Ao longo da história, a natureza ditou o ritmo de convivência do ser humano com o meio ambiente. Nessa lógica, o natural sempre foi levantar-se com os primeiros raios de sol e recolher-se com a escuridão. Mas hoje a noite ganha claridade apenas com o apertar de um botão e impulsiona o ser humano a se manter ativo madrugada a dentro trabalhando ou em frente aos computadores postando fotos e mensagens para os conhecidos. No entanto, de acordo com um estudo conduzido pelo biólogo Samer Hattar, da Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, quando a exposição anormal à luz vira rotineira, há um risco maior de desenvolvimento de quadros de depressão e de falhas cognitivas. A pesquisa, realizada com camundongos, foi publicada na edição de hoje da revista científica Nature.
Apesar de os experimentos terem sido feitos somente em animais, os pesquisadores buscam as mesmas relações para os humanos que vivem em locais onde o inverno é marcado por noites muito longas e dias curtos, que trabalham por turnos, que viajam frequentemente para locais com fuso horário distinto e que permanecem muito tempo expostos a luzes artificiais durante a noite. A fim de relacionar a influência direta da exposição à luz irregular sobre o humor e a capacidade de aprendizado, Hattar e sua equipe submeteram, por duas semanas, os camundongos a um ciclo composto por 3,5 horas de luz seguido de um com 3,5 horas de escuro. A partir da análise do comportamento dos ratos e de alterações no nível de substâncias moleculares, eles constataram um quadro depressivo nas cobaias, que, foi tratado com sucesso após a administração de conhecidos fármacos antidepressivos: a fluoxetina e a desipramina.
“O que esse estudo mostrou é que a luz anômala pode influenciar diretamente na depressão independentemente de alterações de sono ou distúrbios circadianos. Antes não se sabia que a luz podia afetar diretamente a depressão”, explica Samer Hattar, autor do estudo. O ponto ressaltado por ele é um dos grandes destaques da tese. Anteriormente, acreditava-se que a exposição irregular à luz causava alterações no ciclo circadiano, que, de forma simplificada, se refere ao funcionamento do relógio biológico a partir da exposição à luz solar. Nesse contexto, os distúrbios do sono seriam bastante comuns. O desenvolvimento da depressão, portanto, estaria mais ligado à essa bagunça no organismo. O estudo detectou o problema, no entanto, mesmo sem alterações no sistema circadiano.
“Os pesquisadores pegaram a luz anômala que já era conhecida de outros autores e conseguiram criar um modelo em que ela não afetasse a arquitetura do sono. Ao medir a temperatura dos ratos, que se altera durante o ciclo sono/vigília, eles também observaram que o ritmo circadiano não foi interrompido”, avalia Eliana Melhado, membro da Academia Brasileira de Neurologia. De acordo com a especialista, a exclusão desses fatores torna os resultados mais precisos porque retira os itens que sabidamente influenciam os transtornos do humor, como é o caso das alterações do sono.
Hormônios elevados Além dos efeitos do ciclo de luz anormal sobre o ritmo circadiano dos ratos, os pesquisadores analisaram o comportamento e mensuraram os níveis de corticosterona no cérebro das cobaias. Os resultados mostraram que tal exposição anômala manteve alto o nível do hormônio, o que foi relacionado ao comportamento depressivo e a problemas de aprendizado. Depois dos testes, os animais passaram a não escolher os locais de permanência e não mostravam preferência para objetos que, antes da exposição à luz anômala, escolhiam com rapidez.
Com relação aos resultados apresentados pela pesquisa, um dos pontos que mais chamou atenção do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB)Raphael Boechat foi a melhora dos sintomas nos ratos após a administração dos antidepressivos. “Com isso, os pesquisadores conseguiram ressaltar que a alteração no padrão de luz, por si só, gera depressão. É por isso que ela melhora com os antidepressivos. Se fosse um estresse transitório, isso não aconteceria”, pontua. O estudo mostrou que o uso da fluoxetina em roedores restaurou o nível de corticosterona, reduzindo-o a um padrão mais próximo ao normal.
Em humanos Devido ao estilo de vida adotado hoje, em que grande parte das pessoas trabalha em ambientes fechados e quase não olha para a luz natural, a especialista em distúrbios do sono Ângela Beatriz Lana acredita ser possível aplicar os resultados encontrados nos roedores em humanos. “Já temos resultados positivos de terapias com luz entre 9h e 18h para aliviar os sintomas de depressão sazonal. Um estudo com idosos mostrou melhoras na capacidade de aprendizado, na cognição, além de aumentar o tempo do sono entre eles”, diz. De qualquer forma, a médica avalia ser necessário a todas as pessoas se expor à luz do sol em algum momento do dia. “Na hora que acordar, busque olhar para o azul bonito do céu. A noite, imponha um limite e reduza os níveis de luz”, recomenda.
De acordo com Samer Hattar, autor do estudo, os seres humanos têm as mesmas células que mediam os efeitos da luz sobre o humor e a aprendizagem em ratos. “Eu acho que nós poderíamos, com cautela, dizer que os seres humanos, da mesma forma que os ratos, serão afetados diretamente pela luz”, diz. Ao estender os resultados encontrados nos roedores para os humanos, o biólogo diz que a principal lição tirada do estudo é a retomada dos conselhos dados há tempos pelos avós. “Procure receber a luz do sol durante o dia e evite a luz brilhante durante a noite. É tão simples assim”, garante.