Jornal Estado de Minas

Equipamento vai diagnosticar o daltonismo ainda na infância

Incapaz de identificar corretamente as cores, o daltônico vai contar com uma tecnologia que faz rastreamento populacional para descobrir o problema ainda na infância, evitando constrangimentos futuros

Márcia Maria Cruz

Na ilustraçãoacima, a silhueta representaumportador de daltonismo, doença que acomete de 5% a 7% da população. A dificuldade na percepção das matizes impediria a visualização da profusão cromática da tela de Claude Monet - Foto:

O advogado Bruno Renato, de 37 anos, prefere peças mais sóbrias. Nada de muitas cores ou estampas. A escolha comedida do vestiário deve-se à dificuldade que ele tem de distinguir as cores. “Confundo todas: o verde com marrom, o azul com rosa”, diz. Bruno faz parte da parcela de 5% a 7% da população que é daltônica. Trata-se de uma condição genética, determinada pelo cromossomo X, que resulta em deficiência na discriminação das cores. O daltônico consegue distinguir 600 delas, enquanto uma pessoa sem essa alteração enxerga de 3 milhões a 5 milhões de matizes cromáticas.

Bruno foi diagnosticado com o problema ainda na infância. Devido à dificuldade de realizar algumas tarefas escolares, como colorir, os pais perceberam que ele enfrentava problema para distinguir as cores. “Quando a professora pedia para desenhar as figuras, eu não sabia usar as cores”, lembra. Mas nem todas as pessoas identificam o problema de maneira precoce.

Como o daltonismo tem variação em termos de intensidade, nos casos mais leves o portador poderá identificar o problema somente na fase adulta, quando fizer algum exame visual. “É comum as pessoas descobrirem que são daltônicas quando vão tirar a carteira de habilitação”, informa a chefe do Departamento da Qualidade de Visão e Visão de Cores do Hospital de Olhos, em Belo Horizonte, a oftalmologista Márcia Guimarães.


Para ajudar a minimizar os transtornos que o problema pode trazer ao longo da vida, é fundamental fazer o diagnóstico o quanto antes. A Fundação Hospital de Olhos, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desenvolveu equipamento que vai facilitar a triagem por meio de um rastreamento populacional. O mesmo aparelho vai realizar o Ishihara (veja imagem no final desta matéria), exame de visão de cores, juntamente com testes de acuidade visual, visão periférica, contraste e foria (desvio dos olhos). Ele será apresentado no início da semana que vem, na Faculdade de Engenharia, durante o congresso de desenvolvedores de tecnologia voltada para a área médica (7º Technology and Medical Sciences International).

O objetivo é, por meio do equipamento, que está sendo patenteado, examinar todas as crianças que ingressam no ensino fundamental na rede pública do estado de Minas Gerais. “A ideia é termos comunicação direta com o banco de dados dentro da UFMG, para que os referentes aos diagnósticos fiquem armazenados e possam servir como referência em estudos epidemiológicos e de educação”, diz a oftalmologista.


Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, estima-se que 5,7% da população masculina brasileira seja portadora do distúrbio. Em Belo Horizonte e região metropolitana, considerando uma população de 3,5 milhões, seriam cerca de 100 mil homens portadores de daltonismo. A distribuição do gene para o daltonismo ocorre de maneira diferenciada entre as populações, sendo mais prevalente em povos do hemisfério norte.

O problema acomete muito mais as pessoas de origem europeia do que as de origem africana. Isso faz com que a distribuição no Brasil, cuja composição demográfica é bastante diversificada, seja diferente nas regiões geográficas. Na Bahia, por exemplo, onde há uma predominância da raça negra, cerca de 5% da população é portador de daltonismo. Já em estados do Sul, como Paraná e Santa Catarina, o percentual aumenta para 7,5%.

Por ser transmitido pelo cromossomo X, o daltonismo acomete mais os homens do que as mulheres. Como os homens geneticamente são XY, a presença do gene modificado no cromomosso X já é suficiente para que o problema se manifeste. No caso das mulheres, que são XX, é preciso que o gene esteja presente nos dois X. Estando em apenas um, a mulher pode ser portadora do gene, mas não vai desenvolver o problema.
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Trabalho
O daltonismo acarreta dificuldades de toda ordem para o portador, que terá que prestar mais atenção em aspectos que, para a maioria das pessoas, não são notados. Os daltônicos terão mais dificuldade para comprar carros, produtos em supermercados, ler livros coloridos e cheios de mapas. Também terão dificuldade em acessar relatórios com gráficos e, em alguns casos, dirigir e até identificar se uma fruta é verde ou vermelha.

A oftalmologista lembra que saber que se é portador do daltonismo impede problemas futuros, como, por exemplo, ingressar em determinada profissão em que a distinção de cores seja fundamental para exercê-la. Depois de serem aprovados em concursos públicos, muitos profissionais são reprovados nos exames médicos quando o problema é identificado. “Muita gente tem o sonho de ser farmacêutico, artista plástico. Pode até ser, mas precisa saber que não vai ter a mesma habilidade. É preciso saber dessa condição antes para que não vire uma frustração”, pontua.


Foi o que ocorreu com Flávio Gouveia Passos, de 33. Ele descobriu que é portador de daltonismo no início deste ano, durante curso para piloto de aviação. Ao realizar exames, soube que só poderia atuar como piloto particular, por ter dificuldade de distinguir entre o verde claro e o mais claro ainda. “Até então, não sabia que era portador da síndrome. Vou continuar a atuar como analista de sistemas, até que possa fazer o tratamento para atuar como piloto em voos comerciais”, comenta.

A modificação genética resulta na ausência de alguns tipos de células especializadas em transformar a luz para estímulo do cérebro. Em uma pessoa normal, são quatro tipos de receptores: vermelho, azul, verde e um de tonalidades de cinzas. Na pessoa daltônica, faltarão receptores do verde e do vermelho. Quando todos os receptores estão funcionando, possibilitam que as pessoas enxerguem até 5 milhões de cores. Com a ausência desses dois receptores, a capacidade é reduzida significativamente.

A oftalmologista defende a implementação de testes pré-admissionais em profissões em que erros podem ser onerosos para empresas e funcionários. “Na indústria, nas transportadoras, na área de decoração, no artesanato, em laboratórios, nas gráficas, entre outros, o teste cromático completo, em quatro etapas, deveria ser aplicado na fase admissional com o mesmo cuidado com que se faz a avaliação da habilidade técnica do candidato.”

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