Brasília – A corrida por novas formas de energia segue a todo vapor. Segundo o relatório feito pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), apresentado em Cannes (França) durante a reunião do G-20, em novembro, a implantação de matrizes limpas em todo o mundo tem progredido rapidamente. De 2005 a 2010, o uso de energia eólica cresceu 27% ao ano, enquanto a solar aumentou 56%. Contudo, o planeta ainda é extremamente dependente do petróleo e do carvão: o primeiro movimenta 94% do setor de transportes mundial e o segundo é a solução para metade da demanda por eletricidade. Na busca por diminuir a dependência da humanidade por combustíveis fósseis – altamente poluentes, pesquisadores de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil, desenvolvem inusitados estudos em que lixo, esterco e até urina se transformam em fonte energética.
Uma dessas pesquisas foi desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB), onde descobriu-se que a chamada cama de frango é uma interessante fonte de energia. A estrutura – forro constituído por gravetos e cascas de arroz – é utilizada pelos produtores de aves para proteger os pés dos animais. Depois de usada, porém, praticamente perde sua função. Antes, era dada como alimento para o gado, mas, como penas e dejetos também entram na composição, representava um risco para os animais. "Algumas pessoas usavam esse resíduo como adubo, mas isso também pode gerar problemas no campo se o frango tiver alguma doença", diz Carlos Alberto Veras, professor de engenharia mecânica na universidade e um dos envolvidos no estudo.
Para resolver a questão, a equipe da UnB decidiu queimar tudo. Usando o processo de gaseificação (método em que o material é aquecido a temperaturas superiores a 1000ºC), notou-se que o gás gerado pela queima da cama de frango é uma poderosa fonte de energia. Ainda que não tenha capacidade de geração para todo o país, a técnica é uma opção real para produtores e fazendeiros. "Fizemos alguns cálculos preliminares e, com o nosso sistema, é possível que eles não precisem mais pagar eletricidade", diz Veras. As cinzas que resultam da queima também têm utilidade. "Elas podem ser usadas como fertilizantes, porque têm potássio e alto valor de mercado", completa.
Também buscando novas formas de utilizar resíduos aparentemente sem função, o professor do Departamento de Química da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Antônio Mangrich produziu células de combustíveis microbianas (MFC, na sigla em inglês) a partir de lixo e resíduos pouco nobres. Essas células, amplamente pesquisadas no mundo, são espécies de baterias experimentais que usam micro-organismos para produzir energia por meio da oxidação. Nelas, bactérias quebram as moléculas orgânicas e geram eletricidade. Com isso, essas estruturas permitem que os mais variados elementos, como a água de esgoto, sejam explorados na nova corrida energética. "Montamos células com esterco suíno, rejeito altamente poluidor nas granjas de produção de porcos, e medimos o potencial elétrico", explica Mangrich.
Segundo ele, os resultados não poderiam ser melhores. "Foi obtido potencial comparável a uma pilha AA comum", compara. Ele conta que a voltagem máxima produzida foi de 1,589 volt, sendo que a média ficou em torno de 1,5 volt. As células duraram por 90 dias e foram capazes de manter pequenos dispositivos elétricos em funcionamento.
Pesquisas como a da UnB e da UFPR, além de abrir frentes que no futuro signifiquem uma dependência menor dos combustíveis fósseis, ajudam a resolver o grave problema do excesso de lixo. A questão é preocupante também no Brasil. De acordo com o Panorama dos resíduos sólidos, relatório feito pela Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), em 2010 foram produzidas 60,8 milhões de toneladas de lixo no Brasil. Por dia, foram 195 mil toneladas.
Abundante
No quesito criatividade, o cientista Ioannis Ieropoulos, da Universidade do Oeste da Inglaterra, merece menção. Também usando a tecnologia das MFCs, ele investiga uma maneira de aproveitar a urina como fonte de combustível para os micro-organismos produzirem energia elétrica. Ele explica que o xixi é rico em compostos orgânicos, o que o faz um componente ideal para que os micróbios no interior das MFC’s realizem o processo de obtenção de energia. "Usamos urina não tratada coletada de um dos colegas da equipe em diferentes horas do dia", detalha. "Descobrimos que a eletricidade pode ser diretamente produzida por meio das reações metabólicas dentro da célula combustível microbiana."
A proposta é promissora quando se pensa na abundância de matéria-prima. Com 7 bilhões de habitantes na Terra produzindo cerca de 2,5l de urina por dia, são 17,5 bilhões de litros para serem transformados em eletricidade. Ieropoulos esclarece, no entanto, que pode demorar até que o líquido tenha alguma utilidade prática. A estimativa, segundo o cientista, é de que a execução da tecnologia só seja viável daqui a 10 ou 15 anos.
Outro cientista envolvido nesse tipo de pesquisa é Richard James, engenheiro de materiais da Universidade de Minnesota, nos Estados Unidos. Seu foco está no uso do calor residual, produzido pelo funcionamento de máquinas. Sua equipe criou uma nova liga de metais multiferroicos (que combinam propriedades elásticas, magnéticas e elétricas), que, em altas temperatura, fica fortemente magnetizado e absorve calor de forma espontânea, produzindo eletricidade.
Segundo James, a descoberta representa um importante avanço ambiental. Em veículos elétricos, por exemplo, a tecnologia pode ser usada para capturar o calor residual da fumaça do carro e produzir eletricidade suficiente para recarregar a bateria. O calor perdido em instalações industriais e até mesmo a diferença de temperatura de regiões diferentes do oceano também são, de acordo com o cientista, meios ecológicos de se obter energia. "Livrar-se do calor em computadores também é um problema tecnológico significativo. Queremos construir nosso sistema em forma de pequenos filmes para serem colocados dentro dos computadores e gerar eletricidade para recarregar a bateria", adianta.