Jornal Estado de Minas

Produtos com açúcar deveriam ter restrição como álcool e tabaco

Para cientistas americanos, produtos adoçados deveriam ter inclusive idade mínima para compra

Nana Queiroz

Edna desenvolveu diabetes tipo 2 e precisou transformar a dieta: ao abandonar o consumo do açúcar, adotou adoçantes e produtos diet - Foto: GUSTAVO MORENO/CB/D.A PRESS 

Por milênios, nos primórdios da espécie humana, açúcar era um item de luxo no cardápio. Homens só podiam consumi-lo durante os poucos meses do ano em que as frutas cresciam – ou, então, enfrentar a fúria das abelhas em busca de mel. “A natureza fez o açúcar difícil de ser encontrado. Foi o homem quem mudou isso”, argumenta Claire Brindis, pesquisadora da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Claire é defensora de uma das mais polêmicas propostas de regulamentação alimentar da atualidade. Para ela, a humanidade deveria dar uma guinada de volta às origens e reduzir radicalmente os doces do cardápio. E vai ainda mais longe: defende que eles deveriam ser tratados da mesma maneira que o álcool e o tabaco.


Em artigo recentemente publicado na revista Nature, Claire e seus colegas alegaram que a educação alimentar, sozinha, não basta. Para eles, é preciso fechar o cerco contra o açúcar. Alimentos industrializados que usarem o ingrediente, por exemplo, deveriam ter altos impostos, como é o caso do cigarro. Ainda segundo os cientistas, seria razoável proibir a venda desses produtos em escolas, limitar o horário no qual lojas que os comercializam ficam abertas e até, eventualmente, determinar que só maiores de 18 anos possam comprar alimentos com alta concentração de açúcar.

“Algumas dessas sugestões podem parecer radicais agora, mas ajudam a observar o exemplo do tabaco. Antes da campanha contra o cigarro, todo mundo fumava. E, hoje, quantos avanços não foram conquistados com medidas consideradas extremas? Temos que fazer a mesma revolução com o açúcar”, sustenta Claire.

A pesquisadora defende ainda que o açúcar tem mais pontos em comum com o álcool e o tabaco do que normalmente se imagina. Para começar, se usado em excesso, ele também causa uma série de doenças, como hipertensão, diabetes e até problemas no fígado similares aos causados pelo álcool. Além disso, ele tem o poder de viciar. “Quando alguém come um doce, o corpo produz serotonina, o hormônio responsável pela sensação de prazer. Por essa razão, algumas pessoas recorrem a ele com frequência, usando-o como calmante e até como antidepressivo”, explica Gláucia Carneiro, médica endocrinologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

As medidas propostas por Claire Brindis podem ser para lá de exageradas, mas a comparação com o álcool e o cigarro se torna menos absurda ao se considerar que o açúcar se transformou, efetivamente, em uma questão de saúde pública. Os brasileiros consomem, hoje, o triplo do açúcar recomendado por dia. Em itens industrializados, há adição de açúcar até mesmo em alimentos salgados, como sopas enlatadas e torradas. Já as bebidas ultrapassam em muito o limite do razoável. Uma embalagem pequena de suco, por exemplo, contém, em média, três colheres rasas de açúcar. “Em sã consciência, que mãe daria ao seu filho pequeno essa quantidade de açúcar em uma única refeição? Ainda assim, todos os dias, milhares de mulheres fazem isso sem perceber”, alerta a nutricionista Fabiana Nalon. E, como o senso comum bem dita, o açúcar é um dos pais da obesidade.

No ano passado, o resultado dessa dieta assustou. A Pesquisa de Orçamento Familiar 2011, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou que os brasileiros caminham rumo ao padrão americano. Desde 1974, quando o órgão incluiu pela primeira vez a obesidade no levantamento, o brasileiro ganhou peso. E bota peso nisso. Hoje, o sobrepeso atinge 30% das crianças entre 5 e 9 anos. Também estão nessa categoria nada menos que 48% das mulheres e 50,1% dos homens acima de 20 anos. Se o país mantiver seu consumo de calorias nesse ritmo, em 10 anos alcançará os Estados Unidos e exibirá a dura estatística de 30% de obesos na população.
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Transformação

A última gravidez da aposentada Edna Maria Guimarães de Miranda, de 54 anos, despertou nela um apetite até então inusitado por doces. Os sorvetes, principalmente, se tornaram sua principal paixão. Seis anos mais tarde, contudo, o corpo de Edna exigiu uma mudança. Ela desenvolveu diabetes tipo 2 – ou seja, seu organismo passou a ter resistência à insulina, o hormônio que quebra o açúcar para que ele possa ser absorvido pelo corpo e usado como fonte de energia para as atividades diárias. Se não controlar o consumo de açúcar, Edna pode ter problemas para cicatrizar feridas, alguns tipos de infecções e até dificuldades de visão.

“Desde então, minha vida mudou muito. Minha dieta é bastante limitada. Como tenho uma família festeira, as tentações estão por todos os lados. A solução que encontrei foi substituir meus doces tradicionais por adoçantes e alimentos diet”, conta. De uns tempos para cá, contudo, Edna passou a temer que até o adoçante seja tirado dela. “Já li que faz mal e causa um monte de doenças. A gente nunca sabe se é verdade ou não, vive sendo cobaia”, desabafa.
De fato, muitos estudos recentes têm questionado os efeitos de longo prazo dos adoçantes. Alguns declaram que eles sejam causadores de diversos males, de pressão alta a derrames. Outros chegam até a duvidar que o adoçante ajude a emagrecer, já que muitos adeptos do produto continuam sofrendo de obesidade.


Robson quer envelhecer da maneiramais saudável possível: aos 13 anos, eliminou o açúcar do cardápio - Foto: BRUNO PERES/CB/D.A PRESS-5/12/11Segundo especialistas, no entanto, ainda é cedo para acreditar nessas conclusões e, na dúvida, vale a pena continuar optando pelo substituto do açúcar. Para a nutricionista Fabiana Nalon, essas pesquisas não levam em conta que a maioria das pessoas que usa adoçantes já está acima do peso, e faz isso para amenizar os efeitos de sua má alimentação. “A explicação é psicológica. A pessoa acredita que, por tomar adoçante, tem licença para abusar em outras áreas”, argumenta. O mesmo ocorre com quem usa açúcar orgânico ou mascavo. Apesar de conter mais vitaminas, se consumidos em excesso esses produtos têm os mesmos efeitos maléficos que o açúcar tradicional. “Além disso, quem toma adoçante não educa o paladar e continua viciado no sabor doce. Quando tem uma oportunidade, vai ceder ao chocolate ou ao bolo”, acrescenta a nutricionista.


Enquanto as medidas defendidas por Claire e seus colegas são duras e difíceis de aplicar, a autoavaliação está ao alcance de todos. Educar o paladar pode não ser fácil, mas o publicitário Robson Cardoso de Amorim, de 23, garante que vale a pena. Há cerca de uma década, ele viu sua avó muito doente e decidiu que queria envelhecer, mas não daquela maneira. Dali em diante, decidiu mudar seus hábitos. Riscou o açúcar do cardápio e passou a consumir alimentos naturais e orgânicos. Os doces ficaram reservados a ocasiões especiais. O café foi um dos maiores desafios, mas ele encontrou uma estratégia: comia um pequeno biscoito doce antes do café, para aliviar o amargor da bebida. Com o tempo, ficou tão acostumado que pôde dispensar também a bolacha. “Desde que cortei o açúcar da dieta, meu paladar melhorou muito. Sinto mais o gosto original dos alimentos”, relata ele. “A vida ganhou muito mais sabor.”

Dicas práticas


» Evitar alimentos industrializados, pois a maioria deles, mesmo os salgados, têm adição de açúcar.

» Na hora de escolher um produto, compare a quantidade de carboidratos contida em diferentes marcas. Quanto menos carboidratos, em geral, menos açúcares.

» Evite sucos de caixinhas; prefira os naturais, sem
açúcar, saboreando o doce natural da fruta.

» A colher de café tem esse nome por uma razão. Ela contém a medida exata de açúcar que deveria ser colocada em cada xícara de café. Aqueles que consomem mais do que dois cafés por dia deveriam tentar tomar a bebida sem açúcar.

» A sobremesa doce deve estar associada a momentos de festa e ocasiões especiais. No dia a dia, a sobremesa pode ser uma fruta ou até um doce caseiro feito de fruta, com pouco ou nenhum açúcar.

Fonte: Fabiana Nalon, nutricionista