Há cerca de três anos, o fiscal de prevenção e perdas Rodrigo Vellasco, 28 anos, descobriu um descolamento de retina e que não poderia mais trabalhar, sob o risco de perder a visão. Quatro anos antes, Martha*, 49 anos, foi demitida de uma firma de contabilidade. Vellasco foi encaminhado para a Previdência Social, onde foi “encostado”, e passou a receber um salário mais baixo. Ela buscou agências de emprego, amigos e os mais variados contatos profissionais — nem assim conseguiu arrumar uma nova colocação. O fiscal encontrou no cigarro um companheiro para amenizar o estresse de uma vida mais restrita. A técnica de contabilidade buscou no álcool uma válvula de escape para lidar com as dificuldades financeiras causada por um mercado de trabalho com as portas praticamente fechadas para quem tem mais de 40 anos.
No caso de Martha, a frustração de, depois de anos de profissão, não conseguir uma nova colocação, fez com que ela “errasse a mão” durante alguns fins de semana. “Eu chegava no sábado mais cansada do que quando estava trabalhando. Ia no Sine, fazia entrevistas e nunca conseguia nada. No sábado e no domingo, queria esquecer esse inferno que a minha vida tinha se tornado”, conta a auxiliar de contabilidade. “Começou nos fins de semana para esquecer os problemas de dinheiro, as dívidas, mas, depois de cerca de seis meses, me vi alcoolizada de segunda a segunda”, relembra ela, que hoje conta com os Alcoólicos Anônimos para controlar a compulsão pela bebida.
Cientistas da Universidade de Albany, nos Estados Unidos, garantem que as histórias dos dois não são fatos isolados. Depois de acompanhar durante 14 anos cerca de 2,3 mil norte americanos, os especialistas comprovaram cientificamente o que a sabedoria popular já dizia: crises econômicas funcionam como um estopim para o tabagismo e o alcoolismo. A primeira pesquisa do gênero a mensurar os efeitos econômicos sobre o vício mostrou que, em momentos de tensão econômica, aumentam em até 30% as chances de as pessoas beberem excessivamente e fumarem mais que o habitual.
Em entrevista ao Estado de Minas, o principal autor do estudo, o pesquisador norte-americano Benjamin Shaw, conta que o estudo focou principalmente em pessoas mais velhas, mas que pode se aplicar a vários outros grupos. “A relação que nós descobrimos é que, durante os tempos nos quais as pessoas estavam sentindo dificuldades financeiras, eles também foram mais propensos a beber muito e a fumar mais cigarros”, conta o especialista. “Nossa amostra incluiu ricos e pobres, pessoas de diferentes raças, origens étnicas e níveis de ensino.”
O estudo mostrou que quando o período de turbulência econômica passa, as pessoas normalmente voltam a consumir quantidades menores das duas drogas. “Durante períodos em que a tensão financeira foi melhorando, as pessoas voltaram a ser menos propensas a beber em excesso ou a fumar”, conta Shaw. Ele explica que as substâncias servem como uma espécie de válvula de escape, exatamente como relataram Rodrigo e Martha.
Mais vulneráveis
Embora o problema atinja todas as classes sociais, o especialista garante que alguns grupos são mais suscetíveis. “Esse padrão se mostrou particularmente forte para os homens mais velhos e aqueles com menos educação. No caso das mulheres e dos mais escolarizados, essa ligação não é tão intensa”, relata o especialista. “As mulheres foram o grupo que se mostrou menos suscetível, principalmente as de mais idade. Mulheres mais velhas, em particular, tendem a ter redes de apoio social, pelas quais podem obter assistência. Esse recurso social pode ser uma das principais razões para que as mulheres não sejam tão afetadas pelas experiências de tensão financeira.”
A psicóloga Maraci Sant’Ana, autora de artigos sobre a relação entre comportamento e dinheiro, conta que problemas financeiros podem não apenas aprofundar o tabagismo e o alcoolismo, mas levar ao início do vício. “Qualquer problema pode levar alguém a fumar e a beber mais. Assim como qualquer problema pode levar alguém a começar a fumar e a beber, porque isso dá a sensação de prazer que a pessoa procura”, justifica.
Para ela, parte do problema se deve ao peso excessivo que algumas pessoas tem dado ao dinheiro em suas vidas, situação que pouco a pouco tem mudado. “O dinheiro sempre teve uma enorme importância na vida das pessoas, e continua tendo, mas o que tenho percebido é que as pessoas têm parado mais para questionar o ‘ter’ como prioridade”, afirma a psicóloga. “A cada dia, cresce o número de gente que se preocupa mais com o ‘ser’. Por mais que pareça que o mundo está piorando, eu acredito que ele vem melhorando.”
A educação financeira seria, segundo a especialista, a saída para evitar os dois problemas: o abuso de drogas e o descontrole econômico. “As crianças deveriam aprender a lidar com o dinheiro desde bem pequenas. Isso evitaria muitos problemas. No caso do adulto que está passando por problemas financeiros, ele deve buscar ajuda de um profissional de finanças”, opina. “Se o drama envolver uso ou abuso de drogas, deve procurar também um psicoterapeuta, que, se for o caso, o orientará a buscar ainda um psiquiatra, para prescrição de medicamentos”.