobre os riscos e os danos à saúde ocasionados pelo VHC eram uma "tortura". "Fiquei desesperada e então começamos a ler tudo sobre a doença; a internet ajudou muito", diz a artista plástica. Ela aguarda há três meses a liberação, pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal, dos remédios prescritos – ribavirina 250mg e alfapeginterferon 180mg. "Tenho medo de atrasar o tratamento e complicar minha vida ainda mais", reclama. Desde fevereiro, quando foi diagnosticada por acaso, Rosa faz uma dieta severa recomendada pelo médico, sem gorduras, e evita se movimentar demais. "Fui extrair um pólipo no abdômen e descobriram nos exames pré-cirúrgicos que eu tinha o vírus."
No Brasil, o Boletim Epidemiológico de Hepatites Virais do Ministério da Saúde informa que foram confirmados 69.952 casos – no período de 1999 a 2010. Estudos brasileiros demonstram uma prevalência de 1% a 2% da população, com estimativa entre 2 milhões e 4 milhões de infectados.
Pouco destaque
Ao analisar os resultados da pesquisa, o especialista Davi Urbais Brito faz duas ressalvas. "Um dos problemas da hepatite C é que se trata de uma doença nova e que só agora os diagnósticos vêm aparecendo mais. Ela foi descoberta em 1989 e por isso ainda faltam informações à população. Outra coisa importante é que o contágio e a infecção demoram muito a ser identificados." Segundo o hepatologista, a hepatite C é menos destacada na mídia do que a Aids e, ao ser menos divulgada, não mete medo na população.
"Os programas de atendimento do Sistema Único de Saúde são bons e o Brasil tem uma boa estrutura montada, mas as campanhas de informações ainda estão aquém do necessário. Além disso, a rede de diagnóstico tem de ser ampliada, mas esse caminho está sendo construído."
A Organização Mundial da Saúde (OMS) encara a doença como uma bomba-relógio viral de efeito retardado, porém mortífero, e aconselha os países a formar barreiras de proteção para impedir o avanço do mal.
Novidades
A agência de saúde europeia aprovou a comercialização do telaprevir, um antiviral de ação direta (DAA) da classe dos inibidores de protease, indicado para o tratamento de adultos com hepatite C crônica causada pelo vírus HVC de genótipo 1, em combinação com o interferon peguilado alfa e a ribavirina. Com essa aprovação, os 27 países que fazem parte da União Europeia estão autorizados a comercializar o medicamento. No Brasil, a Agência nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai liberar os registros do telaprevir e do boceprevir (aprovado na Europa em abril deste ano), em 7 de outubro. As novas drogas, que estarão disponíveis na rede pública, encurtam o tempo de tratamento e aumentam em 79% as chances de cura.