Jornal Estado de Minas

Robôs quebram as barreiras do autismo

Experimentos comprovam que crianças portadoras do distúrbio interagem melhor com as máquinas do que com os terapeutas. Os amigos de lata despontam como ferramenta estratégica para reduzir principalmente a ansiedade dos pequenos

Roberta Machado

Amplie e veja como foi feito o experimento - Foto: Robôs são fascinantes. Ao andar, realizar tarefas e até mesmo falar, essas máquinas convidam qualquer um a parar e observar a tecnologia em movimento. Esse interesse natural pelos humanoides eletrônicos é explorado na ficção científica, em brinquedos e em eletrodomésticos, mas ainda há outras fronteiras que podem ser atravessadas pelos homens de lata. Trata-se do relacionamento com pessoas que têm dificuldade de interagir com outros humanos, mas que podem se abrir para um amigo mecânico: novas pesquisas reforçam a tese de que os robôs são mais atraentes para as crianças autistas do que os adultos. Além de divertida, a ferramenta robótica pode facilitar o trabalho de terapeutas e acelerar os efeitos do complicado tratamento do transtorno do espectro autista (TEA).
Sabendo do interesse dos pequenos pelas figuras robóticas, os pesquisadores do Instituto de Pesquisa e Tratamento para Distúrbios do Espectro Autista (Triad, na sigla em inglês) decidiram colocar o talento das máquinas à prova. Um grupo de 12 crianças de 3 a 5 anos foi submetido a uma série de exercícios de atenção em uma sala com televisores que exibiam desenhos animados. Metade delas era diagnosticada com TEA, enquanto os outros participantes apresentavam um desenvolvimento comum. A técnica foi chamada de arquitetura adaptável mediada por robôs.
Em uma parte do teste, as crianças obedeciam aos comandos de adultos, que apontavam animadamente para os vídeos e chamavam os pequenos voluntários a olhar e fazer o mesmo. Nessa fase, os pacientes com autismo tinham dificuldade de interagir com os instrutores e não seguiam às instruções tão bem quanto os coleguinhas. Os resultados foram medidos por uma série de câmeras espalhadas pela sala, que detectavam a direção do olhar das crianças de acordo com o posicionamento de um conjunto de lâmpadas infravermelhas presas ao boné que elas usavam.
Mas tudo mudou quando os terapeutas saíram de cena e os robôs passaram a dar as ordens. Bastava o pequeno humanoide chamar o nome da criança para que ela olhasse interessada para a máquina. Reação percebida, por exemplo, em Aiden, uma criança de 3 anos que participou do estudo. O novo professor conseguiu atrair a atenção tanto das crianças com aprendizado regular quanto das diagnosticadas com o distúrbio. Mas a diferença de comportamento entre os pacientes com o autismo foi tão grande que eles praticamente se nivelaram com o outro grupo em termos de atenção. “Demonstramos que, se as crianças estão mais interessadas no robô do que na terapia humana, então o robô pode ser capaz de usar essa relação para atividades benéficas”, conclui Nilanjan Sarkar, professor de Engenharia Mecânica da Universidade de Vanderbilt e um dos autores do experimento.

Aiden, de 3 anos, foi uma das crianças autistas participantes do estudo: interação com a máquina chamou a atenção dos pesquisadores - Foto: JOE HOWELL/VANDERBILT UNIVERSITY/DVULGAÇÃOAdaptações

O novo colega das crianças que participaram do estudo é o robozinho NAO, um modelo de 58cm desenvolvido na França. Com mãos de três dedos e pernas articuladas, a máquina mais lembra um simpático personagem de desenho animado. Mas o design gracioso esconde uma avançada tecnologia. São duas câmeras, quatro microfones, sonar e uma rede de sensores táteis e de pressão. Ele também tem luzes de LED e um sintetizador de voz, que transmite gravações em uma voz eletrônica por meio dos sensores localizados na lateral da cabeça.
O robô foi adaptado para o estudo, “aprendendo” os movimentos necessários e ganhando voz por meio de gravações. O mesmo modelo de máquina é usado em mais de 40 instituições para estudos sobre a interação entre homem e máquina, muitos deles focados no espectro autista e em crianças. “Dá para ver que a criança dá atenção para o robô, e isso possibilita que se trabalhe com o aprendizado de conceitos ligados à escola e à vida. Isso vale para qualquer criança”, aponta Roseli Aparecida Francelin Romero, coordenadora do Laboratório de Aprendizado de Robôs do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC), da Universidade de São Paulo (USP).
O NAO, ressalta a especialista, conta com diversas ferramentas e um software flexível, que pode ser adaptado a diversas tarefas, além de aceitar comandos de voz em inglês e em francês, músicas e diversos comandos básicos pré-instalados. “O segredo é que ele é fácil de programar”, analisa Roseli. A máquina também tem um alto grau de liberdade de movimento e consegue fazer atividades como andar, agachar, ficar apoiada em um só pé e até mesmo jogar futebol.
Com o sucesso da iniciativa, o grupo da Universidade de Vanderbilt deu início a novos projetos com exercícios que trabalham outras dificuldades enfrentadas por crianças autistas, como aprender a imitar, brincar de faz de conta e dividir. As atividades podem parecer brincadeiras, mas, para os pequenos com o transtorno, esses são graves problemas que podem causar sérias limitações na vida infantil e adulta. “A primeira preocupação dos pais com crianças autistas é o atraso de linguagem. A partir disso, elas mostram falta de interesse e não mantêm contato visual nem respondem quando chamadas pelo nome. Outro problema são os movimentos repetitivos, chamados movimentos estereotipados”, descreve Carlos Gadia, pediatra e diretor da ONG Autismo & Realidade.

Interagindo e mãos dadas

Lidar com crianças com autismo exige tato e paciência, pois nem sempre elas estão aptas a seguir ou mesmo entender as atividades propostas. É aí que entram os robôs. O fato de crianças e adolescentes do espectro autista terem dificuldade de interpretar sutilezas sociais, como algumas expressões faciais ou frases que podem ter sentidos múltiplos, faz com que a mecânica das máquinas se torne algo reconfortante para eles. “Quando o terapeuta entra na sala, algumas crianças se escondem e choram. Se colocam um robô na sala, elas brincam com ele. Dão a mão para o robô, brincam, fazem coisas que não fariam com o terapeuta. Isso é um facilitador”, compara Carlos Gadia, pediatra e diretor da ONG Autismo & Realidade.
De acordo com o especialista, a técnica tem sido estudada em diversas instituições há pelo menos uma década.  Conforme o paciente encontra conforto, ameniza a ansiedade e se abre para as atividades, o terapeuta encontra mais espaço para coordenar pessoalmente os exercícios.
Entre as iniciativas que reforçam a proposta da interação está o projeto Robótica-Autismo, de Portugal. Desde 2008, a técnica é estudada pelo grupo formado entre a Universidade do Minho e a Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental. Com a ajuda de diversos modelos de robôs, os pesquisadores criaram atividades que desenvolvem competências sociais que ajudam no aprendizado. Enquanto algumas crianças apresentaram um aprendizado visível, outras mostraram progresso ao manter contato visual com os terapeutas ou somente no tempo de permanência na atividade proposta.
“O impacto do robô nas crianças não é facilmente comprovado, sendo perceptível que o interesse em relação à máquina depende da criança em questão, e esse fator condiciona o sucesso do estudo ”, aponta Filomena Soares, coordenadora do programa. Como cada criança reage de forma diferente, as experiências também são definidas e planejadas de acordo com as limitações individuais — e isso só pode ser feito por especialistas. Por isso, mesmo com o facilitador robótico, o fator humano continua indispensável no tratamento. (RM)