Jornal Estado de Minas

Tempo seco de agosto e setembro provoca desconforto; veja dicas para aliviar mal-estar

Carolina Cotta

- Foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press“A temperatura varia de 25 a 30 graus centígrados, mas a umidade relativa do ar pode ficar abaixo dos 20%”, anuncia a meteorologia. Que vai fazer sol dá até para entender. O restante da notícia, nem tanto. O conceito de umidade não é dos mais conhecidos pela população, embora ninguém deixe de perceber os efeitos do tempo seco. Quem não sofre o desconforto com a baixa umidade relativa do ar pelo menos toca no assunto, no trabalho ou no elevador do prédio. Fato é que agosto e setembro não passam sem que se ouça falar em incêndios, mas também em olho seco, crise de asma, nariz entupido e sangrando.

O desconforto é certo, mas para um grupo específico: alérgicos, asmáticos e pessoas diagnosticadas com olho seco. As demais podem experimentar o problema, mas aí a umidade precisa cair muito. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), índices entre 20% e 30% exigem estado de atenção; entre 12% e 20%, estado de alerta; inferior a 12%, estado de emergência. Mas esse último é coisa de deserto, extremamente difícil de ocorrer até no Norte e Noroeste de Minas, regiões mais propensas a níveis baixos de umidade relativa do ar.

Vem daí a opinião do professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP) Fábio Gonçalves: “A preocupação com a baixa umidade no Brasil é exagerada. Não vivemos em desertos nem em climas muito frios em que a população fica meses dentro de ambientes fechados, calafetados com umidades muito baixas, caso do Canadá, Estados Unidos e Norte da Europa”. Segundo o especialista, por aqui são poucos os dias secos e os valores também não ficam baixos por muito tempo, geralmente entre as 13h e as 16h. “A situação é rara e ocorre somente em ambientes externos.”

Tal ponto de vista não anula o problema, afinal a umidade relativa do ar ideal está entre 40% e 70%. “Valores muito abaixo e acima levam a problemas de saúde, porque geram estresse térmico e proliferam muitas doenças”, acrescenta Gonçalves. Quando, então, o tempo seco merece atenção e mesmo ações preventivas? Como se livrar do desconforto? O famoso umidificador é bom ou ruim? Água é solução para tudo? Funciona mesmo em bacias espalhadas pelo quarto? O Bem Viver ouviu especialistas sobre o assunto, tudo para que você passe os próximos meses em paz com a secura.

Livre-se do desconforto

Montes Claros: 24%. Belo Horizonte: 23%. Os índices são de segunda-feira. Representam a umidade relativa do ar mais baixa registrada na capital e em uma das principais cidades do Norte do estado. A secretária-executiva Luciana Christina Ribeiro, de 38 anos, sequer tomou conhecimento dos números, mas sentiu o desconforto. Mesmo de férias na casa dos pais, cercada de plantas, sofreu os efeitos do tempo seco. Diagnosticada com rinite alérgica, ela faz parte de um grupo que sofre com o tempo seco e com o úmido também.

Os alérgicos vivem uma situação complicada. Segundo a alergista, pneumologista e pediatra Marisa Lages Ribeiro, coordenadora do Centro de Estudos do Hospital São Camilo, a baixa umidade vem acompanhada de irritação nasal. O nariz tem a função de aquecer e umidificar o ar para que chegue em condições ideais ao pulmão. Com o tempo seco, a tarefa exige inclusive uma melhor performance. Mas em quem tem rinite alérgica, uma inflamação do nariz, e não está com o quadro controlado, o nariz não funciona tão bem.

“O tempo seco piora todos os sintomas desse paciente, que sofre com o acúmulo de secreção e a obstrução nasal. Ele acaba respirando pela boca, um desconforto a mais.” O quadro é resultado do ressecamento das mucosas, umas das principais consequências da baixa umidade, favorecendo ainda sintomas de tosse. Há toda uma irritação do trato respiratório com o ar seco e frio. Pela lógica, mais umidade resolveria o problema, mas não para o alérgico. Ambientes úmidos e quentes são propícios para ácaros e fungos, outro inimigo desses pacientes, sensíveis a uma série de condições.

Umidificadores então têm prós e contras? Para essa turma, sim. “Não recomendo. Primeiro porque no caso dos vaporizadores há risco real de acidentes com água quente, principalmente para crianças. Segundo porque aumentando a umidade do ar ele favorece o ácaro. Para quem não é alérgico, umidificadores e vaporizadores podem até dar algum conforto, mas não é uma prescrição”, alerta Marisa. Para Fábio Gonçalves, do Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), não se deve umedecer ambientes internos especialmente à noite, período em que a umidade ja é mais alta.

Mas há quem não fique bem sem eles. Luciana, por exemplo, precisa recorrer ao aparelho no trabalho. Em uma sala pequena, sem janela e com ar-condicionado constantemente ligado, a fumacinha úmida melhora consideravelmente sua sensação de conforto. “Quem entra na sala pela primeira vez até assusta. Perguntam brincando se estou fumando. Mas uso na intensidade mínima e só nessas condições”, conta a secretária, que já adotou outra série de cuidados para conviver melhor com a sensação de nariz fechado e quer buscar opções alternativas, mais saudáveis

SPRAY

Para as crises alérgicas, por exemplo, ela tem a indicação de usar spray nasal, o que não gosta de fazer. “Dizem que não faz bem para a saúde.” Outra solução, então, foi aderir ao hábito de lavar as narinas com soro fisiológico, sempre antes de deitar. “Ele umidifica e limpa o nariz. Melhora bem. Logo, sinto que o ar passa diferente”, conta.

E quem não sente nada? Precisa se preocupar? Para Fábio Gonçalves, crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios e má termorregulação (quem não consegue se aquecer e esfriar adequadamente) é quem deve realmente ficar atento à baixa umidade relativa do ar. Os demais devem beber muito líquido, passar hidratantes e evitar atividades físicas nas poucas horas que estiver abaixo dos 30%.

Segundo Wellington Lopes Assis, professor do Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ambientes sombreados também ajudam a amenizar o desconforto, assim como evitar exercícios físicos no período em que a umidade fica mais baixa, à tarde. Toalhas molhadas e bacias com água no quarto não são capazes de umidificar o ambiente a ponto de mudar os níveis de umidade, mas sim, podem melhorar a sensação de conforto.

Banhos rápidos e água morna

Na pele, a falta de umidade causa desidratação das camadas mais externas, que perdem água para o ambiente. A pele seca descama, coça e torna-se mais propensa às alergias em geral. Cabelos e unhas seguem a mesma lógica: perdem água e tornam-se ressecados, quebrando-se mais facilmente. Em geral, a questão não passa de uma pele seca, cabelos ressecados e unhas quebradiças; mas, nas pessoas com tendência à alergia, a dermatite atópica pode se manifestar ou se agravar. Da mesma forma, algumas doenças de pele pioram muito com o ressecamento, caso da psoríase e da dermatite seborreica. Aumentar o consumo de água não basta para a pele, os cabelos e as unhas. No caso deles, o uso de cremes emolientes é indispensável para equilibrar a hidratação. E no quesito pele, inverno também é tempo de economizar em cinco coisas: água, energia, sabonete, bucha e toalha. O ideal é tomar banho rápidos e com a água morna; usar sabonete apenas nas áreas de odor, como axilas, dobras e região genital; dispensar a bucha, que remove a camada protetora da pele e usar pouco a toalha, apenas dando batidinhas suaves na pele. Tudo isso é para retirar menos a oleosidade natural da pele, já diminuída durante o inverno.

Cura pela água

Uma opção aos sprays é a hidroterapia, a cura pela água, parte da medicina natural sistematizada em 1890. Segundo Ismael Mares Filho, médico homeopata e professor da Escola Mineira de Homeopatia, o segredo é manter o estado de umidade e a temperatura do corpo, 96% (ou 98%, de acordo com alguns estudos) dele composto por água. Em temperaturas muito altas, por volta dos 45 graus, ou muito baixas, por volta dos 10 graus, a água produz fortes reações no sistema nervoso e circulatório. A água quente, por volta dos 34 graus provoca reações médias e a água fresca, a 25 graus, nenhuma reação.

Ismael Mares Filho, médico homeopata - Foto: Beto Magalhães/EM DA PressÉ esse o mecanismo usado para estimular o organismo. “Nosso corpo é como a terra, que se estiver muito úmida ou muito seca não é boa para plantar. O corpo encharcado ou ressecado predispõe uma série de doenças. O segredo, então, é manter os mecanismos termorreguladores”, explica o especialista segundo o qual artifícios como colocar bacias com água nos quartos são ações externas importantes, sendo necessário também usar a água para produzir reações internas, de forma terapêutica. “Em dias muito secos e com umidade baixa, o corpo perde muito líquido e tem o metabolismo basal alterado.”

Além de hidratação e uma dieta saudável, Ismael Mares Filho indica os choques térmicos. “Nesses dias é importante provocar o organismo, tanto o sistema nervoso quanto o circulatório, por meio do revezamento de um banho quente e frio, ou mesmo de um banho quente ou frio contínuo. Um minuto quente, um minuto frio, revezando de acordo com a necessidade”, explica. Para o especialista, a própria pessoa vai conseguir controlar a intensidade a partir das sensações que sentir. “Não é preciso ter medo de gripar. Espirros e coriza serão reações da própria terapia”, adianta.

Outra conduta conhecida é o banho de narinas. Em meio copo de água morna acrescenta-se uma pedra de sal grosso até que dilua e a água fique saturada com o sal. “Colocar essa água saturada nas narinas e deixar que escorra dá mais estabilidade às mucosas e é melhor que usar os vasocontritores. A água tonifica os tecidos, que ficam relaxados. Esse efeito tônico da água é muito importante, ajuda a remediar. São formas de provocar reações no nosso organismo sem remédios”, defende.

Olho seco é frequente

Mas a água não é solução para tudo. No caso dos olhos, por exemplo, atrapalha. Segundo Leonardo Gontijo, oftalmologista especialista em córnea e doenças oculares externas (alergia e olho seco), lavar os olhos com água e soro fisiológico só faz remover a lágrima, essa sim, capaz de amenizar os problemas agravados com a baixa umidade relativa do ar. De acordo com o especialista, olho seco é a doença ocular mais frequente. A enfermidade ocorre o ano inteiro, mas nesse período se agrava. O problema é que muitas pessoas ficam sem o diagnóstico, exatamente aquelas que nesses meses sofrem com o ardor.

O olho seco é uma degeneração. No conceito clássico, era algo mais comuns às mulheres e às pessoas com mais de 40 anos. A disseminação dos computadores e dos smartphones ampliaram o leque dos que sofrem com o problema de dificuldade para lubrificação do olho. “De olho nas telas, as pessoas piscam pouco. Não é que a pessoa fabrique pouca lágrima. A lágrima que evapora e o olho não é constantemente lubrificado com o fechamento das pálpebras. O olho tem que estar sempre coberto pelo filme lacrimal. Sua função é ajudar na visão, proteger contra o meio ambiente, e lubrificar o olho.”

Fátima Catão, dona de casa - Foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A PressCom pouca lubrificação, a superfície do olho fica ressecada e tende a descamar e a criar uma pequena ferida. Em tempos de baixa umidade de ar, em que há muito vento e pouca umidade, a situação piora e as pessoas, sem informação, começam a passar água nos olhos. “É pior. A lágrima que já estava fraca é removida. Troca-se uma lágrima fraca por água. É uma troca extremamente ruim”. O soro fisiológico também não é recomendado. O importante é evitar os agravantes – vento, água no olho e sauna – e procurar o oftalmologista para o tratamento.

PRESCRIÇÃO

Segundo Leonardo, quem sente desconforto no olho nessa época seca é porque provavelmente tem o problema, diagnosticado com exames específicos. O tratamento é baseado no tipo do olho seco, se evaporativo ou por deficiência aquosa. No primeiro, a lágrima evapora muito rápido. No segundo, falta à lágrima sua camada mais externa, à base de gordura. Descoberta a causa, o tratamento envolve reposição ou manutenção da lágrima. Apesar de vendida sem receita médica, a lágrima, para ser eficiente, deve ser prescrita pelo especialista.

A dona de casa Fátima Terezilda Catão, de 56 anos, está fazendo o tratamento com reposição de lágrimas há cerca de 20 dias. Procurou o médico depois de ficar com o olho vermelho e irritado. O marido está com o mesmo problema e o uso constante de ventilador de teto pode ter sido um agravante. “Não sabia que tinha olho seco até me consultar. A lágrima artificial melhorou muito o quadro. A vermelhidão e a coceira acabaram. Meu desconforto foi embora.”

Unidade entre corpo e mente

Umidade, secura, calor, frio e vento interferem no nosso organismo, sejamos adultos ou crianças. Para a medicina chinesa, as diferentes condições climáticas influenciam nos sistemas: o calor no coração, o vento no fígado, a secura no pulmão (quando se diz pulmão não se trata apenas do órgão, mas do sistema, o que inclui vias respiratórias, pele e intestino grosso), a umidade no baço e o frio no rim. Há uma unidade entre corpo e mente. A relação entre cada sistema e uma emoção em particular é mútua: o estado do sistema afeta as emoções e as emoções afetam o estado do sistema. Essas emoções se tornam fonte de desequilíbrio quando são excessivas e prolongadas, como mostra Simonete Torres Aguiar nesta entrevista, em que apresenta alternativas para lidar com a baixa umidade e o desconforto.

Qual é o impacto da baixa umidade nas crianças? O desconforto e o risco de apresentar algum problema de saúde são maiores que nos adultos? Por quê?
A secura perturba pele e mucosas, podendo causar irritação na pele, sangramento nasal, ressecamento de lábios e até sintomas respiratórios, como obstrução nasal, tosse, catarro espesso, bronquite, sinusite e otites. As crianças costumam ser mais sensíveis que os adultos porque estão fazendo uma adaptação corpórea gradual. Até os 3 anos, seu sistema imunológico, responsável por essa adaptação e defesa, ainda está em amadurecimento. Elas trabalham mais com o corpo, pois ainda têm menores recursos expressivos e nominativos para suas emoções. Além disso, absorvem desordens emocionais da família e dos ambientes de convivência, o que as deixa mais susceptíveis aos processos físicos exonerativos.

Qual é a visão da medicina chinesa, e da homeopatia, para esse problema tão comum nos meses de agosto, setembro?
Na clínica, acompanho crianças melhorando de sintomas respiratórios, principalmente os mais crônicos, por meio de lesões na pele. Realmente, é íntima essa relação pele-pulmão. Também vejo pioras respiratórias depois da supressão de sintomas de pele com imunossupressores (corticoides tópicos, em especial ). A homeopatia considera em seu raciocínio clínico que a doença em cura vem de dentro para fora, do centro para as extremidades, de órgãos mais centrais para os mais periféricos (do pulmão para a pele é um caminho de cura). Por isso, medidas cuidadosas tentando evitar esse procedimento são úteis para minimizar sintomas respiratórios nas épocas mais nocivas de clima e de desequilíbrios emocionais.

Que opções oferecem para prevenir ou mesmo amenizar os problemas do tempo seco?
Uma conduta, no caso de secreções respiratórias mais prolongadas, comuns em momentos de secura, é retirar, ou pelo menos diminuir, o leite de vaca. O excesso de lactose pode causar mucosidade. Para cuidar da secura é bom hidratar bastante a pele, ingerir bastante líquido, lavar o nariz com soro fisiológico, principalmente de manhã e de noite. Fitoterápicos de uso tópico como o plantago (tanchagem) e propólis diluídos podem ser usados para diminuir a chance de infecção secundária. Existe ainda uma substância importada do Peru, a muña, que inalada em pequena quantidade ou aplicada pontualmente no tórax traz alívio de bronquite e obstrução respiratória. Uso também medicamentos homeopáticos e fatores de auto-organização para casos mais sintomáticos, com bons resultados.