Marcela Ulhoa
Os dois genes já eram conhecidos por aumentar o risco de desenvolvimento de câncer de mama e de ovário. Entretanto, essa é a primeira vez que é estudada a relação deles com a idade da última menstruação. “Isso pode adicionar importantes implicações psicológicas para quem é portadora de BRCA1/2, e terá um impacto significativo na tomada de decisão sobre a saúde reprodutiva”, avalia o autor principal do estudo, Mitchell Rosen. Como a menopausa representa o fim da fertilidade natural da mulher, a pesquisa ressalta que a antecipação da data acaba por implicar em um período fértil mais curto. Nesse caso, as mulheres com os genes modificados, se quiserem ser mães, são aconselhadas a não atrasarem demais a gravidez.
A fim de traçar o impacto genético na ovulação feminina, os cientistas pesquisaram, no banco de registro de câncer da Universidade da Califórnia, mulheres portadoras de mutações nos genes BRCA 1/2. Além das mais de 400 pessoas escolhidas a partir desse registro, participaram do estudo 765 mulheres saudáveis e da mesma região geográfica. O período de menopausa desses dois grupos foi comparado. Levou-se em consideração na análise se as mulheres eram fumantes e quantos cigarros consumiam por dia.
Os resultados mostraram que, enquanto as mulheres que não apresentavam a mutação entraram na menopausa em média aos 53 anos, aquelas portadoras do gene modificado pararam de menstruar aos 50 anos. Além disso, as voluntárias com a alteração genética que fumavam mais de 20 cigarros por dia entraram na menopausa ainda mais cedo: com 46 anos. O tabagismo, segundo a pesquisa, cataliza o efeito porque provoca vários impactos no organismo, como a alteração do ciclo menstrual e a desregulação do estrogênio.
Apesar de uma diferença de três anos parecer pequena ou mesmo pouco alarmante, Jesus Paula Carvalho, chefe da ginecologia oncológica do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), pondera que essa é uma diferença que mostra que as mulheres com a mutação têm, ao longo da vida, um ovário que funciona menos. “Intuitivamente, faz sentido, porque é um ovário doente que vai parar de funcionar antes. A menopausa é o evento final, mas a mulher, desde os 30 anos, vai perdendo um pouco a função ovariana. É de se esperar que, se o ovário acaba a função antes, ele deve, ao longo da vida reprodutiva, ter tido uma função também diminuída”, analisa.
Nova orientação O ginecologista oncológico explica que a recomendação atual é para que as mulheres com mutação nos genes BRCA 1 e 2 tenham os filhos até 35 anos e, depois, retirem os ovários como medida de precaução, diminuindo, assim, o risco de morte por câncer de ovário. “Talvez, a partir desse novo estudo, nós tenhamos que acrescentar na informação que, aos 35 anos, elas podem ter risco de desenvolver um câncer, mas que, antes disso, é provável que a fertilidade esteja diminuída e, com isso, tenham menos chance de engravidar”, explica o médico.
De acordo com ele, as mulheres com mutação nesses dois genes podem ter de 20% a 50% de chance de ter câncer de ovário. Esse tipo de tumor é quase sempre fatal, já que a sobrevida dificilmente passa de cinco anos. É por isso que o protocolo usual é a retirada do ovário antes mesmo de o tumor aparecer, o que, sendo Carvalho, pode acontecer antes mesmo da mulher ter tido o primeiro filho. “A perda da fertilidade tem muitas implicações: a frustração de uma mulher que não pode ser mãe; e a menopausa precoce, que pode trazer outros problemas como a osteoporose. Mas a contrapartida disso é a morte. O câncer de ovário é quase que uma sentença de fim da vida.”
Baixa prevalência O exame para diagnosticar mutações nos genes BRCA 1/2 é bem específico e só é solicitado às mulheres com alto risco de desenvolver câncer ou quando alguém da família já fez o teste e comprovou ser portador do gene modificado. Luciano Pompei, presidente da Comissão Nacional Especializada em Climatério da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), explica que o motivo para o exame ser tão seletivo é o seu alto custo e a baixa prevalência da mutação entre as mulheres, que chega a aproximadamente 1% da população mundial.
A fim de identificar as mutações, é realizada uma coleta de sangue, seguida de um sequenciamento genético para análise de diversos genes oncogênicos, dentre eles, o BRCA. “Quando identificamos um dos genes relacionado ao câncer de mama e ovário nas descendentes da paciente, a gente já não pesquisa todos, vamos direto no que tem mutação”, detalha Pompei. Os genes BRCA estão presentes em todas as pessoas. Em células normais, eles ajudam na verificação do DNA e evitam o crescimento celular descontrolado. “O DNA presente no interior das células codifica todos os genes. Quando uma célula se multiplica, o DNA também é duplicado. Nesse processo, existe um mecanismo interno para verificar se teve alguma falha. Mas se o gene está mutado, tem uma falha nessa verificação e podem surgir células com genes alterados”, explica o ginecologista.
De acordo com ele, esse mecanismo pode explicar também porque o ovário da mulher com BRCA 1/2 começa a parar de funcionar precocemente. Apesar de não existirem terapias genéticas disponíveis para solucionar o problema, o médico afirma que as mulheres com os genes modificados podem desempenhar o papel de mãe e viver sem os traumas de uma câncer ao realizar um acompanhamento médico adequado. Além disso, ele alerta que, nesses casos, o tabagismo tem efeitos ainda piores do que para o resto da população, devendo ser totalmente evitado.