Por volta das 16h de 23 de julho, o profissional que tomava conta da câmera 51 (situada na Avenida dos Andradas, perto da Praça da Estação) verificou que dois rapazes sentados perto de um ponto de ônibus pareciam estar enrolando um cigarro de maconha. Imediatamente, avisou ao rádio-operador em exercício, sargento Agnaldo de Castro, que jogou as imagens da câmera em seu computador e entrou em contato com a viatura mais próxima daquele local.
Enquanto isso, no centro de controle operacional da BHTrans, localizado no Bairro Buritis, painéis e monitores exibem imagens ininterruptas das 77 câmeras espalhadas pela cidade – cerca de 30 estão instaladas no perímetro da Avenida do Contorno e as demais nos principais corredores de trânsito, como as avenidas Cristiano Machado e Amazonas e o Anel Rodoviário. Ainda este ano esse número deve chegar a 96 (34 analógicas e 62 digitais). “Nosso foco é o monitoramento do trânsito, tanto que nossas câmeras ficam instaladas em alturas superiores às da Polícia Militar e podem filmar em qualquer direção, pois são giratórias. Apesar disso, elas também acabam captando imagens de interesse de outros órgãos, como da PM e da Guarda Municipal”, informa a supervisora do centro, Gabriela Pereira.
Voltemos à câmera 51. Assim que percebeu a situação suspeita, o sargento da Polícia Militar passou as informações dos suspeitos: camisas escuras, um com boné branco e o outro com um preto. Pelas imagens, que agora focavam os dois, foi possível perceber que eles entraram em um estabelecimento próximo assim que avistaram a chegada dos policiais. Estes, no entanto, foram avisados pelo rádio-operador da manobra dos rapazes. Assim, logo eles foram encontrados e realmente portavam um cigarro de maconha. A dupla informou seus dados para os policiais na rua: um não tem antecedentes criminais, mas o outro já tinha certa “experiência” com as autoridades.
“A partir daí, eles serão encaminhados para a delegacia para que sejam tomadas as providências necessárias”, revelou o sargento Evandro Mello, militar responsável pelo monitoramento do Olho Vivo. Criado pela Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) e implantado em parceria com o governo mineiro e a Prefeitura de BH, o programa consiste na presença ocular da Polícia Militar em pontos estratégicos de locais de grande incidência criminal.
São oito monitores, ligados simultaneamente, numa sala instalada no Centro Integrado de Comunicações Operacionais (Cicop). As telas exibem imagens captadas por 76 câmeras instaladas no Hipercentro de Belo Horizonte. Outras duas estão desativadas por conta das obras do BRT. Cada setor, composto de nove câmeras, é controlado por um funcionário civil. “A câmera gira 360° e o operador verifica veículos, pessoas suspeitas e aglomerações que possam resultar em manifestações. A princípio, não tomamos conta de infrações de trânsito, apenas quando há obstrução do fluxo de veículos”, explica o sargento Evandro Mello, militar responsável pelo monitoramento do Olho Vivo.
criptografia Por questões de segurança e qualidade, as câmeras são ligadas às centrais por meio dos cabos subterrâneos de fibra ótica da Prodabel (rede de 92,9 quilômetros usada ainda para levar internet banda larga a escolas, centros de inclusão digital e comunidades da capital). “Isso evita que ocorram hackeamentos e que as câmeras possam ser controladas remotamente”, comenta o militar. As imagens também são todas criptografadas. De acordo com ele, os computadores armazenam de cinco a 10 dias de filmagem nos HDs, que contam com espaço de 1TB cada. As ocorrências captadas são guardadas por tempo superior a dois anos.
Prevenir a ação criminosa, segundo ele, foi o principal motivo da instalação do Olho Vivo, em dezembro de 2004. “Houve uma diminuição de 40% na criminalidade desde sua inauguração”, completa ele, revelando que, ao se verificar que houve uma migração de assaltos para as outras regiões da capital, outras câmeras foram implantadas nas regionais, cada qual com uma central de monitoramento própria.
Benefícios, mas com privacidade
“Nosso foco é o monitoramento do trânsito, tanto que nossas câmeras ficam instaladas em alturas superiores às da Polícia Militar e podem filmar em qualquer direção, pois são giratórias. Apesar disso, elas também acabam captando imagens de interesse de outros órgãos, como da PM e da Guarda Municipal”, informa a supervisora do centro de controle operacional da BHTrans, Gabriela Pereira. Para o funcionamento dos equipamentos, a BH Trans também recorre à rede de fibra ótica. “As câmeras são o maior aliado do nosso trabalho”, afirma a supervisora.
O monitoramento permite saber onde e por que há retração de trânsito antes de tomar as medidas para sanar os problemas. Por exemplo, alterar uma sinalização semafórica, aumentando ou diminuindo o tempo das luzes de acordo com a necessidade. “Em casos de acidentes ou incidentes, podemos até mesmo comunicar outros serviços para que o socorro ou ação sejam providenciados”, informa Gabriela.
A supervisora não vê nesse tipo de programa nenhuma invasão de privacidade e, sim, uma importante prestação de serviço comunitário. Para o advogado especialista em direito digital Alexandre Atheniense, o aumento exponencial de câmeras instaladas em locais públicos representa vários benefícios à sociedade. Controle em tempo real de locais onde podem ocorrer crimes e aumento da eficiência da comunicação a partir do acesso e compartilhamento dos dados captados são alguns deles. Mas, segundo o advogado, sem os cuidados necessários essa tecnologia também pode representar sérios riscos à segurança do cidadão.
“É importante entender qual deve ser o limite para compartilhamento dessas informações”, diz ele, salientando que o Estado tem o direito de usar de todos os mecanismos tecnológicos para proteger a sociedade, mas isso não significa que poderá tomar decisões a partir de informações captadas na esfera de privacidade do cidadão. “Esse é um conceito inexistente na legislação, porém recentes decisões judiciais têm sido úteis para determinar alguns conceitos. A revelação de dados do cidadão de forma equivocada será considerada prova ilícita e poderá ocasionar reparação ante os danos causados”, afirma.
poupanca Atheniense destaca que vivemos um momento de transição, em que as relações humanas são mais interativas devido aos dispositivos móveis de comunicação. Mas com isso somos vulneráveis a ataques à nossa esfera de privacidade. Se lançarmos um olhar sobre essa transição, segundo ele, veremos que a reputação e a privacidade são os patrimônios a serem preservados no século 21. “A reputação pessoal é um patrimônio inestimável que deve ser encarado como uma poupança, procurando-se acumular valores diante da percepção do público, que está sendo potencializada por meio da internet.”
Todo esse risco não deve ser encarado como desprotegido pelo direito brasileiro. “Já temos leis e jurisprudência suficientes sobre o tema para coibir os abusos praticados contra a reputação de pessoas e empresas no meio eletrônico. Todavia, é muito importante criar o hábito diário de monitorar a divulgação de textos, imagens, vídeos para que seja possível identificar e enfrentar rapidamente a prática de ilícitos como forma de minimizar o dano”, completa.