Todo o trabalho de pesquisa, desenvolvido há sete anos, baseou-se na propriedade e estrutura presentes em vários organismos da natureza que usam a tração e a compressão de forma combinada para proporcionar estabilidade. “O que tem de muito atual é que antes a visão da anatomia era fragmentada, e agora comprova-se que tudo é interconectado”, destaca o professor Thales Rezende de Souza, do Laboratório de Análise de Movimentos do Departamento de Fisioterapia da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, que enfatiza o impacto da descoberta sobre a comunidade científica: “É um divisor de águas. Antes visto segmentado, agora é preciso ver o corpo na forma de redistribuição de tensão”. Ou seja, a forma como o corpo é organizado: “Existe conexão do ombro de um lado com o quadril do outro lado do corpo. E se antes os tecidos eram frouxos (moles), sabe-se agora que são pré-tensionados”.
A partir desse princípio, criou-se a veste que vai funcionar como o corpo humano. No processo de feitura da roupa, é importante destacar o desenvolvimento do movimento que imita a vida, criado a partir da organização de elásticos que atuam no modo de compressão e tração. Essa etapa da pesquisa contou com o trabalho dos professores Roberto Fernando de Souza Freitas, Maria Elisa Scarpelli Ribeiro e Silva e Ricardo Geraldo de Sousa, do Laboratório de Ciência e Tecnologia e Polímeros do Departamento de Engenharia Química, também da UFMG. “Somos responsáveis pelo desenvolvimento do elástico em relação à tensão e à deformação. Tínhamos dois caminhos: o primeiro era trabalhar com materiais já existentes; o segundo, a partir do desenvolvimento do polímero para a síntese do material, que é o que está sendo feito no laboratório”, diz Roberto Freitas.
Doutor em ciências da reabilitação pela UFMG, Thales Souza enfatiza que já foram feitos vários testes com o protótipo e o próximo passo da equipe é desenvolver os materiais e os elásticos. Roberto Freitas explica: “O grande desafio é produzir o material que esteja o mais próximo possível do funcionamento do corpo humano, que é o princípio da tensegridade”. E Thales completa: “Temos testes e resultados positivos importantes com a melhora da postura e do movimento que precisam imitar os tecidos do corpo humano. Ao pensar em profissionais como dentistas e quem trabalha diariamente com computador houve melhora na postura curvada e a alteração do elástico no quadril melhorou o movimento do joelho, o que pode prevenir lesão de ligamento cruzado anterior”.
Com funções distintas e efeitos benéficos, se pensada sob a ótica do uso terapêutico, a veste vai servir para as mais diversas doenças. Desde a área neurológica, como a paralisia cerebral, até o acidente vascular cerebral (derrame) e os problemas ortopédicos. Se a necessidade for para prática esportiva, a roupa contribuirá para melhorar o desempenho de atletas, seja no treinamento ou na performance oficial do futebol e de qualquer outra modalidade, já que pode otimizar o que o corpo ou o sistema muscoesquelético fazem. O professor Thales lembra que a veste assume o papel de “prevenir lesões causadas pela sobrecarga no sistema, já que ela redistribui a tensão fazendo com que a energia nunca acumule num mesmo grupo muscular ou de articulações. O impacto local será minimizado”, explica.
Teste em voluntários se mostra positivo
No caso da postura de protusão excessiva de ombros, relacionada com várias dores ortopédicas, o professor Thales Rezende de Souza diz que o uso da veste ajustada vai reduzi-la significativamente. “O resultado mpositivo que temos verificado com a veste, prevenindo lesões e estabilizando o corpo, mostra que ela é capaz de trazer benefícios para a postura corporal”, comenta. Sobre os movimentos, é frequente que fisioterapeutas queiram reduzir a rotação medial do quadril e aumentar a rotação lateral do joelho para prevenir e tratar inúmeras patologias ortopédicas e neurológicas.
O uso da roupa ajustada para promover esses efeitos conseguiu alcançar seus objetivos também de maneira destacada: “Fizemos as medições enquanto os voluntários faziam agachamentos. E o resultado mostra que a veste gera benefícios para o movimento corporal, e ainda confirma que ela atua em várias partes e articulações do corpo simultaneamente”.
CUSTO A previsão é de a veste estar disponível no mercado em um ano, principalmente por visar as duas grandes competições esportivas sediadas pelo Brasil. Pedro Guatimosim Vidigal, vice-diretor da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), conta que a UFMG trabalha nos últimos anos preocupada em levar a tecnologia desenvolvida nos laboratórios de pesquisa para a sociedade: “Habitualmente, isso é feito por meio do licenciamento, ou seja, licencia para a empresa que vai explorar comercialmente. E esse processo do contato com o mercado é feito por meio da CTIT”.
Para o mercado, a veste homem-aranha vai se tornar um investimento vantajoso. Primeiro porque a roupa terapêutica tem demanda significativa nacional e internacionalmente. Existe, inclusive, a ideia de que ela chegue ao Sistema Único de Saúde (SUS) e possa ser emprestada ao paciente, fora da clínica, para um retorno ainda melhor.
No uso esportivo, pode se tornar aliada do atleta de grande rendimento. Quanto ao custo, vale destacar que a veste nacional com melhora significativa de resultado será mais barata e com maior valor agregado. Existe um modelo americano com preço de R$ 8 mil.