Jornal Estado de Minas

Infarto pode ser amenizado com fibras de proteína

Procedimento feito com porcos foi um sucesso. Técnica será testada em humanos em no máximo três anos

Bruna Sensêve

- Foto: A chave para o efetivo reparo e a contínua regeneração dos tecidos vasculares de pacientes que sofreram um enfarte pode estar no uso de nanofibras. Um grupo de pesquisadores da Universidade de Washington (EUA) e da Universidade Nacional de Cheng Kung, em Taiwan, injetou o biomaterial com um fator de crescimento no coração de ratos. Menos de um mês depois, os animais mostraram uma melhora significativa na função cardíaca. O experimento foi, então, repetido em porcos, que têm um coração com funcionamento mais similar ao dos humanos. O tratamento não só melhorou o desempenho cardíaco como também promoveu o crescimento de artérias e novos vasos sanguíneos na região danificada.

Estudado pelos cientistas, o fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) já foi utilizado em diversos estudos, mas ainda não havia atingido um alto nível terapêutico. Ele é responsável por promover o “crescimento” de novos vasos sanguíneos em regiões que foram obstruídas, como ocorre no enfarte. A intenção pode ser comparada a um sistema de encanamento. “Imagine que um duto responsável pela manutenção do fluxo da água em uma casa foi obstruído. O fator de crescimento conseguiria que o fluxo fosse desviado por outros dutos que seriam gerados pelo estímulo desse fator”, exemplifica Marcelo Sampaio, responsável pelo ambulatório farmacogenômico do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, unidade ligada à Secretaria de Saúde de São Paulo. O endotélio é uma fina camada de células que fica na superfície de todos os vasos do corpo e produz inúmeras substâncias favoráveis, entre elas o VEGF.

Existia, no entanto, um impasse em aplicar o conhecimento de forma bem-sucedida devido à dificuldade de transporte da substância ao coração, onde o reparo tecidual seria feito a partir do estímulo da produção de vasos por meio do fator de crescimento. Por isso, os pesquisadores viram a necessidade de fornecer uma matriz extracelular capaz de abrigar e estabilizar os frágeis dutos recém-criados e, então, atingir a capilaridade e uma geração contínua de vasos colaterais. Um dos autores do estudo, Patrick Hsieh, da Universidade Nacional de Cheng Kung, em Taiwan, e do Departamento de Bioengenharia da Universidade de Washington, explica que as nanofibras utilizadas foram capazes de formar um microambiente favorável à nova vascularização e à recuperação das funções cardíacas pela primeira vez.

O biomaterial usado por eles foram nanofibras peptídicas de automontagem, que têm uma degradação lenta e baixa imunogenicidade — não causam estranheza ou rejeição ao organismo. Ao mesmo tempo, são terapeuticamente potentes para uma liberação sustentada e contínua de substâncias, no caso da pesquisa, o fator de crescimento. “Essas nanofibras possuem duas funções importantes. Em primeiro lugar, elas atuam como transportadoras e liberam lentamente o VEGF para facilitar o crescimento capilar, assim, a angiogênese. Em segundo lugar, fornecem um microambiente que é ideal para as células de recrutamento, benéficas para a formação da artéria forte”, detalha Hsieh.

Os resultados, apresentados na revista Science Translational Medicine desta semana, mostram que a deposição aconteceu por até 14 dias e reduziu os efeitos colaterais a níveis próximos ao do grupo de controle. Os testes clínicos, em humanos, estão previstos para iniciar daqui dois ou três anos. Antes disso, a pesquisadora Karen Christman, do Departamento de Bioengenharia, da Universidade da Califórnia, sugere uma forma de aplicação da terapia em humanos via cateter intrafemoral (veja arte). “O procedimento proposto pelo grupo de Christman é verdadeiramente surpreendente e adiciona outra técnica promissora”, comenta Hsieh. Segundo ele, uma série de experiências de dosagem já foram realizadas em ratos e, apesar de terem sido utilizadas a mesma dose no modelo suíno, ainda precisa ser feita uma otimização dessa medida.

No Brasil
O próximo passo da pesquisa é a criação de testes para determinar os efeitos a longo prazo no porco e o tempo terapêutico ideal para o tratamento tardio. O cardiologista do Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul Renato Kalil é o único brasileiro a realizar testes clínicos em humanos com o mesmo fator de crescimento para a recuperação de tecidos cardíacos. Segundo ele, esse tipo de terapia está voltada a pacientes em condição refratária, ou seja, pessoas nas quais o tratamento clínico e a angioplastia não são mais viáveis. O experimento foi feito com uma injeção direta no coração, por meio de uma pequena incisão no tórax.

A falta da estrutura de nanofibras pôde ser sentida por Kalil e sua equipe no estudo, já que o VEGF sozinho formou vasos muito frágeis. “Conseguimos mostrar uma melhora clínica e também um aumento da irrigação do miocárdio pelos vasos que se formaram. As nanofibras formam uma estrutura tubular que imita um vaso, onde as células vão se desenvolver. A vantagem delas está na formação de uma estrutura mais consistente, com um microambiente favorável”, detalha Kalil.