Brasília – Mais novidades sobre o Australopithecus sediba, espécie que viveu há aproximadamente 2 milhões de anos e que desde sua descoberta intriga especialistas em evolução. Uma série de artigos publicados na edição de hoje da revista Science traz uma visão geral sobre o que se sabe sobre a anatomia desse hominídeo, com base em fósseis localizados na África do Sul. Os seis estudos ainda não dão certeza sobre em que parte da árvore genealógica dos hominídeos essa espécie se encaixa, mas mostram que ela é um exemplo notável da evolução humana, reunindo traços anatômicos encontrados em humanos e em macacos.
Esse mosaico de características – a pélvis, as mãos e os dentes têm características humanas, por exemplo, enquanto os pés se parecem com os de chimpanzés – é o que torna difícil a classificação do A. sediba. Ele seria mais australopiteco ou mais humano? Ou uma ligação entre os dois gêneros? Hipóteses o colocam como uma espécie intermediária entre o Australopithecus africanus e o Homo habilis, enquanto outros especialistas arriscam dizer que se trata de um ancestral direto do Homo erectus. De qualquer forma, os restos achados na África do Sul são a prova de que a evolução está longe de ser algo linear e simples.
Depois de analisar os estudos, o paleontólogo Jorge Ferigolo, do Museu de Ciências Naturais da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, afirma que os novos dados trazem grandes avanços para tentar elucidar a história da evolução. “Com todas essas análises feitas, em membros superiores, mandíbulas, tórax e pés, podemos ver muitas semelhanças tanto com o A. africanus quanto com o Homo erectus, cartacterísticas que preenchem espaços em branco das pesquisas na área”, explica. “Na evolução, sempre trabalhamos com essas descobertas diferentes. O próprio Homo erectus tem elementos variados.”
Dentes e mandíbula
Em outro artigo, o pesquisador Darryl de Ruiter e colegas examinaram a mandíbula de MH2, revelando uma queixada que difere da de outros australopitecos, tanto no tamanho quanto na forma. “Fizemos uma análise morfométrica, uma técnica matemática que nos permite examinar várias medidas diferentes de uma só vez. O que descobrimos foi que a mandíbula dela difere da de outros hominídeos, o que significa que estamos olhando para uma diferença biológica significativa”, diz.
Ruiter define como importante a descoberta para estabelecer um padrão de crescimento do esqueleto. “Vimos que a forma de crescimento foi única, o que garante que o A. Sediba era mesmo uma espécie particular. E talvez o mais importante: descobrimos que essa característica apoia a hipótese de que a espécie compartilha uma ascendência estreita com o gênero Homo”, complementa o pesquisador.
Membros superiores
Os cientistas comemoram ainda a conservação dos ossos encontrados, o que permitiu chegar a essa conclusão. “Temos o membro superior mais bem reservado de todos os australopitecos já descobertos. Para o esqueleto MH2, temos ossos completos ou quase completos, a partir do ombro para baixo do pulso (e têm um esqueleto de mão quase completo também). Isso nos permite determinar proporções dos membros sem ter que estimar o comprimento de todos os ossos”, explica Churchill.
Os indícios encontrados nos membros superiores apontam um jeito totalmente original de andar, apoiando-se apenas parcialmente nos braços. Ao analisar os esqueletos, o pesquisador Jeremy DeSilva chegou à conclusão de que a espécie realizava um salto pequeno, já que seu calcanhar se assemelhava ao de um chimpanzé.
O A. sediba provavelmente andava com uma rotação interna do joelho e do quadril, com os pés ligeiramente torcidos. Os resultados sugerem que as espécies de australopitecos com traços tanto de macacos quanto de humanos utilizavam sua anatomia de maneiras diferentes – alguns subiam em árvores, alguns caminhavam no chão.
O tórax e a coluna também foram pesquisados e renderam resultados interessantes. A equipe de Scott Williams analisou duas colunas vertebrais parciais, observando que o tórax superior era muito estreito, como o dos australopitecos, mas a coluna vertebral tinha o mesmo número de vértebras do Homo erectus. A espinha da espécie ostentava uma volta mais longa e mais flexível, também mais semelhante à do H. erectus.
O Australopithecus sediba ainda deve render muitos estudos de antropólogos e paleontólgos, que têm esperança de descobrir mais peças. “Desenterrar mais fósseis nos próximos anos pode trazer mais surpresas. Na paleontologia, sempre esperamos que, com mais achados, possamos preencher os espaços entre as espécies”, diz o paleontólogo Jorge Ferigolo.
Em Malapa
A descrição do Australopithecus sediba foi baseada em dois esqueletos parciais encontrados em Malapa, na África do Sul, em 2008. No local, foram achados restos de um macho de aproximadamente 13 anos e de uma fêmea adulta, com cerca de 30 anos. Os A. sediba podem ter vivido em savanas e se alimentado de frutas e outros alimentos encontrados em florestas – comportamento semelhante ao de chimpanzés das savanas atuais. As condições pelas quais os indivíduos foram preservados são consideradas extraordinárias pelos cientistas.