Inicialmente, os pesquisadores utilizaram os anticorpos do lúpus para fornecer proteínas que protegeriam as células saudáveis da radiação ionizante usada para combater tumores. No entanto, um interessante e inesperado fenômeno foi descoberto enquanto esses procedimentos eram conduzidos. A equipe notou que um anticorpo chamado 3E10 conseguiu, sozinho, tornar as células de tumores ovarianos mais suscetíveis ao tratamento com radiação.
Como ele faz isso? Para entender o processo, é preciso antes compreender como funcionam as células saudáveis do organismo. Elas têm a capacidade de reparar danos causados ao DNA. Por exemplo, quando a pessoa fuma, absorve a fumaça dos carros ou ingere bebida alcoólica, alguns danos são causados diretamente ao material genético. Como consequência, as células do organismo interrompem esse processo destrutivo e promovem a recuperação do DNA lesado. Assim que reparadas, as células retornam ao seu ciclo normal de funcionamento. Algumas afetadas pelo câncer, por outro lado, têm um mecanismo que inibe esse processo de “conserto”. Dessa forma, elas continuam a se reproduzir, garantindo uma sobrevida, já que estão protegidas da ação de defesa do corpo.
O 3E10 consegue reverter essa ação das células de câncer. O anticorpo inibe o bloqueio feito por elas e facilita uma retomada dos mecanismos normais de reparação celular. Para entender o funcionamento dessa inibição, os pesquisadores identificaram e isolaram o 3E10, estudando sua ação tanto em um meio controlado, no laboratório, como em cobaias (veja infografia acima). Ao penetrar nas células, ele adere ao DNA e bagunça o sistema de reparação das fitas de material genético feito pelas células cancerígenas. Com isso, elas ficam mais suscetíveis a ações de defesa, não só do sistema imunológico natural, mas também de terapias como radiação e quimioterápicos.
Aplicação
A ação desses anticorpos é particularmente mais efetiva em tumores que têm a via de bloqueio para reparação de DNA como uma de suas principais armas. É o caso de alguns tipos de câncer de próstata, mama e ovários. “Em tumores de mama, como o BRCA1 e o BRCA2, vemos muito essa característica, e de forma latente. Entretanto, eles correspondem a uma pequena parcela de incidência, cerca de 5% a 10% dos tumores de mama. A aplicabilidade, portanto, não é tão fácil, mas é interessante para confirmar que essa via de regeneração é importante para imaginar, futuramente, uma via importante para o tratamento”, afirma o oncologista Anderson Silvestrini, do Hospital Santa Luzia.
Essas propriedades do anticorpo 3E10 podem explicar resultados encontrados em pesquisas anteriores que mostraram uma incidência menor desses tipos de tumor em pacientes com o lúpus. Hansen lembra os dados relatados pela reumatologista canadense Sasha Bernatsky, no ano passado. Dois artigos publicados por ela trouxeram à tona mais um fator até então desconhecido sobre pacientes com lúpus. Informações coletadas em grandes estudos epidemiológicos descreveram uma menor frequência de câncer de próstata, mama e ovários em pacientes com a doença autoimune em comparação à população geral. “Muitos anticorpos do lúpus são tóxicos. Porém, o raro 3E10, além de ser altamente penetrante e atuar no DNA das células, não é perigoso aos tecidos”, reforça Hansen.
O líder do grupo de pesquisa alerta que ainda é necessário maior investigação para identificar outros caminhos que tornam as células tumorais sensíveis ao 3E10 e analisar a farmacocinética e outras características do presente tratamento. “Esse anticorpo tem grande potencial para o desenvolvimento de terapias contra cânceres que atuam na deficiência de reparação do DNA saudável, seja como um agente isolado ou associado a uma terapia de danificação de DNA, para destruição da célula cancerígena”, conclui Hansen. Como forma de ressaltar os efeitos benéficos do anticorpo em organismos saudáveis, ele cita ainda um estudo clínico de fase I conduzido pela Food and Drug Administration (FDA), órgão de vigilância sanitária dos EUA. Os testes foram positivos para a utilização do 3E10 como uma vacina.
Proteína ameniza sintomas
Na procura de pistas para entender o desenvolvimento do lúpus nos pacientes, outro artigo publicado na Science Translational Medicine sugere que a ausência de uma proteína chamada NADPH oxidase pode tornar a doença mais agressiva. Um grupo de pesquisadores, também da Escola de Medicina de Yale, descobriu que camundongos sem a capacidade de produzir essa proteína têm os sintomas do mal agravados. Ao contrário do que era conhecido até então, os resultados sugerem que a NADPH oxidase pode diminuir os sintomas do lúpus, que variam de uma pessoa para outra tanto em característica quanto em intensidade de manifestação.
Para chegar a essa conclusão, o grupo liderado por Allison Campbell partiu da crença da maioria dos estudiosos de que a morte de glóbulos brancos chamados neutrófilos, por meio de um mecanismo conhecido como NETosis, seria a provável fonte estimulante do sistema imunitário no lúpus. Os pesquisadores criaram camundongos propensos à doença, nos quais os neutrófilos não podem morrer por NETosis, pois faltaria a eles a NADPH oxidase. Diferentemente do esperado, não só os animais desenvolveram a doença, como essa evoluiu para formas mais graves. Os autores suspeitam que, sem a proteína, os neutrófilos morrem de uma forma que inflama o sistema imunitário e torna o lúpus pior.