Se a vida de pesquisador não é fácil, a da família de pesquisador também não. A dedicação à ciência quase sempre se transforma em um projeto de vida, e toda a atenção dedicada parece pouco. O dinheiro também. A partir de hoje, o Estado de Minas vai se enveredar pelo mundo acadêmico para mostrar como é o dia a dia dos cientistas no país, as dificuldades enfrentadas com poucos recursos e infraestrutura, o desafio de morar no exterior e voltar, e ainda lembrar aqueles que um dia, quando a tecnologia mal existia, deram sua contribuição de forma tão singular que são referência até hoje.
O professor Bernardo Riedel, de 72 anos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), se aposentou como ótico do Observatório Astronômico Frei Rosário, na Serra da Piedade, em Caeté, a 50 quilômetros de Belo Horizonte. Mas a paixão pela astronomia sempre foi tão marcante que ele investiu, do próprio bolso, mais de R$ 1 milhão no sonho de produzir telescópios amadores em escala. “Sou professor e queria que as crianças, os jovens e as escolas pudessem gostar das estrelas como eu”. Para tristeza de Riedel, nenhum dos filhos seguiu sua profissão. Mas sentiram sua ausência.
Elza estocava comida com o seu salário de professora. Tinha que comprar tudo o que precisaria para o mês. A vida social também foi prejudicada. A paixão de Bernardo pela astronomia não o permitia frequentar festas. Todo o tempo livre era destinado à construção dos equipamentos óticos. “Às vezes, recebíamos um convite para uma casamento e ele dizia, sério: ‘Quem é que se casa num sábado à noite?’, achando um absurdo aquele compromisso.” Para Elza, ninguém está preparado para tanta dedicação. “Foi muito sofrido pra mim, mas não tenho raiva da fábrica, nem da Lua”, brinca ela, fazendo uma alusão à paixão de Riedel pelo universo.
juntos, no exterior Do outro lado do mundo, Ana Carolina Vimieiro está dormindo. Para a belo-horizontina de 28 anos, hoje já é amanhã. E mesmo tendo se mudado para a Austrália para acompanhar o marido nos estudos, ela sequer acorda ao seu lado. Culpa da ciência. Ana aproveitou a oportunidade para fazer seu doutorado em comunicação pela Queensland University of Technology, em Brisbane. Já o marido, o doutor em computação Renato Vimiero, de 30, é pesquisador do Hunter Medical Research Institute, da University of Newcastle, em Newcastle. “Pelo menos é só uma hora de voo entre nossas casas. Melhor que os dois dias de viagem que nos separavam quando ainda estava no Brasil”, comemora Ana.
O casal de pesquisadores está junto há 11 anos. Renato chegou à Austrália em 2008 para o doutorado. Ana ficou no Brasil, terminando seu mestrado. Casaram-se na sequência e uma semana depois Renato já estava na universidade. “Ele passou nossa lua de mel na Austrália e eu no Brasil”, ri a mulher. Por enquanto, nada de filhos. Mas Renato e Ana já publicaram dois artigos em coautoria. “Nas nossas conversas percebemos que os métodos que ele pesquisa poderiam ser utilizados em áreas como a minha. Daí começamos a produzir juntos sobre a aplicação de técnicas computacionais a dados das ciências sociais”, explica ela.
Tempo extrapolado
É comum entre os pesquisadores que o tema de pesquisa se torne parte integral de suas vidas domésticas. Não é diferente com Ana e Renato, a ponto de exigir dos dois um policiamento para não trabalharem mais do que o necessário. “Ele extrapola o tempo na universidade. A sorte é que eu também. Digo isso porque deve ser muito difícil ser esposa de pesquisador se você também não é uma pesquisadora. Eu compreendo a cabeça dele e a paixão que move um cientista, o que quem não compartilha a mesma profissão não necessariamente consegue entender”, acredita Ana.
Apesar de compartilhar da mesma rotina do marido, ela, por outro lado, sofre com o olhar descrente dos de fora da área. “É comum ouvir a pergunta: ‘Você só estuda?’. Tanto ele como eu só estudamos, e assim nos sustentamos. Esse desconhecimento sobre a figura do pesquisador gera muitas situações complicadas, sobretudo porque é uma profissão em que o investimento é a longo prazo. Às vezes, é difícil lidar com o fato de que você, apesar de ser, na maioria das vezes, o mais estudado no seu grupo de amigos, será o último a ser considerado socialmente ‘bem-sucedido’”, pondera.
Na casa de Cláudia Oliveira Gastelois, de 47, a dedicação quase que exclusiva à pesquisa é uma realidade com a qual ela já se acostumou: convive com o marido, Pedro Lana Gastelois, de 47, apenas nos fins de semana, uma vez que ele estende a jornada dando aulas noturnas para complementar o salário. Recentemente, o casal voltou de uma temporada na Alemanha, onde ele cursou parte de seu doutorado e para onde toda a família, incluindo a filha Clara, de 16, se transferiu por dois anos.
Tecnologista pleno no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Pedro fez parte do doutorado no Instituto Max Planck, em Halle Saale. A mulher e a filha ficaram em Berlim, onde se reuniam nos fins de semana. Ele foi com seu salário e ganhou uma bolsa extra da instituição alemã para gastos com moradia. Foi uma oportunidade para Cláudia fazer cursos e para a filha conviver com uma cultura diferente. Mas foram grandes as dificuldades: o frio, as diferenças sociais e culturais. “Nada que se compare à experiência, ao aprendizado e ao crescimento”, acredita ela.
Entretanto, ela diz conhecer outras mulheres que não se acostumaram à rotina do marido. O formato que o casal Gastelois escolheu, morando em cidades diferentes, foi bom para a pesquisa. “Pedro tinha liberdade para se dedicar ao máximo. Às vezes, virava noites fazendo os experimentos. Quando chegava a Berlim era só festa.” E assim, familiares de pesquisadores, mesmo passando longe de um laboratório, tornam-se parceiros e tanto da ciência.
Bolsas
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concede grande parte das bolsas para a formação de recursos humanos no campo da pesquisa científica e tecnológica, tanto no Brasil como no exterior. São várias as modalidades: ensino médio, graduação, pós-graduação e pesquisa. Hoje, a bolsa em produtividade em pesquisa para um pesquisador do nível 1A, a mais alta categoria a ser alcançada, paga R$ 1,5 mil mensais e tem duração de 60 meses.
O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) concede grande parte das bolsas para a formação de recursos humanos no campo da pesquisa científica e tecnológica, tanto no Brasil como no exterior. São várias as modalidades: ensino médio, graduação, pós-graduação e pesquisa. Hoje, a bolsa em produtividade em pesquisa para um pesquisador do nível 1A, a mais alta categoria a ser alcançada, paga R$ 1,5 mil mensais e tem duração de 60 meses.