Ainda sem nome, a síndrome foi investigada por cientistas do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, que conduziu uma pesquisa em hospitais da Tailândia e de Taiwan, envolvendo 203 pessoas doentes e saudáveis. Dessas, 97 estavam infectadas por diversos agentes externos, incluindo micobactérias não tuberculosas (MNTs), uma classe de micro-organismos que se torna extremamente agressiva quando o sistema imunológico está debilitado. Cinquenta e oito participantes tinham tuberculose, doença comum no Sudeste asiático, e 45 não tinham problema de saúde — eles entraram nos testes apenas como grupo de controle.
Essa substância age ao perceber a presença de intrusos para os linfócitos, que, então, começam a agir. Sem saber que a corrente sanguínea sofreu uma invasão, as células de defesa não destroem os agentes externos nocivos, e a pessoa adoece. “O interferon é fundamental para combater e matar as células que alojam esses micróbios. Sem ele, é como se os micro-organismos ficassem escondidos, protegidos da resposta imune”, explica Edecio Cunha-Neto, professor e pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Os cientistas americanos constataram que o próprio organismo dos pacientes produzia anticorpos que anulavam a ação natural do interferon gama. “A razão da produção desses anticorpos é desconhecida até agora, mas nos parece que é um processo complexo”, conta Browne (leia entrevista).
Diferentemente da Aids, a nova síndrome não é transmitida e, de acordo com os pesquisadores, provavelmente não há possibilidade de contágio. A prevalência observada até agora acrescenta toques de mistério: ela acomete apenas adultos, principalmente com mais de 50 anos. Além disso, há poucos casos identificados em populações não asiáticas. “O estudo levanta a hipótese de que pode haver um defeito genético associado a fatores ambientais”, assinala Beatriz Tavares Costa Carvalho, presidente do Departamento de Imunologia da Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia. “Se fosse só genético, a síndrome se manifestaria mais precocemente. Como isso ocorre na idade adulta, é preciso levar em conta o meio ambiente”, completa.
Influência ambiental
A infectologista Romanee Chairwarith, do Departamento de Medicina da Universidade de Chiang Mai, na Tailândia, também acredita que fatores ambientais, como exposição a agentes tóxicos e poluentes, podem ter uma relação forte com a nova síndrome. Nesses dois países asiáticos, ela havia identificado, em 2007, uma disseminação de infecções por micobactérias não tuberculosas. “Os pacientes apresentavam quadros realmente graves, com diversas comorbidades. Isso nos leva a crer que a prevalência dessas infecções esteja aumentando em nossos países”, afirma Chairwarith. Apesar de na época da pesquisa a infectologista não ter investigado a relação das doenças com a falta de atividade do interferon gama, ela acredita que boa parte dos pacientes poderia estar gerando os anticorpos que impedem a ação da substância.
Para o professor da Universidade Federal de Minas Gerais Unaí Tupinambás, o grande desafio é saber o que causa essa autorresposta imune. Ele também destaca a importância de acompanhar a evolução das detecções da síndrome. “Ainda não sabemos a dimensão. Ela pode estar localizada na Ásia, mas também pode haver um impacto maior na população em geral. A síndrome deve ser monitorada para verificar qual seu impacto na saúde pública”, acredita. Mas, para Tupinambás, a descrição da doença misteriosa já é um passo importante na busca de um tratamento. “O interessante é que o artigo abre a porta para o desenvolvimento de terapias que combatam o problema.” O infectologista Edecio Cunha-Neto observa que quando o sistema imunológico está frágil a força dos antibióticos diminui. Ele acredita que uma intervenção eficaz seria aquela que diminuísse ou acabasse com o anticorpo que impede a ação do interferon gama. “Sabemos que, em outras situações, é possível diminuir os níveis desses anticorpos”, diz.
Três perguntas para... Sarah Browne - pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos
Qual o número de casos registrados? Eles estão restritos apenas a pacientes asiáticos?
Alguns casos foram relatados em pacientes que podem não ser etnicamente asiáticos, mas, até agora, a maioria dos casos que identificamos foi na etnia asiática. Fomos capazes de registrar cerca de 100 pacientes com a doença em seis meses. Nesse estágio, não sabemos se outros podem ser afetados. Apenas não encontramos casos.
O que é possível entender sobre a a doença ao levar em conta que os pacientes têm em média 50 anos?
Isso mostra que é improvável que a doença seja puramente genética. Trata-se de uma síndrome que tende a ocorrer na idade adulta em indivíduos que eram saudáveis. Acreditamos que esses anticorpos se desenvolvam com o tempo, sendo resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais, até que o sistema imunológico não seja capaz de montar uma resposta adequada a certas infecções.
Precisamos monitorar a incidência da síndrome em outros países? A descoberta também abre portas para o tratamento?
Se um paciente sente que pode ter essa doença, deve consultar o médico. Esperamos que esse trabalho aumente a conscientização sobre ela para que possamos saber se existem outras regiões do mundo onde ela pode ocorrer. Ainda não sabemos o suficiente sobre a epidemiologia da doença para definir qual tipo de vigilância deve ser adotada. Como ocorre em muitas — se não todas — doenças, a descoberta abre sim portas para o tratamento. Ao compreender as forças que impulsionam a doença, podemos tratar os fatores que contribuem para ela, como os autoanticorpos, em vez de apenas os sintomas, no caso as infecções. Estamos, atualmente, investigando tratamentos com alvo na produção de anticorpos em pacientes que permanecem muito doentes apesar dos antibióticos adequados. Queremos que o diagnóstico impacte diretamente no tratamento.