Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o consumo de álcool é a terceira causa de mortes no mundo, matando 2,5 milhões de pessoas todos os anos. No entanto, as vidas que são tiradas pelo consumo irresponsável dessa droga vão além dos acidentes de trânsito, dos abortos e dos danos ao fígado. As consequências da ingestão da bebida são alvo de pesquisas que, ao longo dos últimos anos, têm sido capazes de mostrar que ela é nociva para diversas áreas do organismo, como o sistema cardiovascular, o cérebro e o coração. Mesmo teorias antigas, como a ligação entre o álcool e o câncer, têm sido reforçadas com experimentos inéditos que destacam a mensagem de que a droga pode ser mortal.
Ela notou que o DNA deles apresentava uma grande quantidade de aductos, uma espécie de ligação que causa mutações no código genético. Essas combinações eram feitas justamente com o acetaldeído, formado a partir do álcool. A proteção contra esse processo está na enzima álcool desidrogenase (ADH), que converte o acetaldeído e impede que as ligações causem mutações. Mas não é possível depender da ANH em casos de bebedeira extrema. “Conforme aumentávamos as doses de bebida, observávamos mais aductos. Portanto, quanto mais a pessoa beber, mais tempo vai levar para o corpo eliminar os aductos e o álcool, e mais acetaldeído ficará no corpo”, resume Silvia.
O mecanismo de proteção também falha em pessoas com uma variante ineficiente da ADH, em sua maioria asiáticos e pessoas de sangue indígena. “Tudo acontece num balanço de ativação de danos e reparos feitos por essas enzimas, mas há pessoas que ativam ou reparam mais. É óbvio que, no primeiro caso, existe maior risco de câncer”, ilustra Gilberto de Castro Jr., oncologista do Instituto de Câncer de São Paulo (Icesp). Estima-se que 1,6 bilhão de pessoas estejam no grupo étnico de risco e que 10% dos casos de câncer sejam relacionados ao abuso do álcool. “Mas ninguém vai saber exatamente qual é o risco da pessoa, pois alguns desses mecanismos ainda são desconhecidos. Logo, a exposição deve ser evitada”, alerta Gilberto.
De acordo com Silva Balbo, o consumo de álcool já é ligado a casos de câncer de fígado, de esôfago, de cólon, de mama e de cabeça e pescoço. Pesquisadores da Associação Norte-Americana para a Pesquisa do Câncer apontaram que quem bebe muito pode ter até 75% mais chances de desenvolver um tumor gástrico. Já a Associação Médica Americana (AMA) mostrou que há mais riscos de câncer de pâncreas para as pessoas que bebem mais de três drinques por dia – basta a mesma quantidade por semana para que uma mulher tenha 15% a mais de probabilidade de ter câncer de mama, e duas doses por dia para aumentar essa chance para 51%.
Riscos variados
Além do câncer, efeitos da bebida são vistos também nos sistemas cardiovascular, gastrointestinal e nervoso central. De acordo com especialistas, mesmo o consumo moderado pode causar danos permanentes no corpo. “Quanto mais gente em uma população beber álcool, mais problemas esse país terá, independentemente da moderação do hábito”, resume Ilana Pinsky, psicóloga e vice-presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead). O problema é ainda maior se o hábito for precoce. “É importante adiar o máximo possível o início do consumo. Estudos mostram que quanto mais cedo o jovem inicia a ingestão de bebida alcoólica, maior a probabilidade de ele ter dependência na faixa dos 20 anos”, alerta Ilana.
Segundo a psicóloga, a bebida pode atrapalhar também a formação do cérebro do adolescente. A teoria foi comprovada em estudos como o da médica Alicia Ann Kowalchuk, que mostra que o consumo exagerado de álcool, mesmo isolado, afeta permanentemente o córtex pré-frontal, cujo desenvolvimento só termina aos 25 anos. “O álcool é neurotóxico e mata ainda mais células cerebrais sob altas concentrações de álcool no fluido cerebrospinal. No caso dos jovens, as conexões novas do córtex pré-frontal são mais suscetíveis aos efeitos tóxicos do álcool que as dos adultos”, explica Alicia.
Efeitos mais imediatos podem ser sentidos por pessoas que sofrem de problemas cardíacos, como a fibrilação atrial. Batizada de síndrome do coração de feriado, a combinação entre essa condição e a bebida excessiva resulta em uma chance 4,5 vezes maior de surgimento da palpitação cardíaca acelerada, que pode causar hipertensão. Outro experimento, realizado com ratos, aponta ainda que o álcool afeta a mitocôndria do coração, responsável por fornecer energia ao órgão. Isso ocorreria porque a substância aproxima a organela do retículo endoplasmático, sobrecarregando a mitocôndria com cálcio. Ainda há estudos indicando que a bebida alcoólica atrapalha a resposta imune do corpo, atrasando a recuperação de ossos quebrados ou desencadeando alergias.
Mas, o sinal mais claro dos efeitos negativos do álcool no corpo talvez seja o mal-estar digestivo. De acordo com um estudo divulgado pelo Colegiado Norte-Americano de Gastroenterologia, basta apenas um drinque por dia para que uma pessoa sofra sintomas como gases, dores abdominais ou diarreia. De 198 pacientes estudados com esses sinais, 95% consumiam álcool com frequência.
Isso ocorre porque a substância leva a um crescimento de bactérias no intestino delgado, condição que pode levar à má nutrição. “O álcool rompe vários dos mecanismos de defesa do intestino delgado, que mantém a quantidade de bactérias sob controle. Quando essas defesas são quebradas, as concentrações de bactérias podem aumentar”, ensina o autor do estudo, o médico Scott Gabbard. As consequências da bebida, aponta ele, são similares às da síndrome do intestino irritado. “Se um paciente reclama de excesso de gases, inchaço e diarreia, é razoável considerar se abster do álcool para ver se há uma diminuição dos sintomas”, completa.