Jornal Estado de Minas

Elevação do nível de oxigênio favoreceu o surgimento do homem

Mudança no ar teria ocorrido há cerca de 630 milhões de anos

Roberta Machado
Amplie e entenda - Foto: Brasília – Há mais de 2 bilhões de anos, os níveis de oxigênio livre na atmosfera da Terra eram insuficientes para a formação da vida diversificada e complexa como a existente hoje. O surgimento dos ancestrais da fauna atual só teria sido possível com uma mudança nos ares do planeta: um crescimento, ainda inexplicado, da concentração do gás, que alimentaria seres com sistemas respiratórios mais complexos e eficientes. Desde que essa teoria foi proposta, no século passado, muitas discussões foram levantadas. Alguns especialistas questionaram se o aumento de oxigênio livre estava ligado ao surgimento de animais mais complexos, pois estimava-se que a oxigenação tivesse ocorrido entre 580 milhões e 550 milhões de anos atrás, quando a diversificação de anfíbios e seres terrestres já havia sido iniciada.
Agora, evidências encontradas na China indicam que o aumento nos níveis de oxigênio possa ter ocorrido 50 milhões de anos antes do que se pensava. Os dados foram obtidos a partir do estudo de três depósitos de xistos retirados da formação Doushantuo (veja mapa) e examinados pelo professor de geologia Ganquing Jiang, da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos. As amostras, datadas entre 635 milhões a 630 milhões de anos, têm uma abundância de metais que podem ter se acumulado em um ambiente com uma alta concentração de oxigênio. Com isso, ganha força a teoria de que foi a mudança de ambiente que levou à transformação de bichos e plantas.

“Por mais de três quartos da história da Terra, os níveis de oxigênio na atmosfera e no oceano eram insuficientes para manter a vida animal maior e diversificada. Agora, temos uma evidência direta de que o aumento de oxigênio coincidiu com o aparecimento dos primeiros animais”, diz Jiang.
A transformação teria começado logo depois do fim da era conhecida como “Terra bola de neve”, quando o planeta permaneceu coberto por uma camada de gelo, por milhões de anos.

“As análises de rochas ricas em material orgânicos do Sul da China apontam para um aumento súbito dos níveis de oxigênio no fim dessa era glacial. A descoberta dá uma explicação mais simples para uma ligação entre a era glacial, a oxigenação dos ambientes e a diversificação dos primeiros animais”, justifica o geólogo, que teve seu estudo publicado na revista Nature desta semana.

Variedade Para o biólogo Fabrício Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o sucesso da pesquisa se deve à riqueza do sítio paleontológico estudado. A variedade de materiais de diversas eras encontradas no local, aponta ele, oferece um quadro claro das mudanças evolutivas da Terra. “Os organismos complexos apareceram porque os níveis de oxigênio aumentaram. Eles substituíram muitos dos unicelulares da época, que eram principalmente anaeróbicos”, explica.

Ainda não é certo quanto tempo durou essa abundância de oxigênio. Indícios apontam que os níveis do gás chegaram perto dos atuais, mas especialistas acreditam que a concentração de O2 na atmosfera há cerca de 600 milhões de anos tenha chegado a 32%, bem maior que os 21% atuais. Teria sido isso que possibilitou a existência de insetos com mais de 70cm de comprimento, por exemplo. “Para manter um organismo desse tamanho com uma respiração básica, só mesmo com muita pressão de oxigênio na atmosfera”, resume Mario de Vivo, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).

Ao fim do Período Carbonífero, a proporção de oxigênio teria caído, levando esses animais gigantes ao desaparecimento. As razões para essas mudanças também permanecem desconhecidas. Uma hipóteses seria a de muitas atividades vulcânicas alterando o clima. “Eu acho que isso pode ter sido mais gradual”, pondera De Vivo. A única certeza trazida pela descoberta de Jiang, de acordo com os especialistas, é que essa época de transformações foi mais longa do que se imaginava.