“A função social da avó foi o primeiro passo para que nos tornássemos o que somos hoje”, defende a antropóloga Kristen Hawkes, uma das cientistas que propôs a tese há 15 anos. Em novo estudo publicado nesta semana na revista científica britânica Proceedings of the Royal Society B, Hawkes volta com embasamento numérico para fortalecer a teoria. De acordo com ela, as simulações indicaram que, ao adicionar os cuidados das avós, foram necessários apenas 60 mil anos para que os animais com a expectativa de vida de um chimpanzé conseguissem chegar ao tempo de vida humano atual. Isso, em uma escala evolutiva, é uma mudança extremamente rápida. Para se ter uma ideia da diferença, enquanto fêmeas de chimpanzés sobrevivem mais 15 ou 16 anos após o período fértil (que acontece aos 13), as mulheres em nações desenvolvidas podem viver mais 60 anos após essa etapa, iniciada em torno dos 19.
De acordo com a teoria proposta por Hawkes, historicamente o aumento na expectativa de vida foi possível porque as matriarcas, a partir de um determinado ponto ainda impreciso, começaram a ajudar a alimentar os netos após o desmame. Isso aliviou as mães, que puderam, então, interromper o aleitamento mais cedo e terem mais filhos em intervalos menores. “Esse é um trabalho superbacana, porque faz muito sentido.
Quando os nossos ancestrais ainda viviam na floresta, após o desmame, os bebês encontravam opções de alimento por contra própria, por exemplo. Quando a floresta começa a ficar mais escassa, eles migram para ambientes abertos, onde é mais difícil encontrar alimento”, explica Rosana Tidon, professora do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB). Tidon ressalta que as mães passaram, então, a gastar mais tempo e esforço para alimentar sua prole. Foi nesse momento que as avós surgiram como solução. “Elas estavam por perto, às vezes já tinham passado da idade reprodutiva e começaram a alimentar os netos. Nisso, elas liberaram suas filhas para terem mais filhos.”
Além disso, as fêmeas ancestrais que viraram avós conseguiram passar adiante o patrimônio genético da longevidade para as gerações posteriores, o que contribuiu para que a expectativa de vida da espécie aumentasse. “As duas ganham com isso. A mãe porque fica liberada para outras atividades e a avó porque, ao aumentar a capacidade de vida dos netos, acaba aumentando a sua própria aptidão de repassar as características da longevidade aos descendentes. Nesse sentido, quanto mais netos, melhor será o custo benefício”, pontua Francisco Mendes, professor do departamento de Processos Psicológicos Básicos do Instituto de Psicologia da UnB.
Outras teorias
Apesar de considerar a “hipótese da avó” interessante, a pesquisadora Rosana Tidon Franco ressalta que existem outras teorias para explicar a evolução dos humanos e da longevidade. “Não podemos dizer no momento que a hipótese aqui apresentada é mais importante do que as outras. E essa é a natureza da ciência: não apresentar verdades absolutas, mas, em vez disso, as hipóteses mais prováveis para explicar um determinado conjunto de fatos ou fenômenos”, diz.
Dentre o arcabouço científico para tentar entender o que diferencia o Homo sapiens sapiens dos outros primatas, muitos antropólogos defendem o papel do tamanho do cérebro no aumento da expectativa de vida dos seres humanos. A explicação mais cartesiana e pragmática, entretanto, recebe os contra-argumentos de Hawkes, que apela para a questão afetiva e social. “Ter uma avó por perto nos deu um tipo de educação que nos tornou mais dependentes socialmente e propensos a dedicar atenção ao outro”, defende.
Saindo do universo das teorias, os irmãos Marcela Lobão, 8 anos, e Danilo Scotti, 26, não têm dúvida do carinho e atenção gerados no ambiente familiar em que cresceram: a casa da avó. Quando Danilo tinha apenas 2 anos, ele e a mãe, Márcia Oliveira, hoje com 46, foram morar na casa da avó Maria Irma de Oliveira. “Me separei do meu marido e, como não na época eu ainda tinha independência financeira, tive que voltar para a casa da minha mãe”, conta Márcia. Logo após a separação, ela revela que passou a guarda de seu filho para os pais, pois assim o menino poderia se tornar dependente legal no plano de saúde e gozar de outros benefícios. Quando o primogênito estava com 14 anos, Márcia se mudou para a Bahia a trabalho, mas Danilo continuou na casa da avó.
“Como ele estava em período escolar, a gente tinha combinado que ele iria quando as aulas acabassem. Chegando à Bahia, ele não gostou e quis voltar”, conta Márcia. Por três anos, o menino viveu somente sob os olhos atentos da avó Irma e do avô Joaquim. “Minha avó foi tão importante na minha criação quanto a minha mãe. Eu tenho muito carinho e gratidão por tudo o que meus avós me proporcionaram e me ensinaram”, conta Danilo, hoje independente financeiramente. Quando o menino tinha 17 anos, a mãe voltou para a casa dos pais, em Brasília, ao saber que estava grávida de Marcela. Hoje com 8 anos, a caçula conta que a avó é a sua grande companheira: “Quando eu peço, ela me dá comida, fica comigo no banheiro quando estou com medo de barata e joga charada”. Esperta e comunicativa, Marcela diz que o que mais gosta em sua avó é a sinceridade.
Provedoras da prole
Para além do papel histórico e evolutivo da avó, hoje muitas matriarcas assumem a responsabilidade sobre as contas da família. De acordo com o levantamento do Data Popular, em 2010, o total dos rendimentos de mulheres acima de 60 anos atingiu o montante de R$ 172,53 bilhões. Aliado a isso, o censo realizado pelo IBGE mostrou que, no mesmo ano, 20% das famílias brasileiras declararam que os responsáveis pelo lar eram pessoas com mais de 60. De acordo com o estudo, o termo responsável pode ser empregado para expressar diversas situações, como o principal provedor da família, a pessoa que toma as decisões mais importantes ou aquele com mais idade.
Helena Beatriz Martins, 71 anos, é um exemplo das novas “chefes de família”. Aposentada, ela ajuda a filha Paula Beatriz Martins, 29, nas despesas e nos cuidados com João Marcelo, 7. Desde que se separou do marido, há três anos, Paula voltou para casa da mãe, onde consegue respirar mais aliviada, já que os gastos da casa ficam por conta de Helena. “Combustível e energia a gente racha, fico o tempo todo atrás para apagar a luz”, brinca a matriarca.
Para Paula, criar um filho sozinha envolve muitos desafios. “Quando me divorciei, tive que começar do zero. Tive que enfrentar não só as despesas, mas a dificuldade na atenção. Eu vou trabalhar e deixo o João com quem?”, desabafa. Hoje com uma situação mais tranquila, ela acredita que em pouco tempo conseguirá atingir a estabilidade financeira novamente. “Só vou ficar na casa da mamãe se ela quiser”, brinca.
De acordo com André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o cenário em que o filho volta a morar com os pais depois de mais velho acontece quando a economia está desaquecida. “Se o mercado de trabalho está bom, é difícil ver essa situação. Agora, quando existe uma crise, pouca oferta de emprego ou baixa remuneração, muitas vezes o filho volta para a casa dos pais para evitar gastos”, avalia.
Apesar dos gastos e da segunda rodada de cuidados — afinal, “ser avó é ser mãe duas vezes”—, Helena conta que tudo o que faz pela família é com muito amor. “Todos os meus gastos são prazerosos, porque são para meu neto e minha filha. Para mim, não existe essa coisa do meu dinheiro. Poder ajudar meu neto é uma sensação muito boa. É a sensação de um filho seu que está continuando, é um amor que continua”, ensina.