Jornal Estado de Minas

Glicose controlada evita cegueira nos casos de diabetes

Retinoplastia diabética, que pode levar à cegueira, pode ser prevenida com ida regular ao oftalmologista. Congresso internacional em BH debate novos tratamentos

Celina Aquino
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O simples hábito de manter a glicose controlada pode reduzir as chances de o diabetes causar perda de visão. Em cerca de 40% dos casos, o distúrbio metabólico evolui para um quadro de retinopatia diabética, que é a principal causa de cegueira na idade adulta. A prevenção está na visita constante ao médico, já que a complicação surge silenciosamente. “Quando bem tratado, o paciente diabético vai preservar a visão até o fim da vida”, afirma a oftalmologista mineira Dorothy Dantés.


Os avanços no tratamento da doença, como o medicamento aprovado há quatro meses pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram discutidos nos últimos três dias em Belo Horizonte, durante o 38º Congresso da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo. Pela primeira vez, especialistas estrangeiros participaram do evento.

Sem hesitar, o oftalmologista Márcio Nehemy, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e chefe do Serviço de Retina e Vítreo do Hospital São Geraldo, na capital mineira, afirma que os medicamentos antiangiogênicos representam a maior conquista da área nos últimos 20 anos. Com uma resposta rápida, as drogas conseguem devolver a visão a quase metade dos pacientes com retinopatia diabética, à medida que impedem o crescimento de vasos sanguíneos anormais, presentes na fase mais avançada da doença. As injeções vêm se somar ao tratamento com laser, que continua a se mostrar eficiente para afastar a cegueira.

Nehemy reconhece que os medicamentos são caros – uma dose varia de R$ 2 mil a R$ 5 mil –, mas ele acredita que vale a pena o investimento. “O custo emocional da cegueira é maior, pois ela impacta a qualidade de vida de uma maneira devastadora. Os indivíduos ficam limitados, param de trabalhar e podem necessitar de um cuidador”, argumenta. Estima-se que o diabetes acometa mais de 280 milhões de pessoas no mundo, sendo 11 milhões no Brasil.

Em caso de retinopatia diabética, o Sistema Único de Saúde (SUS) cobre exames, sessão de laser e cirurgia. Por enquanto, os antiangiogênicos estão fora da lista, mas o oftalmologista da UFMG adianta que o governo já estuda incluí-los. “É preciso entender que prevenir a cegueira traz mais benefício que deixar o indivíduo largar o trabalho e necessitar de atenção especial”, destaca. Nehemy estima que a resposta virá até o fim do ano.

Além de permitir que os diabéticos tenham acesso ao tratamento, o esforço da classe médica é fazer com que eles visitem regularmente um oftalmologista. Menos da metade deles é submetida ao exame de fundo de olho, essencial para o diagnóstico da retinopatia diabética. Belo Horizonte já conseguiu avançar. Todos os pacientes com diabetes que vão a uma consulta em posto de saúde são encaminhados para o Hospital Universitário São José, ligado à Faculdade de Ciências Médicas.

De acordo com a especialista em retina Dorothy Dantés, 34% dos 20 mil diabéticos atendidos até agora apresentaram algum grau da doença. Em 7% dos casos, a cegueira estava em fase avançada e alguns pacientes já tinham perdido totalmente a visão.

A meta, esclarece a médica, é atender os 80 mil diabéticos cadastrados na farmácia do SUS da capital mineira. Quando não houver lesão na retina, o paciente será orientado a voltar um ano depois para nova avaliação. Assim, reduz-se a probabilidade de a doença evoluir para a cegueira.

Exame de fundo de olho é essencial

A endocrinologista Adriana Bosco, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes em Minas Gerais e coordenadora do Ambulatório de Diabetes da Santa Casa de Belo Horizonte, reforça que o exame de fundo de olho deve integrar o checape anual do diabético. “Não dá para começar a se preocupar com a doença no dia em que a visão baixar”, diz. Para o diabetes tipo 1, mais comum de ser diagnosticado na infância e juventude, a médica espera três anos depois do diagnóstico para investigar possíveis complicações. Já no diabetes tipo 2, geralmente descoberto na fase adulta, os exames devem ser feitos imediatamente. A retinopatia diabética já pode estar presente, sem nunca ter dado sinais.

Como informa o oftalmologista Márcio Nehemy, o controle rigoroso da glicemia diminui em 75% o risco de o paciente desenvolver a retinopatia diabética, enquanto reduz em 50% a chance de a doença instalada evoluir. De qualquer maneira, quanto mais cedo for diagnosticada a doença, melhor o resultado do tratamento, que pode incluir laser, medicamentos antiangiogênicos e a cirurgia nomeada vitrectomia, em caso de descolamento da retina. “À medida que compreendemos as doenças, conseguimos tratá-las antes de o problema aparecer. Ainda temos o privilégio de não precisar sair daqui para nada, afinal a oftalmologia brasileira é respeitada no mundo inteiro”, analisa.

Para ter certeza de que a diabetes está controlada, só com o resultado do exame conhecido como hemoglobina glicada, que dá a média do nível de glicose dos três meses anteriores. A endocrinologista Adriana Bosco diz que o ideal é ter três laudos por ano com menos de 7%, o que indica que a glicemia está abaixo de 150 miligramas por decilitro (mg/dl). Isso diminui em 40% a chance de o paciente ter retinopatia diabética. A alimentação deve ser regrada. “Siga a dieta mais simples possível, sem industrializados ou entalados. Coma arroz, feijão, carne e salada”. Atividade física também não pode ser esquecida, pois ajuda a manter o peso e a glicemia controlados.

Glossário do olho

Retina – É como se fosse um papel de parede que reveste todo o olho. Contém células sensíveis à luz, responsáveis pela captação da imagem.


Mácula – Região central da retina com poder máximo de visão. Exerce a função de enxergar cores e detalhes.


Vítreo – Entre a retina e o cristalino, há uma cavidade preenchida por um gel transparente chamado humor vítreo, que ocupa 4/5 do olho. Ele mantém a estabilidade do globo ocular.

A doença

1 -Níveis elevados de glicose no sangue provocam lesão na parede dos vasos sanguíneos de todo o corpo, inclusive da retina

2 - Isso leva ao aumento da permeabilidade dos vasos sanguíneos e afrouxamento da junção entre as células que revestem a retina

3 - Em consequência, o sangue começa a vazar e pode atrapalhar a visão. Em um estágio mais avançado, crescem vasos capilares para tentar alimentar tecidos em volta da retina que estão sem função

4 - Os novos vasos, no entanto, são enfraquecidos e aumentam o sangramento. A retinoplastia diabética pode causar baixa de visão até cegueira total

Novidades oftamológicas
Apresentadas no 38º Congresso da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo

Células-tronco

>>  Os especialistas reunidos no  discutiram os avanços na área, mas enxergam um longo caminho até que a terapia possa integrar o tratamento de doenças de retina e vítreo.
 
Cirurgia
>>  Boa notícia para quem precisa operar a retina: os procedimentos estão cada vez menos invasivos. Hoje é possível fazer uma cirurgia dentro do olho com cortes de até 0,4 milímetros, já que os instrumentos chegam a ser finos como uma agulha.
 
Laser

>>  A cada dia reduzem as chances de células sadias serem danificadas no tratamento com laser. Isso se deve ao uso mais frequente do laser micropulso, que consegue preservar os tecidos que não estão doentes. Também está disponível no Brasil laser com comprimentos de onda variados.
 
Medicamentos
>>  O uso dos antiangiogênicos é considerado um dos maiores avanços da oftalmologia. Desde 2005, o medicamento que impede a formação de vasos sanguíneos anormais nos olhos consegue devolver a visão a 40% dos pacientes. Durante o congresso, foram apresentadas três novidades da indústria farmacêutica: uma injeção usada em intervalos de dois meses, um remédio aprovado pela Anvisa para tratar a retinopatia diabética, além da degeneração macular relacionada à idade (DMRI), e outro que pode substituir a cirurgia para retirada do vítreo.
 
Exames
>>  Uma máquina alemã que consegue gerar imagens da retina em resolução de três micras, medida menor que uma célula, foi apresentada em BH. Por ter um custo elevado, o aparelho é usado em caráter experimental, mas a expectativa é de que ele possa ajudar o médico a chegar a um diagnóstico ainda mais preciso, já que mostra o fundo do olho quase em nível microscópico.