Em seu clássico livro A expressão das emoções em homens e animais, Charles Darwin apresentou pela primeira vez a ideia de que as expressões faciais seriam uma espécie de código universal humano. Independentemente da língua falada, bastaria olhar para o rosto de outra pessoa para perceber o que ela estava sentindo. Os escritos do naturalista datam de 1872, mas a discussão continua viva até hoje. Agora, novo experimento, conduzido por pesquisadores da Universidade de Glasgow, na Escócia, indica que o britânico estava errado: a maneira que alguém expressa o que sente depende também do ambiente em que está inserido.
Os 30 participantes do estudo – metade formada por brancos da Europa e a outra por orientais que haviam se mudado havia pouco tempo para um país do continente – foram convidados a assistir a essas imagens em uma tela de computador. Eles deveriam identificar qual sentimento, e com que intensidade, estava sendo demonstrado por cada face. O resultado indicou que a tarefa não era tão simples para os orientais quanto pareceu para os ocidentais. Os voluntários do primeiro grupo tendiam a sobrepor as categorias, como misturar surpresa e medo, o que não ocorria com os participantes europeus.
Os cientistas perceberam durante a pesquisa que, de maneira geral, os orientais demonstraram medo, felicidade e raiva com movimentos precoces na região dos olhos. Já os ocidentais precisam de mais músculos para demonstrar esses mesmos sentimentos e os identificam principalmente pelo movimento da região da boca. “Já sabemos de pesquisas anteriores que os leste-asiáticos interpretam sistematicamente mal as expressões de medo e nojo dos ocidentais, confundindo-as com surpresa e raiva, respectivamente”, explica Rachael Jack, uma das principais neurocientistas envolvidas no estudo. “É provável que as normas sociais específicas culturais tenham moldado os sinais de expressão facial deles.”
O motivo para as diferenças agradaria ao próprio Darwin: o ser humano evoluiu. Apesar de algumas expressões faciais básicas, como medo e nojo, originalmente terem servido como uma função adaptativa quando a fala ainda não existia, “as expressões faciais evoluíram e se diversificaram para servir ao papel primário da comunicação emocional durante as interações sociais”, analisa a neurocientista. Assim, dialetos ou sotaques também influenciariam a diversificação da expressão facial dos sentimentos básicos em diferentes culturas, o que daria origem a comportamentos faciais variados.
Comunicação Wanderson Castilho, professor e representante no Brasil do Instituto para Treinamento de Análises Comportamentais (Behaviour Analysis Training Institute – Bati), diz que o entendimento cara a cara faz parte de 75% da comunicação humana. “Nosso cérebro dá prioridade à visão”, justifica. Também autor de Manual do detetive virtual, mentiras no rosto e muitas faces (Editora Matrix), Castilho acredita que, apesar do resultado obtido no estudo, algumas expressões são universais. “O sorriso, por exemplo, é uma maneira que a natureza encontrou para demonstrarmos aos seres da nossa espécie que somos ‘aliados’ e que não representamos uma ameaça”, justifica.
Sergio Senna, doutor em psicologia e professor do Instituto Brasileiro de Linguagem Corporal (Ibralc), explica que, no estudo da comunicação não verbal, há um grupo que defende que as respostas orgânicas são universais. Provar essa universalidade é que são elas. O que existe de concreto, de acordo com Senna, “são padrões comportamentais que podem ser interpretados com segurança dentro de um certo grupo cultural”.
Aqueles que defendem a universalidade de certas expressões faciais acreditam que, por serem ligadas ao sistema nervoso autônomo (SNA), elas seriam ‘autênticas’ e impossíveis de controlar. Mas será que os sinais do SNA são tão confiáveis assim? Para o especialista, depende de como se dá a ativação desse sistema e quais estímulos são capazes de fazê-lo funcionar. “Obviamente, não é só um determinado estímulo que o ativa”, responde Senna. “Em determinadas circunstâncias, estímulos de diversas naturezas podem iniciar respostas do SNA, como demonstrado nos experimentos de Pavlov”, completa.
De acordo com o psicólogo, assim como ocorreu com os cachorros dos estudos de Pavlov, nas pessoas, durante a vida, certos estímulos que eram neutros podem ser emparelhados. Eles, então, passam a gerar respostas autonômicas — como expressões faciais e gestos. “Esse raciocínio também serve para demonstrar que não dá para ver alguém gaguejar, ficar vermelho ou coçar o nariz e já ir dizendo que a pessoa está mentindo ou sentiu a emoção x.”
Condicionado
Em um experimento clássico, o fisiólogo russo Ivan Pavlov disparava um sinal sonoro antes de alimentar um cão. No início, o cão só salivava quando sua língua tocava a comida — uma resposta natural do sistema digestório. Com o tempo, no entanto, o cão começou a relacionar o som ao alimento, passando a salivar antes de ver a comida ou até mesmo quando não recebia comida nenhuma. Essa reação ganhou o nome de reflexo condicionado.