Uma descoberta na Lapa do Santo, em Matozinhos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, destaca, em todo o mundo, a importância arqueológica da região cárstica de Lagoa Santa. Depois de sete anos de escavações, foi encontrado e identificado o mais antigo petróglifo – gravura feita na rocha com uso de martelo e formão de pedra, no chamado método de picoteamento – do continente americano. O trabalho é do chefe do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB/USP), bioarqueólogo Walter Neves, que acaba de publicar o resultado das pesquisas na revista científica norte-americana PloS One. “Lagoa Santa tem o esqueleto humano mais antigo das Américas, o de Luzia, e agora o mais antigo petróglifo. Esse fatos mostram a relevância da região no cenário internacional”, diz o bioarqueólogo.
No mesmo sítio arqueológico em que os pesquisadores encontraram a gravura rupestre, foram localizados e exumados 27 sepultamentos humanos. A investigação do crânio de um dos esqueletos clareou ainda mais o trabalho na Lapa do Santo, levando a equipe à conclusão de que esse povo pré-histórico vivera pouco depois de Luzia. A descoberta joga mais luz sobre os estudos a respeito da ocupação do continente e põe em xeque os modelos tradicionais específicos para estudar a colonização, como o norte-americano Clovis, segundo o qual o homem teria chegado ao Novo Mundo no período de 10 mil a 12 mil anos atrás. A partir da diversidades das pinturas rupestres será possível chegar a novos resultados e questionar o que é proposto pelo modelo tradicional.
“O resultado da pesquisa é de interesse tanto das pessoas que estudam arte rupestre como daquelas que se dedicam a estudar o povoamento das Américas”, diz o estudante de doutorado e coautor do artigo publicado na revista norte-americana Danilo Bernardo.
Para fazer a gravura rupestre, o grupo de homens pré-históricos usou o método do picotamento, que, grosso modo, consistiria em bater uma pedra pontiaguda em forma de martelo sobre um formão do mesmo material. O sítio arqueológico da Lapa do Santo fica numa propriedade rural, a Fazenda Cauaia, na zona rural de Matozinhos se soma a vários outros que reforçam a relevância de Minas nesse campo.
Tesouro desprotegido Neves adianta que já encerrou as suas pesquisa na região de Lagoa Santa, onde trabalhou na década passada, mas que um estudante de doutorado na Alemanha está desenvolvendo novas pesquisas. “Lagoa Santa é um polo muito importante e com esses resultados caiu na boca do povo”, diz o professor, que se revela decepcionado, pois, até hoje, não saíram do papel projetos importantes para guardar esses tesouros, como o Museu do Homem Americano e outros.
A chefe do Centro de Arqueologia Annette Laming Emperaire (Caale), de Lagoa Santa, arqueóloga Rosângela Albano, considerou um avanço a descoberta do petróglifo e está certa de que isso vai fortalecer os estudos sobre os primeiros habitantes das Américas.
Patrimônio distante do público
Apesar de sua importância cultural, o patrimônio histórico de Lagoa Santa ainda está longe dos olhos do público. O complexo para valorizar a arqueologia em Minas e permitir que o público veja esses tesouros com conforto, segurança e eficiência ainda está em construção. Somente no segundo semestre,as obras do Centro Receptivo Peter W. Lund, na Gruta da Lapinha, em Lagoa Santa, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estarão prontas.
De acordo com informações do projeto Rota das Grutas de Lund , do governo de Minas, a inauguração está prevista para setembro. “As obras estão em andamento”, contou, ontem, a coordenadora do projeto, Viviane Pereira dos Santos. O nome do receptivo é uma homenagem ao “pai da paleontologia brasileira”, o dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880), que viveu durante 46 anos na região de Lagoa Santa.
Com 500 metros quadrados e dois andares, o centro receptivo vai transformar a Lapinha na primeira gruta do país a ganhar uma estrutura especialmente projetada para atender os visitantes. O prédio terá uma passarela entre árvores, por onde os turistas vão chegar ao monumento e já entrar no clima de aventura e conhecimento.
Nesse local, deverão ser expostos cerca de 300 fósseis do Museu Zoológico de Copenhague, cedidos pelo governo da Dinamarca em regime de comodato por 10 anos, com possibilidade de prorrogação. As peças, de um total de 12.622, foram enviadas pelo naturalista ao seu país natal a partir de 1845. Entre as preciosidades está parte do material encontrado por Lund na Lapa Vermelha, gruta destruída por uma empresa, na década de 1970, para transformar o patrimônio natural em sacos de cimento.
A Rota Lund, ainda no papel, será um destino turístico que integrará, além da Lapinha, o Museu de História Natural da PUC Minas, no Bairro Coração Eucarístico, Região Noroeste de BH, o Parque do Sumidouro, as grutas do Rei do Mato (25 mil visitantes/ano), em Sete Lagoas, e Maquiné (40 mil visitantes/ano), em Cordisburgo, ambas com novas obras de infraestrutura e iluminação. A rota é um conjunto de ações e projetos, ao longo de 120 quilômetros, para fortalecer o turismo e o conhecimento arqueológico. Vai funcionar, para valer, quanto todos projetos estiveram em funcionamento e aberto aos visitantes. (GW)
A precursora Luzia
Em 1975 foi descoberto em uma gruta na região de Lagoa Santa o crânio de Luzia. Na época, o local era objeto de estudo de uma missão científica e foi o biólogo, arqueólogo e antropólogo Walter Neves, o descobridor do petróglifo de 10 mil anos, que apelidou o crânio de Luzia, uma referência ao australopiteco etíope Lucy, fóssil humano mais antigo já encontrado no mundo. Exames revelaram que Luzia, por sua vez, é o fóssil mais antigo das Américas, com cerca de 11,5 mil anos. A mulher estava na faixa dos 20 anos quando morreu, tinha 1,5m de altura e possuía traços negros. Em 1999, pesquisadores da Universidade de Manchester, na Inglaterra, fizeram a reconstituição do rosto da mulher, tendo como base o crânio encontrado em Minas Gerais.
RELÓGIO DA HISTÓRIA
Nessa época viveu Luzia, a primeira brasileira. Em exposição no Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro, o seu crânio representa o mais antigo fóssil encontrado no continente americano.
Luzia, de 1,50m de altura, e seu grupo andavam pela região de Confins e adjacências
Século 17
Na comunidade de Quinta do Sumidouro, em Pedro Leopoldo, está a casa conhecida como do bandeirante paulista Fernão Dias Paes Leme (1608-1681), que viveu quatro anos e meio no primitivo arraial. Curioso é que o imóvel nunca o abrigou – na verdade, ele teria residido numa tapera, já desaparecida, enquanto procurava esmeraldas. No século 18, foi construída uma venda no lugar onde o paulista fincara suas bases. Por essa coincidência de localidades, o nome do bandeirante foi mantido e a casa, restaurada pela prefeitura local, entrou para a história
Século 19
Os estudos paleontológicos no Brasil começam com o naturalista dinamarquês Peter Lund (1801-1880), que descobriu, em cavernas da região, milhares de fósseis de animais extintos. Lund viveu mais de quatro décadas em Lagoa Santa e é considerado o pai da paleontologia brasileira. Em 1843, ao escavar a Gruta do Sumidouro e encontrar vestígios da fauna misturados com restos humanos, Lund levantou a hipótese, inimaginável para a época, de que os humanos teriam sido contemporâneos de alguns dos mamíferos extintos. Os governos de Minas e da Dinamarca formalizaram acordo, em 2009, para que cerca de 300 fósseis do Museu Zoológico da capital Copenhague fiquem expostos no centro cultural e receptivo turístico a ser construído ao lado da Gruta da Lapinha, em Lagoa Santa.
Décadas de 1970 e 80
2012
Walter Neves divulga a descoberta do petróglifo – gravura feita na rocha com uso de martelo e formão de pedra, no chamado método de picoteamento –, considerado o mais antigo das Américas.