Jornal Estado de Minas

Autor de teoria da "partícula de Deus" comemora "ter razão"

Em entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira, o físico inglês Peter Higgs comentou a descoberta desta semana

AFP
"A princípio eu não tinha ideia se o descobrimento aconteceria em minha vida" - Foto: AFP PHOTO/GRAHAM STUART
Meio século depois de postular sua teoria sobre a existência de uma "partícula de Deus", que teria permitido a formação do Universo e de tudo que existe, seu autor, o físico inglês Peter Higgs, se disse, nesta sexta-feira, orgulhoso em ter razão. "Foi uma longa espera, mas poderia ter sido inclusive maior e eu não estaria aqui para vê-la. Às vezes é muito bom ter razão", comentou o professor emérito da Universidade escocesa de Edimburgo, de 83 anos, durante uma entrevista coletiva realizada nesta sexta-feira na instituição.
Higgs falou pela primeira vez no Reino Unido, seu país natal, sobre o descobrimento de uma nova partícula que já é chamada "bóson de Higgs", por parte dos cientistas do Centro Europeu de Física de Partículas (CERN). Segundo a teoria do pesquisador inglês, o bóson teria dado massa a todas as demais partículas e teria permitido a formação do Universo e de tudo que existe.

"A princípio eu não tinha ideia se o descobrimento aconteceria durante minha vida, porque em um primeiro momento sabíamos muito pouco sobre ela ou sobre quanta energia a máquina precisaria para detectá-la", explicou Higgs. A descoberta, considerada por muitos o avanço científico mais importante das últimas décadas, exigirá meio século de pesquisas e bilhões de dólares em diferentes experimentos, e abrirá muitas portas no campo da física.

Gráfico mostra a representação dos vestígios de uma colisão de prótons no Grande Colisor de Hádrons em busca do bóson de Higgs - Foto: AFP PHOTO"Foram muitos anos de desenvolvimento da tecnologia e do desenho de uma máquina capaz de produzir níveis cada vez maiores de energia, e o Grande Colisor de Hádrons (LHC, em sua sigla em inglês) é a única com a potência e intensidade necessárias", acrescentou o físico, nascido na cidade inglesa de Newcastle.

Se o Grande Colisor de Hádrons tivesse descartado a existência do bóson, os físicos teriam que repensar do início o modelo padrão da física de partículas. A existência da partícula é "tão crucial para entender como funciona o resto da teoria que aceitar que não existisse seria muito duro para mim", confessou Higgs.

Em dezembro de 2011, os cientistas do CERN anunciaram que haviam detectado os primeiros sinais da partícula, mas o processo para provar sua existência e conhecer suas propriedades exigiu mais tempo.

"Ainda há muito a fazer. À primeira vista parece que (os cientistas do CERN) fizeram uma descoberta, mas ainda não sabem muito sobre ela", ressaltou o físico inglês, que considera que ainda serão necessárias muitas análises e medidas para estabelecer se se trata do bóson ou se constitui uma parte de uma estrutura muito mais elaborada.

Filósofos comentam a descoberta

A descoberta do que seria o bóson de Higgs não terá tanto impacto quanto a revolução de Galileu sobre o pensamento humano, mas ajudará a explicar a questão das origens, de acordo com dois filósofos entrevistado pela reportagem.

"É um momento emocionante para a física, mas eu acho que esta descoberta não é comparável à de Galileu", acredita o filósofo e astrofísico Hubert Reeves. "Ela não terá um impacto sobre todo o pensamento humano, como a de Galileu", um forte defensor da teoria heliocêntrica, que foi condenado pela Igreja Católica por causa de suas descobertas científicas.

"Galileu ficou conhecido por mudar a ideia ocidental que se tinha do mundo, houve uma revolução", concorda Jacques Arnould, teólogo responsável pela missão ética do CNES (Centre National de Estudos Espaciais). No entanto, a nova descoberta é um elemento adicional para a compreensão do que seria a origem da nossa realidade contemporânea, o universo em sua composição atual e sua história. "E isso é enorme!", ressalta.

A descoberta do famoso bóson, se confirmada, acrescenta Reeves, "não modificará realmente a nossa compreensão do mundo. Ela confirma o que já temos de conhecimento, e isso já é muito".

Do ponto de vista filosófico, ela "traz um acréscimo para dois sentimentos que são constantemente reforçados e renovados no público em geral: o espanto e a vertigem", afirma Jacques Arnould.

Ele explica: "Surpreendentemente, a cada vez que nos são dados alguns elementos da realidade observada e os meios utilizados, tomamos consciência da complexidade da realidade e do compromisso humano para saber o que somos e de onde viemos, e ficamos maravilhados".