O mecanismo básico da inflamação aguda não é um mistério. Quando há um ferimento ou um trauma, o corpo precisa reagir. Ao sinal de uma lesão, o organismo se mobiliza tanto para expulsar os agentes patógenos, no caso de infecções, como para recuperar e proteger os tecidos atingidos. Em questão de segundos, as veias se dilatam e o fluxo sanguíneo aumenta, irrigando a região machucada. Os capilares tornam-se mais permeáveis para permitir que o plasma e as células de defesa e coagulação cheguem até o local. Elementos como plaquetas, neutrófilos e macrófagos começam a trabalhar para restaurar os tecidos lesionados e expulsar os corpos estranhos. Assim que o objetivo é atingido, a tendência é que tudo volte ao normal.
Quando a inflamação é crônica, porém, a situação é bastante diferente: a mobilização das células não cessa jamais e, em vez de recuperar a lesão, as estruturas de proteção acabam destruindo os tecidos. Alguns fatores externos estão relacionados ao processo, como ingestão frequente de alimentos gordurosos e inalação das substâncias tóxicas do cigarro, que são substâncias irritantes. Muitas, vezes, porém, não se sabe o porquê de a mobilização das células perdurar, e não se conhece sequer o motivo pelo qual elas foram acionadas. Para complicar ainda mais, dentro do próprio quadro crônico, o processo inflamatório pode ser completamente diverso, dificultando as tentativas de ter um remédio que não só alivie os sintomas, mas, de fato, signifique a cura.
Nas doenças autoimunes, por exemplo, sabe-se que o organismo trava uma luta interna por identificar como viram agentes estranhos substâncias que o corpo produz. Em outras situações, a inflamação pode ser causada por um defeito na regulação desse mecanismo, geralmente devido a um erro genético. Há, ainda, uma terceira classe de doenças crônicas que não se devem nem ao processo autoimune nem a um problema regulatório. E existem outras que estão associadas ao envelhecimento, como o Alzheimer, e ainda constituem um mistério para a medicina. “Se não sabemos o que estimula a inflamação, não temos como eliminá-la. Precisamos conhecer com profundidade os padrões da inflamação crônica. É o que fornecerá a esperança de encontrar novas opções terapêuticas que superem os desafios associados a esse problema”, acredita Christopher K. Glass, pesquisador da Universidade da Califórnia em San Diego e coautor de um dos artigos da Science.
De acordo com Ira Tabas, há avanços promissores em alguns casos, como o das síndromes periódicas associadas à cioprina, grupo de doenças inflamatórias causadas por uma mutação genética já identificada. Para alguns males autoimunes, incluindo a artrite reumatoide, existem remédios que podem aliviar os sintomas dos pacientes, especialmente a dor. “Ainda assim, os tratamentos disponíveis atualmente não são ideais. A resposta benéfica é variável, particularmente quando a terapia anti-inflamatória começa depois de a doença se estabilizar. Longos períodos de remissão não são comuns e os efeitos adversos podem ser substanciais”, diz Tabas. Ele explica que esses problemas são ainda mais pronunciados quando a inflamação não está associada à autoimunidade.
Ao se descobrir uma droga potencialmente promissora, as dúvidas dos cientistas são muitas. “Será que esses avanços poderão ser aplicados para todos os tipos de doenças crônicas nas quais a inflamação é uma importante força impulsora?”, questiona Christopher K. Glass. Além disso, ele lembra que esse mecanismo é orquestrado por muitas moléculas, e focar apenas uma pode não ser o suficiente.
Efeitos também no coração
O pesquisador do Centro de Sistemas Biológicos do Hospital Geral de Massachusetts e professor da Universidade de Harvard Filip K. Swirski concorda que as terapias-alvo que visam os diversos tipos de inflamação crônica demandam muito tempo de pesquisa pela frente. Mas ele acredita que a ciência está no caminho certo, com descobertas importantes nas últimas décadas que, para ele, poderão se traduzir em ganhos clínicos no futuro. Autor de um dos artigos do especial da Science, o médico destaca uma pesquisa da qual participou recentemente em que foi feita a associação entre inflamação crônica e o risco de ataque cardíaco.
Swirski explica que um dos principais componentes dos problemas cardíacos é a arterosclerose, um processo inflamatório crônico que provoca lesões na parede das artérias e pode culminar em infarto do miocárdio. Como em um efeito cascata, a ocorrência de um primeiro ataque cardíaco aumenta o risco de um segundo episódio que, muitas vezes, é letal. “A resposta imunológica ao infarto pode acelerar a trajetória da doença cardíaca, aumentando o tamanho e o grau de inflamação das placas arteroscleróticas”, diz.
Para o cientista, primeiro é preciso entender completamente como o sistema de defesa do organismo está envolvido no processo de inflamação cardíaca. Uma pesquisa conduzida por ele no ano passado mostrou que os leucócitos — células brancas do sangue — agem com os lipídios (gordura) na formação de lesões coronarianas. “Ainda não existem drogas que tratem as doenças cardiovasculares tendo os leucócitos como alvo porque a biologia dessa célula ainda é um tanto enigmática, mas essa é uma abordagem possível no futuro”, afirma. (PO)
Ação da insulina
Doença autoimune com um forte componente inflamatório, o diabetes está relacionado com a fabricação ou o funcionamento da insulina, um hormônio sintetizado no pâncreas. Ainda não há cura para o mal, que é apenas controlado. Um estudo publicado na revista Nature, contudo, traz a esperança de que os tratamentos se tornem mais eficazes. Com um acelerador de partículas, os pesquisadores conseguiram obter um modelo do hormônio no momento em que se fixa ao seu receptor. De acordo com eles, o trabalho vai ajudar a conhecer melhor o funcionamento da insulina, substância que retém o açúcar do sangue para metabolizá-lo e transformá-lo em energia.
“Mostramos que a insulina e seu receptor se modificam graças a uma interação. Um fragmento da insulina se desloca e as partes fundamentais do receptor vão ao encontro do hormônio. Isso pode ser chamado de ‘um aperto de mãos molecular’”, afirmou Mike Lawrence, professor do Instituto Walter and Eliza Hall de Melbourne, na Austrália.
Somente o tipo 2 da doença afeta 300 milhões de pessoas em todo o mundo, o que faz com que seja considerada uma epidemia. “Nós ainda não temos um tratamento para o diabetes, mas descobertas como a da fixação da insulina nos dão esperança de estarmos mais próximos disso”, comemorou Nicola Stokes, integrante do Conselho Australiano de Diabetes.