Jornal Estado de Minas

Evento internacional debate as novas faces da neurociência na UFMG

Área pouco estudada no Brasil, a neuroeconomia começa a despontar nas universidades. Entender como o cérebro agena hora de comprar é um dos temas a serem debatidos a partir de hoje na UFMG,em evento internacional

Zulmira Furbino Carolina Cotta

- Foto: O funcionamento do seu cérebro tem tudo a ver com suas decisões de compra e as empresas estão começando a descobrir isso. Pesquisa inédita no Brasil, defendida numa tese de doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no ano passado, tenta explicar a dualidade no comportamento das pessoas nessas ocasiões. A neuroeconomia ou o neuromarketing é um campo de estudo relativamente novo no país. A ideia é usar técnicas da neurociência, como exames de ressonância magnética, eletroencefalogramas, eletrocardiografias e rastreamento ocular, para tentar entender o comportamento e as escolhas dos indivíduos. A partir daí seria possível identificar padrões de comportamento de gastos como o que leva os consumidores a preferirem determinada marca em detrimento de outra.

Reunidos para a 2ª Semana Internacional de Neurociências, da qual faz parte o 6º Simpósio Internacional de Neurociências, na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, pesquisadores brasileiros e de outros seis países se encontram de hoje a sábado para debater esse e vários outros assuntos ligados aos estudos sobre o cérebro humano. Trata-se do maior encontro já realizado no Brasil sobre Neurociências e percepção, temática inspirada no livro Truques da mente: o que a mágica revela sobre o nosso cérebro de Suzana Martinez-Conde e Stephen L. Macknik, do Instituto Barrow de Neurologia, dos Estados Unidos.

Para descobrir a preferência dos consumidores por detalhes de três tipos de automóveis de marcas diferentes, Caissa Veloso e Sousa, pesquisadora e doutora em administração pela UFMG, usou dois tipos de medições neurofisiológicas em sua tese de doutorado, “Neuromarketing e neurociências: explorando as fronteiras didátdicas e integrando metodologias para a compreensão do comportamento do consumidor”. No primeiro grupo, 30 pessoas foram submetidas a um rastreamento ocular – com um óculos dotado de câmera central que filmava a imagem que a pessoa estava vendo – e duas câmeras voltadas para seus olhos, com luzes infravermelhas que refletiam o centro da pupila.

“O exame detecta o local onde a pessoa fixa o olhar, como, por exemplo, uma parte do veículo”, explica. E também é capaz de indicar que detalhes chamaram menos a atenção. A leitura é feita por meio de um software que traduz o exame para o computador”, explica Caissa. As informações colhidas pelos exames são cruzadas com depoimentos dos participantes da pesquisa. Na prática, estudos como esse em breve poderão ser usados por empresas interessadas em descobrir o que querem e do que gostam os consumidores.

Outro conjunto de exames envolveu eletrocardiograma e resposta galvânica da pele, que usa o mesmo princípio do polígrafo para medir a variação de temperatura da pele. “Apresentamos três filmes sobre um dos carros, de 30 segundos cada, para os participantes”, conta Caissa. Nos dois primeiros, os 15 segundos iniciais traziam mensagens emocionais e os 15 últimos mensagens cognitivas (informações sobre o carro). O último trazia apenas mensagens cognitivas. “Verificamos que os indivíduos gostaram mais do terceiro filme e que ele tinha um número menor de tomadas de cenas, o que provavelmente facilitou a concentração de quem estava assistindo.”

Com informações assim, de acordo com a pesquisadora, é possível identificar como são tomadas as decisões e descobrir por que motivo determinadas campanhas chamam mais a atenção dos consumidores do que outras. Uma das descobertas do neuromarketing, segunda ela, foi feita por Martin Lindistrom, pesquisador americano, que chegou à conclusão de que imagens de doenças exibidas nos versos dos maços de cigarro provocavam uma área ativa do cérebro dos fumantes ligada ao desejo. Por outro lado, estudos feitos com determinadas marcas de vinho, que exibiam o produto junto com o preço, indicaram que os consumidores estão mais propensos a comprar o produto mais caro, ainda que a mesma garrafa seja oferecida por um preço muito menor. “Somos motivados e temos atitudes que envolvem a violação dos pressupostos da racionalidade. Isso quer dizer que agimos influenciados pela emoção”, acrescenta a cientista mineira.

Segundo ela, pesquisa feita por uma indústria farmacêutica na qual parte dos especialistas usou placebo e outros determinado medicamento indicou que os participantes que adotaram o placebo apresentavam melhoras dos sintomas e também efeitos colaterais. Por outro lado, quem usou o remédio também melhorou. “A neuroeconomia ou neuromarketing explica o que há por trás daquilo que um indivíduo consegue expressar”, diz ela.

Truques e mágica na compreensão da personalidade
Os neurocientistas Suzana Martinez-Conde e Stephen L. Macknik, formados em Harvard e agora mágicos, acreditam que o conhecimento do que ocorre no interior do cérebro diante de truques de ilusionismo pode ajudar a abordar aspectos comportamentais, distúrbios de atenção e questões relacionadas à consciência e à personalidade individual. Os pesquisadores farão as palestras de abertura e encerramento do simpósio, que recebe inscrições até quarta-feira pelo site www.6simposioneurociencias.chsd.com.br. O endereço tem a programação completa.

Outras atividades serão gratuitas e abertas ao público, como a palestra O que nos torna humanos: os custos e as vantagens de ter 86 bilhões de neurônios, hoje, às 11h30, no auditório da Reitoria da UFMG. A apresentação será da professora Suzana Herculano-Houzel, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), reconhecida pela forma clara como explica os mistérios da mente. A semana contempla ainda cursos, oficinas, atividades culturais e sessões de filmes comentadas por especialistas.

Para Angela Maria Ribeiro, coordenadora do Programa de Pós-gradução em Neurociências da UFMG, além de viabilizar um maior entendimento do funcionamento fisiológico e patológico do cérebro, a semana promove a internacionalização do programa e estimula a colaboração entre pesquisadores. “É importante abrir as portas da universidade também para a comunidade civil, que terá oportunidade de conhecer a produção de conhecimento em neurociências, que hoje envolve oito unidades da universidade”, diz.