Em tempos de culto exacerbado à beleza, quem se sente desconfortável na própria pele vive um dilema diário: assumir suas imperfeições ou camuflá-las? No caso dos portadores de psoríase – uma doença crônica de pele caracterizada por lesões espessas e avermelhadas, cobertas por placas –, a questão vai além da estética e resvala no preconceito alimentado pela desinformação. Uma pesquisa realizada pelo Ibope com 602 pessoas em oito capitais brasileiras, inclusive Belo Horizonte e Brasília, revelou que somente 7% dos entrevistados conhecem a doença e 86% não namorariam ou teriam relação sexual com um paciente com psoríase.
A dermatologista Ana Carolina Belini Bazán Arruda, que participou do artigo, explica que os resultados da pesquisa chamaram a atenção mesmo de quem está acostumado à doença. “Como médicos que lidam com a psoríase, tínhamos uma percepção, mas não a medida exata, principalmente em relação ao desconhecimento. O preconceito quantificado assusta.”
Alguns fatores contribuem para a falta de informação sobre a doença, como o fato de a maior parte dos pacientes não gostar de falar sobre a psoríase e preferir escondê-la. “Algumas campanhas trabalham a questão da conscientização, como as ações realizadas pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) no Dia Mundial da Psoríase, em 29 de outubro. O objetivo é tirar a psoríase das sombras. As pessoas precisam saber que ela não é contagiosa e não traz nenhum mal a quem está do lado do portador”, diz Ana Carolina. De acordo com a dermatologista, muitas pessoas ainda associam as placas vermelhas e descamativas à hanseníase e à sarna.
Além da conscientização da população, as informações da pesquisa são bastante úteis também para a classe médica. Elas ajudam a entender a melhor forma de tratar os pacientes. A maior parte dos casos, cerca de 70%, é diagnosticada como leve, mas, para o portador, pode representar uma piora extrema na qualidade de vida. “Se tem um impacto muito grande, pode ser tratada de uma forma mais agressiva. Por isso, apesar de termos índices a partir de questionários e avaliações clínicas, que ajudam a classificar a doença como leve, moderada ou severa, é importante a conversa com o paciente”, afirma Ana Carolina.
A psoríase tem tratamento e controle, mas não tem cura. O paciente pode ficar muito bem, sem lesões, mas com uso de medicamentos. “Até pode ocorrer de ele não ter uma recidiva sem tomar a medicação, mas é bem raro. Os próprios pacientes têm que saber que há tratamento, que a qualidade de vida pode melhorar muito”, acrescenta. Por se tratar de uma doença crônica, o tratamento é para toda a vida, mesmo com os altos e baixos da doença.
Terapia A pedagoga Alcione Aguiar Souza, de 50 anos, sabe bem disso. Diagnosticada com psoríase há 15 anos, ela passou por momentos difíceis. “Era jovem, vaidosa, bonita. A primeira coisa que meu médico me indicou foi fazer terapia, um trabalho de autoaceitação mesmo.” Hoje, ela faz questão de ter uma vida normal, independentemente das crises. “Namoro, saio, vou à praia mesmo com crise, coloco biquíni. A gente não é só o corpo, é mais do que isso. Quem tem psoríase acaba aprendendo isso na marra.” Ansiosa por natureza, ela mantém o equilíbrio fazendo caminhada, pilates, ioga, meditação e acupuntura. “Além disso, tenho uma alimentação saudável, evito bebida alcoólica, passo muito hidratante e tento ficar tranquila. Tem épocas em que a psoríase melhora e até some, mas tenho períodos de piora. Tem que gostar muito de si mesmo e estar atento, para tentar frear a tempo. Nem sempre dá.”
Consciente de que atitudes como a sua frente à doença são raras, Alcione fundou a Associação Mineira de Apoio aos Portadores de Psoríase. Conversou com pessoas de todo o país, participou de encontros estaduais e nacionais, mas o preconceito ainda mais forte. “A associação não existe mais há um ano, por falta de comparecimento dos portadores às reuniões. Ainda há uma dificuldade em se assumir como portador. É uma questão de autopreconceito, quase aversão. Não se olham no espelho, têm medo de se expor e alguns não procuram nem tratamento. Se ele próprio não se aceita, quem vai aceitá-lo?”, indaga.
O que é
Doença imunológica crônica que atinge cerca 3% da população mundial –presume-se que no Brasil a prevalência seja semelhante – e envolve a aceleração do processo normal de renovação da pele. Normalmente, as células da pele levam de 28 a 30 dias para amadurecer e atingir a superfície, onde ocorre uma constante e invisível descamação das células mortas. Já as células com padrão psoriasiforme desenvolvem-se e atingem a superfície da pele em apenas três a cinco dias. Com isso, as células vivas acumulam-se com as mortas em camadas visíveis.
O que causa
A causa exata ainda não é conhecida, mas acredita-se que fatores genéticos tenham um papel importante. Cerca de 30% dos pacientes têm antecedentes familiares. A psoríase é piorada por estresse emocional e físico – como queimadura solar e traumas localizados –, por infecções causadas por vírus ou bactérias e por reações a determinados remédios.
Sintomas
A psoríase, quando é leve ou moderada, não dói, não arde e raramente coça. O que chama a atenção é realmente a aparência da pele. Geralmente começa no couro cabeludo, o que é confundido com caspa, e no cotovelo.
Tipos
De placa: a forma mais comum de psoríase. Afeta mais de 80% dos pacientes. As placas aparecem mais comumente nos cotovelos, joelhos, couro cabeludo, umbigo e área lombar.
Artrite psoriática: é uma doença adicional que causa inflamação nas articulações e pode afetar de 20% a 40% dos pacientes.
Palmo-plantar: pode ser limitada às mãos e aos pés, mas é frequentemente incapacitante.
Pustular: forma mais rara da doença que pode se espalhar até afetar toda a superfície do corpo. É caracterizada por pústulas brancas envolvidas por uma pele vermelha.
Flexural: aparece em zonas de flexão (dobras cutâneas) e é caracterizada por áreas vermelhas e brilhantes da pele.
Gutata: diagnosticada por uma erupção de pequenos pontos de até um centímetro de diâmetro, geralmente com aparência de pingos de chuva.
Eritrodérmica: um tipo grave de psoríase que afeta até 100% da superfície do corpo. Faz com que os pacientes percam muitas das funções protetoras da pele.
Como é o tratamento
Em todas as classificações, são usadas pomadas, cremes e emolientes (hidratantes) tópicos. Conforme a classificação vai aumentando, incluem-se medicações orais. Metotrexato e acitretina são medicamentos de primeira linha, e, em casos muito graves (que podem incluir acometimento sistêmico, como alteração na glicose, colesterol ou dor articular) são usados ciclosporina ou os chamados imunobiológicos. Para psoríases leves e moderadas, é indicada a fototerapia, que tem efeito anti-inflamatório na pele.
Acesse
A Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) tem um hotsite com informações sobre a psoríase, contatos de associações e vídeos com depoimentos de portadores. O endereço é www.diamundialdapsoriase.com.br.
Levantamento
O estudo foi feito por meio de entrevistas pessoais e domiciliares, com base na seleção randomizada da população acima de 20 anos de oito capitais brasileiras: 67% em São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte; 14% em Salvador e Recife, 10% em Curitiba e Porto Alegre e 8% em Brasília. Os entrevistados responderam a perguntas e opinaram com base em fotos que retratavam lesões de psoríase em vários locais do corpo e em diferentes estágios.