Jornal Estado de Minas

Pílulas da beleza podem mascarar doenças, causar prejuízo ao fígado e coração

Paula Sarapu Flávia Ayer

Ana Cláudia, dermatologista, prescreveu o produto para Eliana para tratar queda de cabelo - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press 

Dez entre dez mulheres gostariam de ter a beleza ao alcance das mãos, nas prateleiras das farmácias. Atendendo ao sonho de consumo feminino, a indústria dos nutricosméticos vem desenvolvendo fórmulas que prometem combater as rugas e o envelhecimento, fortalecer os cabelos e as unhas, evitar o acúmulo de gorduras e celulite, reduzindo também as medidas. É uma tendência mundial e uma marca líder de mercado, presente em 18 países, tem no Brasil sua maior clientela. Nos consultórios médicos, especialistas confirmam que cresceu a procura pelos comprimidos, mas eles são categóricos: não há milagre nem estudos que comprovem a eficácia desses suplementos. Alertam, ainda, para os riscos do consumo sem orientação médica, embora as fórmulas sejam vendidas sem receita.

O uso indiscriminado pode esconder deficiências e o excesso pode provocar doenças. As vitaminas A e E, se ingeridas em doses maiores do que o organismo precisa, causam prejuízos ao fígado. O excesso da A provoca queda de cabelo e da E afeta o sistema cardiovascular. Alho, ginko biloba e ginseng, substâncias estimulantes, se consumidas com exagero, podem alterar o fluxo sanguíneo em uma cirurgia, por exemplo. Os nutricosméticos representam um grupo de suplementos alimentares vendidos em farmácias, mercados e até no free shop. Nas suas cápsulas, comprimidos, balas e sucos, eles concentram substâncias encontradas nos alimentos, como vitaminas, sais minerais e aminoácidos. Para a dermatologista Ana Cláudia de Brito Soares, da diretoria da Sociedade Brasileira de Dermatologia em Minas Gerais, os suplementos servem como coadjuvantes em um tratamento. Não substituem, segundo ela, uma alimentação balanceada e rotina de exercícios físicos.

Carmem Lúcia toma cinco pílulas todos os dias: para pele, cabelo, memória, celulite e unhas - Foto: Marcos Michelin/EM/D.A Press“Nos últimos dois anos tenho atendido um número de mulheres interessadas nas pílulas da beleza para melhorar a aparência da pele, do cabelo, das unhas. A promessa é essa, mas o composto da beleza não tem nada de milagroso. Esses suplementos vão satisfazer uma necessidade nutricional e às vezes proporcionar benefícios à saúde, mas não substituem hábitos de uma vida saudável”, explica a dermatologista. “Não adianta engolir um comprimido desses se tem o hábito de fumar, beber, se expor ao sol com exagero.”

A massoterapeuta Carmem Lúcia Guimarães, de 41 anos, diz que toma tudo o que surge de novidade. A centelha asiática, que segundo ela ajuda a queimar calorias, hidrata a pele, melhora a circulação e reduz celulite, é a cápsula que entrou mais recentemente na sua alimentação e se soma às outras quatro: colágeno para a elasticidade da pele, ômega 3 para dar energia e melhorar o aspecto geral, vitamina C para o cabelo, manchas na pele e unhas fortes e ginkgo biloba para a memória.

“Trabalho muito e não consigo fazer atividade física. Na rua, acabo me alimentando mal. Acho que as pílulas são o quebra-galho da mulher moderna, que está sem tempo para cuidar mais da saúde”, admite. “Tenho um amigo cirurgião plástico que diz que nada disso funciona, mas eu sinto melhora sim. Meu intestino funciona bem, minha pele está mais bonita. Ninguém diz que tenho 41 anos. Meu cabelo brilha e fico mais animada e bem disposta com minhas vitaminas.”

Efeitos
Ana Cláudia de Brito afirma que não se tem comprovação de que esses compostos façam efeito se utilizados sozinhos. E lembra ainda que a denominação é incorreta. Nutricosméticos, segundo a dermatologista, são substâncias que agem sobre a pele. Ana Cláudia oferece, sim, a pílula da beleza a suas pacientes, desde que haja alguma carência ou necessidade de complementar um tratamento. Ela alerta para o fato de que o uso indiscriminado, sem orientação médica, pode mascarar uma doença mais séria.

“A indústria achou espaço na vida moderna, na falta de tempo. De repente você se sente cansada e acha que é só estresse. Tem queda de cabelo e toma os comprimidos, mas eles não vão funcionar porque você está com anemia. É fundamental que se tenha um diagnóstico correto porque aí sim os suplementos vão ajudar o organismo. Não adianta tomar colágeno para manter a firmeza da pele porque é o corpo que vai identificar onde há carência desse aminoácido e vai transformá-lo em proteínas, decidindo para onde vai. Não se tem controle sobre isso.”

Por causa das unhas fracas e quebradiças, a advogada Clarissa Barcelos, de 27 anos, seguiu a dica de uma prima e, desde maio, começou a tomar as pílulas da beleza por conta própria. A surpresa veio um mês depois, quando, durante uma consulta com sua dermatologista para tratar de outra questão, comentou sobre o problema. “Tive que fazer uma série de exames e a médica identificou que as minhas unhas estavam descamando porque o meu problema era no fígado”, conta.

A dermatologista manteve a prescrição de três pílulas diárias do suplemento, mas Clarissa está passando por uma bateria de exames que vão direcionar o tratamento contra a doença hepática ainda não identificada. A advogada, que chega a desembolsar R$ 300 por mês com os nutricosméticos, acredita que só então terá as unhas bonitas e o corpo saudável novamente. “Acho que eles melhoraram minhas unhas”, afirma.
Indústria fatura no Brasil

Estudiosa da nutricosmética há mais de 10 anos, a fisioterapeuta dermatofuncional Ludmila Bonelli é defensora e adepta das pílulas da beleza. O aumento do consumo, segundo ela, está relacionado à produção dos compostos pela indústria farmacêutica – até então, as farmácias de manipulação eram as principais produtoras. Esse mercado movimenta, segundo a IMS Health, órgão norte-americano que audita vendas do setor farmacêutico, R$ 70 milhões ao ano no Brasil. Não há dados específicos para Minas Gerais.

“Os nutricosméticos buscam nos alimentos um suplemento nutricional específico para tratar a condição que está ruim no corpo, seja a unha, o cabelo, a pele”, explica. Um exemplo é o resveratrol, presente na semente da uva e que ajuda a combater o envelhecimento. “O nutricosmético tem uma concentração grande dessa substância. Se fosse consumir naturalmente, seria necessário comer todo dia uma caixa de uva”, diz. “Mas é o especialista que vai orientar qual a concentração e a substância mais adequada para tratar o problema”, afirma a fisioterapeuta, que consome quatro tipos de suplementos desde que começou a se interessar pelo ramo.

A secretária Eliana Vial, de 48, vai até o espelho com outros olhos desde que passou a tomar o composto da beleza para tratar a queda de cabelos há dois meses sob orientação médica. “Não conhecia essa maravilha e já percebi melhora. Meu cabelo estava sem vida, muito ralinho e dava tristeza. As cápsulas fazem parte de um tratamento e agora estou linda. Espero que possa continuar tomando por mais tempo”, torce.

Os nutricosméticos são liberados pela Anvisa como suplementos alimentares e, por isso, não dependem de receita. “Há opções das mais variadas e tem quem tome para queimar caloria e perder peso, mas não há evidência científica que comprove isso. Os endocrinologistas não costumam indicar”, diz o presidente do Departamento de Endocrinologia e Metabolismo da Associação Médica de Minas Gerais, Paulo Augusto Carvalho Miranda. “A melhor receita para quem quer emagrecer ainda é a alimentação saudável, atividade física regular e tempo adequado de sono e repouso.”

 

Por dentro dos nutricosméticos

O que são?

» Suplementos alimentares apresentados pela indústria dos nutricosméticos em cápsulas, comprimidos, balas e sucos. São compostos por vitaminas, sais minerais e aminoácios. Entre as substâncias mais frequentes estão as vitaminas A, C e E, antioxidantes, ômega, biotina, zinco e selênio e colágeno.

Resultado
» As pílulas prometem prevenir o envelhecimento, diminuir as rugas,
evitar absorção de gorduras e celulites e promover o fortalecimento de cabelos e unhas. Não há, segundo especialistas, estudos científicos que comprovem a
eficácia a longo prazo. Sob orientação médica e diagnóstico correto, podem complementar o tratamento.

Efeito contrário
» O uso indiscriminado desses suplementos pode mascarar deficiências do organismo e doenças mais sérias. O excesso de vitaminas A e E, por exemplo, pode causar prejuízos ao fígado. A vitamina E em doses médias afeta o sistema cardiovascular. Já a vitamina A em exagero provoca, entre outros efeitos,
queda de cabelo. Cápsulas de alho, ginko biloba e ginseng, que são substâncias estimulantes, podem alterar o tempo de sangramento e trazer problemas numa cirurgia, por exemplo.