O estudo – que será apresentado em junho na 63ª Conferência Anual da Associação Internacional de Comunicação, em Londres – contou com a participação de 482 pessoas entre 18 e 82 anos. Todos assistiram a trailers de filmes, alguns com mais violência (cenas com sangue, mortes etc.) e outros com menos, mas sempre com similar nível de suspense. Depois da exibição, os voluntários responderam um questionário no qual indicavam se gostariam de ver algumas das obras até o fim e justificar essa decisão. Os pesquisadores perceberam uma ocorrência muito grande de motivos como identificação com personagens, apreciação pela história e também uma “busca pela verdade”. Ou seja, além do prazer, fatores relativos à condição humana foram responsáveis pela preferência do público.
“Com a ajuda dos trailers de obras que são, além de sangrentas, significativas e de outras que são simplesmente sangrentas, foi possível comparar e estabelecer o direcionamento da preferência dos participantes de forma mais fácil”, exemplifica.
Anne e os colegas se dizem satisfeitos com os resultados da pesquisa, mas pretendem continuar a investigação e tentar identificar possíveis efeitos gerados em quem assiste aos filmes. “O passo mais importante para nós, futuramente, será analisar representações que podem ter efeitos pró-sociais no público, por exemplo, gerando empatia com as vítimas da violência ou levando a uma autorreflexão sobre impulsos violentos”, adianta.
Homens x mulheres
Apesar da máxima de que os homens gostam mais de filmes de ação do que as mulheres, a pesquisa não observou essa diferença. “O padrão geral identificado é de que as pessoas são mais propensas a assistir cenas violentas em um contexto de história significativa. Esse padrão foi o mesmo para ambos os sexos. Então, pode haver outras razões pelas quais os homens são mais atraídos por filmes violentos”, diz Anne.
Para o estudante de cinema Daniel Souza Lopes, de 22 anos, filmes de ação têm um charme diferente dos outros. “Acredito que eles mexem mais com a gente, por serem rápidos e cheios de acontecimentos. Além disso, os roteiros são mais fáceis de serem feitos e dão mais lucro que a maioria. Talvez seja por isso que eles sempre estão em alta”, opina.
Identificar-se com o personagem pode ser uma boa justificativa para o gosto de muitos pelo filme de ação, defende Lucas da Silva, de 22, colega de faculdade de Daniel. “Quando vemos alguém que sofre, acabamos torcendo por ele. A gente acaba se colocando no lugar da pessoa”, comenta. A também estudante de cinema Daniela Costa, de 18, se diz atraída pelas situações que fogem da vida cotidiana. “O que me encanta, e talvez encante outras pessoas, são os enredos com situações que não vivemos no nosso dia a dia, diferentes da nossa realidade”, explica.
Identificação
Na opinião de Benedito Rodrigues dos Santos, antropólogo e professor da Universidade Católica de Brasília, o estudo mostra uma visão interessante sobre o que a violência pode revelar sobre a condição humana. “Na antropologia, sempre discutimos esse assunto, da ação e da reação. Como uma criança que, mesmo assustada, reage com algum impulso violento, se debatendo, por exemplo. Acredito que a questão da identificação é plausível, mas precisamos ter cuidado ao falar sobre o reflexo que isso teria nas pessoas, já que até o próprio fato de falar incentivaria a violência”, completa.
O antropólogo destaca também que a violência está em outros lugares além dos filmes de ação. “Podemos encontrar indícios violentos em comédias que recorrem a situações perigosas. É só observar com cuidado que conseguimos enxergar quantos elementos semelhantes e do mesmo gênero existem”, explica.
O psiquiatra da Universidade de Brasília (UnB) Rafael Boechat acredita que o estudo mostra uma forma clássica usada pela indústria de entretenimento para chamar a atenção do público. “Por que as novelas fazem sucesso? É justamente pela identificação dos personagens, o que leva a uma aceitação maior da população”, analisa.
Alguns dos filmes usados na pesquisa
O resgate do soldado Ryan (EUA, 1998)
De Steven Spielberg. Com Tom Hanks, Tom Sizemore, Edward Burns. Classificação indicativa: 16 anos
Nas praias da Normandia, forças militares confrontam-se numa batalha que vai decidir o curso da guerra. Soldados americanos cumprem uma arriscada missão para encontrar o soldado James Ryan.
O massacre da serra elétrica (EUA, 1974)
De Tobe Hooper. Com Marilyn Burns, Gunnar Hansen, Edwin Nael. Classificação indicativa: 18 anos.
Sally e seus amigos ouvem um boato de que o túmulo do avô da jovem foi violado. Ela resolve checar a informação na companhia dos colegas, e no caminho, eles dão carona para um homem que se revela louco e assassino.
A identidade Bourne (EUA, 2002)
De Doug Liman. Com Matt Damon, Chris Cooper e Clive Owen. Classificação indicativa: 14 anos.
Jason Bourne é um homem sem passado e, talvez, sem futuro. Tudo que ele se lembra é de que estava no Mar Mediterrâneo e seu corpo estava crivado de balas. Nessa situação de amnésia, é perseguido por estranhos que parecem dispostos a tudo para matá-lo.