Durante dois anos, cerca de 6,5 mil crianças e adolescentes de 10 a 14 anos foram entrevistados sobre o consumo de álcool (se já haviam bebido ou não) e fatores que influenciariam o surgimento do vício, como ambiente doméstico com fácil acesso à bebida, comportamento dos pais em relação ao álcool e rebeldia pessoal. As cobaias assistiram a 532 filmes e foram orientadas a selecionar 50. Os pesquisadores mediram o tempo das cenas com consumo de álcool, bem como as imagens em que apenas a marca das bebidas foi mostrada.
Ao todo, os adolescentes ficaram expostos a uma média de quatro horas e meia a cenas que mostravam o uso de álcool. Em alguns casos, dependendo dos filmes selecionados, esse número dobrou. Os pesquisadores, então, descobriram por meio de questionários posteriores que os jovens que selecionaram filmes em que os personagens eram alcoolistas foram aqueles que estavam duas vezes mais propensos a beber também. Além disso, 28% dos que passaram a ingerir álcool admitiram que se espelharam nos astros.
Ao longo dos 24 meses de estudo, a proporção de adolescentes que começou a beber dobrou: o índice dos que afirmaram já ter experimentado álcool passou de 11% para 25%. E o cinema não serviu apenas como ponto de partida para o vício. Os jovens que passaram a consumir álcool em excesso, ou seja, mais de cinco doses de bebida seguidas, triplicam de 4% para 13%. A influência do comportamento dos pais dentro de casa foi, de acordo com o trabalho, uma das explicações para os resultados alarmantes. “O uso de álcool pelos pais foi relatado por 23% dos entrevistados, enquanto 29% deles disseram que poderiam obter álcool em casa com facilidade”, escreveram os condutores do estudo.
Colecionar roupas, chaveiros e outros objetos com marca de bebida também foi um dos fatores apontados como estimulante para o alcoolismo. A convivência com amigos que bebem e, claro, a própria personalidade dos entrevistados também contaram para a inclinação ao copo. Se o cinema dá vontade de beber, beber dá vontade de fumar. Outro estudo, feito pela Universidade de Otago, na Nova Zelândia, descobriu o que muitos frequentadores de bares já sabiam: a bebida alcoólica é um catalisador para o tabagismo. A presença de amigos fumantes, assim como no caso de bebidas alcoólicas, também funcionou como um incentivo para o ato de fumar.
O estudante Ítalo Martins, de 23 anos, admite que a vontade de fumar e beber depende do contexto em que se encontra no momento. O clima propício do bar, o gosto da cerveja e a presença de amigos fumantes são os principais fatores que o levam a acender um cigarro, por exemplo. “Já ocorreu de me dar vontade de fumar depois que vi alguém fumando em filmes, propagandas e até em desenhos animados”, descreve. “Penso imediatamente em como seria tragar naquela hora.”
O estudante, contudo, não concorda que apenas assistir a pessoas consumindo álcool ou tabaco, em filmes ou na vida real, seja um fator forte o suficiente para desencadear o vício em quem quer que seja. “É um momento de descontração”, justifica. “Vejo as pessoas fumando, mas isso não significa que eu vá fumar. Só acho que bar e balada têm a ver com cigarro.”
Influência do lugar
Janet Hoek, professora do Departamento de Marketing da Universidade de Otago e uma das principais autoras do estudo, diz que muitos “fumantes sociais” – pessoas que só sentem vontade de fumar quando saem para festas, reuniões ou ocasiões específicas – nem mesmo gostam de cigarro. “Praticamente, todos disseram que fumam porque querem fazer parte do grupo ou porque não querem que um fumante da turma se sinta alienado quando ele ou ela precisa ir para fora do estabelecimento para fumar”, diz Janet. Ter que se deslocar do local onde todos estão reunidos parece um esforço desnecessário para quem não tem uma grande dependência de nicotina.
A dificuldade para encontrar um lugar para obter seu cigarro preferido faz com que Fernanda Akel, de 30, só fume quando está em terra. Fernanda chega a passar seis meses no navio em que trabalha – período no qual dispensa a nicotina. Para ela, barreiras como essa ajudam a manter o vício sob controle. “Se não houvesse área de fumantes em lugar nenhum, não fumaria ou, pelo menos, não fumaria quase nunca”, opina. O quesito “social” do ato de fumar é, para ela, outro fator que dá impulso ao ímpeto de acender um cigarro. “Às vezes, você nem quer fumar, mas quase todos os seus amigos estão na área de fumantes. Então você vai lá curtir com eles e acaba fumando também.”
Assim como Fernanda, Janet Hoek diz que muitos “fumantes sociais” não se consideram, propriamente, fumantes. Seguindo a pesquisadora, isso ocorre porque eles têm definições mutantes de si mesmos, que variam de acordo com situações específicas, para que eles continuem encarando a si mesmos como livres do vício, como uma autodefesa. “Muitos não fumam sozinhos, não compram tabaco e afirmam que ‘escolhem’ quando querem fumar”, exemplifica. A crise de identidade que se segue a uma sessão de consumo intenso de álcool e tabaco vira uma bola de neve: o remorso dá origem ao conflito entre como eles se sentem (não fumantes) e o que fizeram. “Eles lidam com isso usando o álcool para explicar e justificar tal comportamento e também para liberá-los para fazer tudo de novo, repetidamente.”
O hábito de sair à noite com os amigos para tomar uma cerveja é um dos programas que mais deixavam a radialista Joana Praia, de 36 anos, com vontade de fumar. Essas ocasiões, contudo, não foram o motivo que a levaram a se tornar uma fumante social: desde a infância, ela já estava acostumada a ver a mãe fumando cerca de 60 de cigarros por dia. Na adolescência, veio a vontade de experimentar o tabaco – mas ela garante que nunca se tornou uma viciada. “Nunca fumei todos os dias, só quando saía”, reforça. “Acho que algumas pessoas são mais propensas a se viciar.” Desde o início da gravidez da filha, hoje com 9 anos, Joana não fuma. Além do novo estilo de vida, mais “tranquilo e caseiro”, o câncer de pulmão da mãe, diagnosticado há sete anos e já curado, serviu como alerta. “Minha família inteira também parou de fumar.”
TRÊS PERGUNTAS PARA
Sueli Danergian - rofessora de psicologia da universidade de São Paulo (USp)
Filmes podem mesmo influenciar o início e a progressão de vícios, como o alcoolismo ou tabagismo?
Se você submete crianças a jogos e filmes violentos, isso estimula a agressividade de certas áreas cerebrais. Isso não quer dizer que influencia diretamente, mas há uma associação. Você induz a criança a agir daquela maneira. Antigamente, as pessoas eram muito influenciadas pelos atores e atrizes de Hollywood. Fumar era considerado charmoso, uma coisa chique. As pessoas viam os atores como se eles fossem mais importantes e muita gente começou a fumar por causa disso, para imitá-los.
Outros fatores também podem influenciar o início de vícios, como o comportamento de pais que bebem ou fumam?
Sim, muitas crianças são inclusive iniciadas pela própria família. Já vi alguns casos de pais que até incentivam os filhos a beber. A propaganda também colabora nesse sentido. Quanto mais ela é vista, mais o vício se instala. E as propagandas estão ficando cada vez mais incisivas. As de cerveja, em que as pessoas “louvam” a bebida, são um exemplo disso: as empresas estão apelando para que as pessoas não resistam às drogas, como cigarro e bebida. O cinema é um dos recursos apelativos da propaganda, já que é muito fácil que ocorra a identificação com esses ídolos. Aí, há um comportamento iniciativo, um estímulo a fazer também.
Como explicar a existência de “viciados ocasionais”, como no caso dos fumantes sociais?
Cada fumante social tem seu próprio processo. Algumas pessoas acham que é bonito, charmoso. Já ouvi que fumar dá um certo status, que faz com que a pessoa se sinta diferente dos outros. Mas isso não tem nada a ver. Certos indivíduos se apegam a coisas pouco significativas como essas. No caso dos fumantes sociais, estar em uma roda em que só eles não fumam faz com que se sintam diminuídos e pensem que são considerados menos importantes. Eles não percebem que, fugindo do modismo, demonstrariam personalidade. As pessoas acham que isso é bonito, mas o ideal é conseguir resistir ao que é modismo e afirmar a própria identidade sem que ela precise ser galgada na intimidação do comportamento dos outros. É mais difícil manter princípios e valores do que “seguir a onda”.
Inclinação biológica
Além das influências ambientais, como familiares e amigos fumantes ou locais propícios ao fumo, uma pesquisa publicada em abril do ano passado na revista especializada Biological Psychiatry descobriu que certas combinações genéticas podem ser as responsáveis pelo vício em tabaco. Os adolescentes analisados no estudo, que tinham variantes de dois tipos de genes relacionados à dopamina e aos codificadores de subunidades dos receptores nicotínicos colinérgicos, tinham três vezes mais chances de se tornar fumantes regulares na adolescência e corriam duas vezes mais risco de continuar
tabagistas quando adultos.