Se você é predisposto à aterosclerose, perigosa inflamação que ataca os vasos sanguíneos e pode evoluir para graves problemas como acidente vascular cerebral (AVC) ou infarto, é melhor ficar atento a um novo vilão que está à solta. E o pior: presente no ar. Emitida principalmente pelos motores de carros, motocicletas, caminhões e demais veículos cada vez mais presentes nas ruas dos grandes centros brasileiros, a poluição oriunda de material particulado pode levar à aceleração da doença e uma inflamação geral no corpo, atacando de órgãos específicos ao coração.
Simulando o cotidiano de um cidadão que vive ou trabalha na região central de São Paulo, o estudo usou como base oito grupos de camundongos geneticamente modificados para desenvolver a doença, que atinge os vasos sanguíneos. As experiências foram feitas no jardim da faculdade, que funciona em uma avenida da região central da capital paulista, local de grande fluxo de ônibus do transporte coletivo urbano.
Nos primeiros testes, os animais foram submetidos ao ar filtrado incubados em câmaras, ao passo que as demais cobaias ficaram expostas ao ar ambiente. “O equipamento inspira o ar da rua, consegue concentrar a quantidade de partículas e, a partir daí, expomos os camundongos uma ou duas horas por dia, dependendo da dose de partículas. A dose equivale ao que uma pessoa está exposta na cidade de São Paulo 24 horas por dia”, explica a pesquisadora e bióloga Mariana Matera Veras, responsável pela pesquisa e membro do Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental (Inaira) – um dos institutos nacionais de ciência e tecnologia (INCTS) financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Concluído o experimento, os animais passaram por um exame de ultrassom que avaliou o tamanho da placa de gordura formada no interior dos vasos sanguíneos. Os resultados foram reveladores. Enquanto nos camundongos que receberam dieta rica em gordura o efeito da poluição foi menos importante e ofuscado pela alimentação, os animais com dieta balanceada expostos à poluição e em fase de gestação apresentaram placa aterosclerótica três vezes maior que a observada no grupo de controle.
Nos animais expostos à poluição somente ao nascimento, a placa foi sete vezes maior. Somadas à exposição gestacional e à fase pós-natal, o desenvolvimento da doença foi ainda maior: o aumento foi de 13 vezes. “A literatura científica vem revelando há cerca de 20 anos que a exposição das pessoas à poluição nas grandes cidades está aliada ao aumento de risco de problemas cardíacos e respiratórios. Por meio da pesquisa, conseguimos medir as consequências dessa poluição tendo como base não uma pessoa que trabalha no trânsito, ou seja, extremamente exposta, mas um cidadão normal, que sai de casa para o trabalho”, afirma Mariana Veras.
Os resultados preliminares foram revelados durante o 31º Simpósio Anual da Society of Toxicologic Pathology ocorrido em junho, em Boston, nos Estados Unidos. Agora, Mariana e a equipe do Inaira avaliam como a quantidade de gordura circulante no sangue dos animais, marcadores inflamatórios e a expressão dos genes associados à formação da placa aterosclerótica interferem na progressão da doença.
Efeitos no homem O desejo dos pesquisadores é saber se existem outros mecanismos envolvidos. Uma vez inalado, explica Mariana, o material particulado – que inclui substâncias pesadas como alumínio, chumbo, enxofre e sódio – pode apresentar dois tipos de efeito no corpo humano. O primeiro é ser absorvido pelas células do pulmão, provocando um processo inflamatório. A outra consequência vai bem mais além: as substâncias podem atravessar a barreira de células, entrar na corrente sanguínea e provocar uma inflamação geral no corpo, com grandes chances de atingir órgãos específicos como coração e cérebro. "Por serem muito pequenas, essas partículas não são barradas pelas vias aéreas superiores, alcançando as regiões mais profundas do pulmão, os alvéolos", diz a pesquisadora
Paralelamente, outros estudos que têm como foco observar os impactos dos poluentes na gestação e no sistema produtivo estão sendo feitos pelo Inaira. "A literatura científica mostra que a poluição das grandes cidades está relacionada à prematuridade, mortalidade neonatal e pós-neonatal, retardo do crescimento intrauterino e baixo peso ao nascer. Além disso, causa alteração da razão sexual, fazendo com que nasçam mais mulheres do que homens." Outro efeito está ligado à fertilidade. “Também houve nas fêmeas uma redução no número de folículos ovarianos, o que sugere que as gerações seguintes podem sofrer problemas de infertilidade. Nos machos, verificamos alterações na morfologia dos espermatozoides”, conclui a pesquisadora.
Fumaça de motores a diesel leva ao câncer
Pessoas em contato prolongado com motores movidos a diesel têm uma razão a mais para se preocupar com a saúde. Indo muito além da máxima de que o cigarro é a principal causa para o aparecimento de câncer de pulmão, a fumaça emitida pelo escape desses motores foi recentemente apontada como cancerígena pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Tomando como base caminhoneiros, funcionários ferroviários e trabalhadores de alto risco como mineiros, a pesquisa realizada pela Agência Internacional de Pesquisas sobre o Câncer (Iarc) concluiu que a poluição gerada pelo material particulado também pode levar a tumores na bexiga.
Embora o efeito dos motores no organismo sejam menores que o da fumaça de um cigarro, a exposição prolongada a substâncias presentes no óleo diesel, como chumbo, enxofre e outros metais pesados, pode agravar o desenvolvimento da doença no pulmão. Combinados ao hábito do cigarro, as chances de desenvolvimento de câncer são ainda maiores. "A princípio, a exposição prolongada à fumaça do diesel é muito semelhante à influência da fumaça de cigarro, só que num efeito muito menor. No entanto, a exposição prolongada a esses tipos de substâncias pode ser crucial na somatória de outros fatores associados à gênese do câncer. Se o motorista inspira óleo diesel todo dia e ainda fuma, as chances de o câncer atacá-lo são ainda maiores", alerta o oncologista e diretor do Cetus-hospital dia de Betim, na Grande Belo Horizonte, Charles Pádua.
A inalação da fumaça dos motores, explica Pádua, agride continuamente os tecidos que compõem a árvore respiratória do ser humano, levando à mutação das células do organismo. O que, associado ao tabagismo, leva a uma superexposição de fatores de risco. "As células respondem à agressão da fumaça alterando suas formas e funções, tentando-se adequar àquele meio nocivo. Além de diminuir a quantidade de muco e cílios que ajudam a expelir substâncias dos nossos pulmões, ocorrem mutações e as células podem migrar para a formação de células malignas. São anos de exposição que podem levar a um ponto em que o organismo simplesmente falhará e perderá a capacidade de eliminar aquela célula incorreta, formando o câncer", aponta.
Desde que o escape do diesel foi reclassificado pelo IARC do grupo 2A, de provável carcinógeno, para o grupo 1A, que inclui substâncias com associação comprovada à doença, a fumaça se equiparou à mesma categoria que o amianto, o gás mostarda, o gás arsênico, o álcool e o cigarro. A exposição a esses agentes aumenta as chances de desenvolvimento da doença em 40%.