“A captura de movimento nos interessa desde a década de 1990, quando já testávamos o início da tecnologia nas primeiras experiências na praça em Charleville-Mezières, na França. Depois de selecionados num festival de lá fizemos testes com captura de gestos por rádio”, contou Malafaia.
Para ele, a técnica tem inúmeras aplicações, da área médica ao lazer. “Um dos tentáculos da captura de movimento é o suporte de construção de um novo panorama/cenário humano que vai se fortalecendo passo a passo: o mundo das simulações digitais. (...) A utilização da tecnologia é como na história da Alice, nós vamos entrando nessa toca e não sei se a gente vai sair. É o universo sintético”, observa.
Se no teatro de bonecos haverá uma mescla do digital com o real, o curta-metragem que será produzido com o Grupo Galpão será inteiramente animado. Mas quem dará vida a cada personagem serão os atores. Eduardo Moreira é o responsável pelo roteiro e direção do vídeo. O curta será baseado numa história sobre Franz Kafka. O escritor, em passeio numa praça de Berlim, (Alemanha) teria visto uma menina chorando. Ao abordar a garota, ela conta que perdeu a boneca. Desde então, Kafka escreve cartas para a menina como se fosse o brinquedo desaparecido contando suas viagens pelo mundo. Por meio desses relatos diários, a criança supera a perda da boneca. O ator Júlio Maciel será Kafka, a atriz Inês Peixoto a boneca e Bárbara, sua filha com Eduardo Moreira, a garotinha.
Beto Franco, também integrante do grupo, conta que participar do projeto está sendo uma experiência instigante. “A animação passa a utilizar o ator, tornando a produção mais convincente. Além de dar mais possibilidades para o diretor: ele não instrui uma máquina, mas uma pessoa”, considera o ator.
Aplicação é o que não falta
Nem só de avatares se faz o reino da tecnologia de captura de movimento para animação. Para além da produção hollywoodiana, muitos grupos têm estudado outras aplicações da técnica, inclusive os mineiros. Pesquisas de biomecânica para o aperfeiçoamento de esportistas e músicos e até o emprego do recurso em casos de reabilitação física são algumas das recentes experiências na área.
O artista audiovisual Henrique Roscoe, de 41 anos, é do tipo que gosta de experimentar em suas performances. Para o festival de música Eletronika 2011, encerrado no último fim de semana na capital mineira, Roscoe, em parceria com o músico Fabiano Fonseca, apresentou o LigaLingha (https://ligalingha.blogspot.com). No projeto, sons e imagens são executados em tempo real por meio de interfaces personalizadas. Para isso ele usou a captura de movimentos do Kinect, console de videogame da Microsoft.
Utilidade
Animação de personagens, ciência da reabilitação física, aprimoramento de movimentos em esportes, relações entre o movimento (da língua) e a fala e até performance de músicos fazem parte das pesquisas do Centro de Estudos do Movimento, Expressão e Comportamento Humanos (CemeCH) da Universidade Federal de Minas Gerais. O objetivo é estudar, de forma quantitativa, o movimento humano, tanto no que se refere à expressão de ideias (significado), quanto do ponto de vista dos seus mecanismos de controle motor.
O engenheiro eletrônico coordenador do Cemech, Hani Camille Yehia, de 46, explica que o grupo é transdiciplinar. Segundo Yehia, são usadas diversas formas de captura de movimento: do passivo, com câmeras de vídeo e marcadores nas articulações, até o ativo, conhecido como optoTrack. Nessa ferramenta os marcadores emitem sinais. “Ele é preciso, capta até as vibrações, mas as luzes são ligadas por um fio e se perde a mobilidade”, considera o engenheiro.
Sobre a tecnologia do kinect, ele afirma ser um recurso suficiente para um videogame, mas não necessariamente para outras aplicações. “Não é de alta precisão, mas consegue medir. Quanto mais sofisticado o equipamento de captura, menor a necessidade de processamento computacional depois”, considera.
Para ele, a captura do movimento em si não é trabalhosa, pode-se resolver com equipamento. Entender porquê ele ocorre e até que ponto é restrito, é que seria o grande desafio. “A utilidade dessa tecnologia vem com o tempo, a própria sociedade definirá”, aposta Yehia.
Eles também já fizeram
Se o filme de ficção científica Avatar, de 2009, é o primeiro que lhe vem à mente quando se fala em captura de movimento para animação, saiba que a técnica já era utilizada em produções anteriores. Cinco anos antes, O expresso polar já apresentava a tecnologia. Todo o elenco atuou em frente a uma tela vazia e emprestou seus gestos e expressões para os personagens animados da história. Em 2006, na animação A casa monstro, crianças reais interpretaram a aventura do trio de protagonistas. Os jogos mais populares no mundo, como FIFA, NBA, Final Fantasy, Super Mario e Donkey Kong, também são produzidos com essa técnica.
Passo a passo
» O personagem virtual é o protagonista de todo o processo, por isso o primeiro passo é definir como a captura será utilizada para conseguir o resultado esperado. Depois é “suar a camisa” e partir para o trabalho! Pelo menos duas pessoas ajudam a “cobaia” a vestir a roupa especial de lycra preta e coladinha. Vários velcros se tornam um grande desafio para acabar de colocar o modelito. Além disso, é preciso enroscar 34 refletores (pequenas esferas) no traje.
» Depois de tudo ajustado, é chegada a hora do indivíduo exercer a sua criatividade e se movimentar. Gestos muito elaborados exigem mais do equipamento. Normalmente, o software grava intervalos de 30 segundos de movimento. É preciso ter atenção aos marcadores, que não podem se soltar durante a performance.
» Os marcadores formam uma nuvem de pontos que já lembra o corpo humano. Essa nuvem tem uma hierarquia estabelecida no centro de massa do indivíduo. Cada câmera grava como se fosse um olho, com duas cria-se a sensação de profundidade. Por isso, esses equipamentos sempre são posicionados em pares. Por meio de cálculos de triangulação (X, Y e Z) dos dados de cada câmera (2D) chega-se a valores tridimensionais dos marcadores no corpo do ator.
» Nesse ponto cria-se uma espécie de esqueleto da animação. Os plug-in do programa convertem os dados gerados no processo de captura de movimento e os aplicam em pontos predeterminados, equivalentes às posições dos marcadores no ator. Forma-se um personagem com estruturas articuladas. Os pontos coletados já estão sobre o boneco. É hora de finalizar o personagem com cores e texturas e apreciar o trabalho.