Jornal Estado de Minas

Estudo aponta influência genética na homossexualidade

Brasília – “João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém”. São os versos de Carlos Drummond de Andrade. Acontece que, às vezes, quem ama Raimundo é João. E Teresa é quem ama Maria. Lili, que não amava ninguém, pode amar a todos. A sexualidade humana é tão complexa e cheia de nuanças que entendê-la ainda é um desafio para pesquisadores tanto do corpo quanto da mente. Uma pesquisa da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, nos Estados Unidos, traz novas pistas de por que não são todas as pessoas que, como no poema de Drummond, sentem atração pelo sexo oposto.

Segundo o estudo, divulgado esta semana, a forma como um gene responsável pela sensibilidade à testosterona se manifesta pode influenciar a atração por pessoas do mesmo sexo. Os pesquisadores lembram, no entanto, que essa seria apenas uma das variáveis na complexa equação da sexualidade humana, que, acredita-se, inclui fatores ambientais, psicológicos e sociais.

Utilizando dados de estudos anteriores sobre a epigenética – ramo da genética dedicada à forma como os genes se manifestam ou deixam de se manifestar –, o grupo chegou a um modelo segundo o qual epimarcas específicas do controle da testosterona, o principal hormônio masculino, podem se comportar de maneira diferente em heterossexuais e homossexuais.

O mecanismo seria uma espécie de chave de liga/desliga que tornaria uma pessoa mais ou menos sensível à ação do hormônio.
Esse processo ocorreria ainda no desenvolvimento embrionário. Um feto masculino com um marcador que o tornaria menos sensível à testosterona teria mais chances de se tornar um adulto gay. Por outro lado, um feto feminino com mais sensibilidade ao hormônio apresentaria maior tendência a ser lésbica.

Segundo Sergey Gavrilets, do Instituto Nacional de Matemática e Síntese Biológica (NIMBioS), nos Estados Unidos, o processo não poderia ser parado ou alterado. “A epigenética é uma parte do desenvolvimento normal. Muitos genes estão ligados ou desligados por mecanismos epigenéticos”, conta. Assim, segundo ele, a pesquisa traz um argumento contrário a quem defende qualquer tipo de “cura gay”. “O trabalho mostra que a homossexualidade tem uma explicação biológica natural.
Os fatores epigenéticos que estudamos atuam no início do desenvolvimento, ainda no útero. Eles agem no controle de apenas uma parte das questões que envolvem a variação das orientações sexuais”, completa o coautor do estudo, publicado no periódico The Quarterly Review of Biology.

Modelo teórico O professor do Departamento de Genética e Morfologia da Universidade de Brasília (UnB) Marcio Poças explica que todas as características do ser humano, mesmo as psicológicas, possivelmente apresentam algum viés epigenético. “É importante ressaltar que não existem características determinadas apenas pela genética, nem apenas pelo meio ambiente. Tudo depende de uma interação entre os dois fatores”, afirma o especialista. Por essa razão, com a tecnologia atual, ainda não é possível validar o modelo proposto no estudo. “A pesquisa não fala em momento algum em intervenção na orientação sexual ou qualquer coisa do gênero, mesmo porque a sexualidade é uma característica complexa, que envolve aspectos biológicos, ambientais e culturais. Os autores têm ainda o cuidado de não inferir nenhum juízo de valor, determinístico ou preconceituoso”, diz.

O professor Poças lembra ainda que o estudo é teórico e que pode não se confirmar em outros tipos de pesquisa. “Os autores usaram dados de alguns estudos genéticos clássicos – como os realizados com gêmeos monozigóticos, que mesmo assim são controversos, de experimentos com camundongos e com células-tronco humanas em cultura”, explica.
O especialista da UnB acredita que um panorama sobre a questão poderá ser apresentado apenas com abordagens que envolvam outros aspectos ligados à sexualidade. “Embora seja um estudo benfeito, publicado em um periódico com um fator de impacto considerável, ele não aborda questões cruciais quanto à diversidade de gênero, como os aspectos sociais e psicológicos”, observa.

A grande dificuldade desse tipo de pesquisa é que ela envolve tanto questões biológicas, que são palpáveis e passíveis de análise concreta, quanto aspectos mais subjetivos, de difícil determinação, mas que nem por isso são menos importantes. “Os exemplos que o estudo relata de questões que também poderiam ser explicadas pelo modelo proposto são de características estritamente físicas, nas quais aspectos socioculturais parecem não influenciar”, reitera o cientista. “O modelo proposto poderá, no futuro, contribuir para a compreensão das bases biológicas da sexualidade humana, independentemente de sua orientação.”.