Jornal Estado de Minas

Preços em dólar no iTunes brasileiro ferem a legislação

Loja virtual da Apple começa a vender músicas e filmes no país. Preço em dólar fere o Código de Defesa do Consumidor

Fred Bottrel

A pirataria disseminada na internet brasileira não é o único desafio para a iTunes Store, loja da Apple que chegou nessa terça-feira ao Brasil e outros países da América Latina, apostando em vedetes como o acervo digital do Rei Roberto Carlos. Com os preços das músicas a partir de US$ 0,99, e álbuns em torno de US$ 9,99, o maior problema está justamente na moeda do Tio Sam. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), no Brasil, é claro ao determinar que as ofertas de produtos e serviços no país ocorram na nossa moeda. “Não interessa que o produto seja virtual; se a música está à venda aqui, a informação tem de estar em reais”, alerta o advogado especializado em direito tecnológico Alexandre Atheniense.


Com a oferta das músicas, clipes e filmes em dólar, o pagamento é feito via cartão de crédito, com a conversão dos valores com base no câmbio da data de fechamento da fatura. “Funciona como uma compra internacional, mas não pode ser assim, afinal, a compra é feita em território brasileiro. Isso tem de ser denunciado ao Ministério Público, para que a Apple seja notificada e se adeque à legislação brasileira”, explica o coordenador do Procon da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Marcelo Barbosa. Ele cita os artigos 3 e 31 do CDC, que tratam da clareza da oferta e dos precos, em língua portuguesa e moeda nacional. Procurada, a Apple não se manifestou sobre o assunto.


O modelo da loja virtual salvou a indústria fonográfica na briga contra a pirataria, nos países em que já funciona. Nos EUA, onde o serviço já completou oito anos, mais de 10 bilhões de músicas foram baixadas. No Brasil, o modelo vai encontrar, no pessoal já acostumado a obter tudo ilegalmente de graça na web, sua prova de fogo.


De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonogáfica (IFPI, na sigla em inglês), o país está entre os que têm mais pessoas acostumadas à pirataria on-line: 45% dos brasileiros já fizeram algum download ilegal. Mesmo nos EUA, ou na Europa, onde a oferta de serviços legais é bem maior, apenas 16,5% e 14% das pessoas fazem compras de músicas on-line. “Claro que haverá ainda quem prefira manter os velhos hábitos ilegais, mas é fato que Steve Jobs (o fundador da Apple) descobriu uma maneira de fazer dinheiro vendendo músicas on-line”, aposta Atheniense.

Destaques Além dos preços em dólar, a loja ainda se confunde entre “novedades” e novidades, “géneros” e gêneros, para mostrar o acervo de 20 milhões de canções à venda. Já durante a madrugada dessa terça-feira era possível testar o serviço. Paula Fernandes, Marisa Monte, Maria Rita, Seu Jorge, Caetano Veloso e Maria Gadu encabeçam os destaques nacionais do acervo. Entre os filmes, a franquia Tropa de elite e o documentário Senna são as vedetes, ao lado de desenhos animados dublados e filmes legendados.


Usar a iTunes Store é simples; é possível fazer os downloads diretamente de iPods, iPhones, iPads e computadores – PCs e Macs. A reportagem do Estado de Minas testou a novidade a partir de um iPhone 4S e de um iPad 2. Navegar, selecionar o material e baixar são procedimentos favorecidos por interface bastante intuitiva, sem mistérios mesmo; o acervo é interessante e o recurso Genius também já está disponível. A procura por videoclips ainda é falha – mas eles estão lá, quando se procura pelo nome da música. Não foi dessa vez, contudo, que se deu a ampliação da oferta de jogos, na loja de aplicativos, como a aguardada chegada do game Angry Birds aos iPhones e iPads brasileiros.

 

 

Palavra de especialista

Carlos afonso souza
professor da FGV

Revolução na venda de CDs

 

“O iTunes é reconhecido internacionalmente como responsável pela popularização, em outros países, do hábito de consumir música na internet. Se consolidou. Mesmo assim, em mais de uma década, o negócio da música foi revolucionado de tal forma que podemos dizer que o modelo antigo foi enterrado? Não. Mas foi superado por outras formas de ter acesso ao conteúdo digital. Enquanto a indústria ainda define se vai cobrar por faixa, por álbum, ou para que se ouça a música on-line, formou-se uma geração que desaprendeu a comprar música, se acostumou com a ideia de que o conteúdo digital está disponível gratuitamente na internet. É uma situação tão recorrente, que muitos nem reconhecem como ilegal.”