Jornal Estado de Minas

Cientistas devotados enfrentam desafios salariais, burocracias e pouca visibilidade

Quase 130 mil brasileiros tentam solucionar os mais diversos problemas do país, mas não são valorizados

Jorge Macedo - especial para o EM
Carolina Cotta

Aos 32 anos, Gustavo Menezes tem nada menos que três pós-doutorados, dois na UFMG e um no Canadá. Tem seu próprio laboratório, onde se dedica às pesquisas das 7h às 21h - Foto: (Leandro Couri/EM/D.A Press) 

O México tem. A Bielorrúsia também. Até o Paquistão já levou um Prêmio Nobel. Mas, por que jamais ganhamos um? A pergunta circula na academia antes mesmo de o Brasil ser considerado pela Unesco o 13º produtor de ciência mundial. O progresso da ciência nacional nos últimos anos é impressionante, com destaque para a última década. Pulamos de 21 mil pesquisadores em 2003 para 128 mil em 2010, sendo 63% deles doutores. As mulheres, que eram 39% entre os cientistas, saltaram para 50%; e os centros de pesquisa dispararam: de 99 foram para 452, segundo dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Mas há ainda um longo caminho a percorrer e ele começa pela valorização de quem faz ciência: o pesquisador. Como o Estado de Minas vem mostrando desde ontem numa série especial, os desafios na área científica são muitos. Principalmente no que diz respeito aos salários pagos aos pesquisadores e ao financiamento dos projetos.

Gustavo Menezes tem 32 anos. Graduou-se em odontologia, mestrado e doutorado em fisiologia e farmacologia, e dois pós-doutorados na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Encarou um terceiro pós-doutorado na Universidade de Calgary, no Canadá. Tem seu próprio laboratório e linha de pesquisa, e sua rotina é árdua: entra às 7h, almoça em meia hora e não sai do câmpus antes das 21h. Não que essa seja sua carga de trabalho, mas porque ele acredita na ciência. Como professor- adjunto, regime de dedicação exclusiva, ganha salário bruto entre R$ 7 mil e R$ 8 mil. No entanto, o valor de sua bolsa como pesquisador nível 2 do CNPq é de R$ 1.100. O padrão federal.

T.F.R. tem a mesma idade de Menezes. Mas sua trajetória profissional foi diferente: passou por três cursos de graduação distintos, em cinco faculdades. Não concluiu nenhum. Hoje, faz relacionamento com investidores em uma multinacional e para chegar a um cargo gerencial concluiu o curso de administração a distância, única forma de conciliar o estudo com as constantes viagens internacionais. É um jovem expoente em sua área, sendo disputado por grandes grupos. Seu salário é de R$ 14 mil e, sim, ele já chegou a gastar R$ 1 mil em um jantar com a família.

Dois jovens, dois futuros brilhantes, mas apenas um deles produz inovação e seria capaz de mudar mazelas da população com seu trabalho. Mesmo ganhando menos, Gustavo Menezes está no rol de alguns dos milhares de pesquisadores brasileiros dispostos a contribuir para o curso da humanidade. Em seu laboratório de imunobiofotônica, parte da estrutura do Grupo de Imunofarmacologia da UFMG, usa células fluorescentes em animais geneticamente modificados para acompanhar a resposta imunológica do organismo para doenças hepáticas. Tem publicado artigos em importantes revistas científicas mundiais, à custa de muito esforço. E paixão.

“Ciência é uma devoção. Um dentista bem-sucedido ganha muito mais que um professor/pesquisador bem-sucedido. O que me fez seguir foi meu sonho de criança de ser cientista. Minha mãe conta que eu gostava de misturar água sanitária com detergente para ver o que ocorria. Para não me machucar, ela comprou meu primeiro microscópio e um jogo de experiências. Tenho prazer no meu trabalho, amo o que eu faço, e se a condição para isso é ganhar o que ganho, eu topo”, defende ele, casado, pai de um bebê de 4 meses e integrante de uma banda de rock.

Libertação

Menezes acha difícil tornar-se chefe de um grupo de pesquisa no Brasil. Segundo ele, o professor contratado não tem sala, nem laboratório. E é essa situação que divide a carreira do cientista. “É quando se tem suas próprias ideias que nasce o cientista. Essa libertação de aluno foi um dos momentos mais marcantes da minha carreira, apesar de seguir colaborando com meus ex-orientadores”, diz.

Pouca gente qualificada
Quando não está em congressos ou visitas acadêmicas, Marcelo Paleologo de França Santos passa de 45 a 50 horas semanais na UFMG, sem contar o que leva para casa. Solteiro e sem filhos, é um homem da física. Três vezes pós-doutor, ele faz pesquisa teórica em ótica quântica fundamental e aplicada. Seu grupo de pesquisa, o EnLight, tem pós-doutores, estudantes de doutorado, mestrado e iniciação científica, computadores de alta performance, verba de pesquisa para viajar e convidar visitantes. Uma estrutura que nada deve à realidade internacional.

Mas também são vários os percalços, a começar pela burocracia. Além da falta de verba, vários problemas travam o desenvolvimento científico: da falta de mão de obra qualificada às regras pouco flexíveis para uso da verba disponível. “O fato de a verba científica pública ser tratada como qualquer outra verba pública torna os mecanismos de financiamento ineficientes, verdadeiros matadores da ciência de qualidade”, critica. Para Paleologo, “falta uma melhor visão de mundo e de futuro aos pesquisadores sêniores do país, aqueles que de fato tomam decisões sobre a distribuição da verba de pesquisa.”

 

Estímulo à inovação

ENTREVISTA: Fábio Thiers, médico e ceo da Vis research

O médico pernambucano Fábio Thiers estudou em duas referências mundiais: a Harvard University e o Massachusetts Institute of Technology (MIT). Durante seu pós-doutorado, deu nova abordagem para a pesquisa clínica, capaz de reduzir em até um ano o tempo de desenvolvimento de novos medicamentos. A plataforma gratuita do ViS Research, empresa que preside, agrega informações sobre centros de pesquisa em todo o mundo
e pode estimular o desenvolvimento desse tipo de estudo no Brasil, que hoje realiza apenas 1% da pesquisa clínica mundial.


O Brasil tem muito artigo publicado e pouca inovação, perdendo para países de PIB menor. Em que erramos?


O crescimento do país propiciou a pesquisa em âmbito internacional, mas leva tempo até formar estrutura e pessoal para aplicar o método científico. Para fomentar a inovação é preciso capital de risco para dar suporte para as empresas arriscarem. Comparado a países que começaram a fazer isso há mais tempo, o Brasil precisa investir mais.
 
Qual a atual situação da pesquisa clínica brasileira?

Temos bastante pesquisa clínica, mas isso deve ser visto dentro de um aspecto relativo. Nossa estrutura não é muito diferente da de países pequenos. Fazemos tanta pesquisa clínica quanto a Polônia e a República Tcheca, nações que não se comparam a nós em tamanho e em desenvolvimento. Também não há pesquisa clínica sendo realizada no Brasil. Fazemos pesquisa em câncer, Aids e diabetes pela nossa estrutura de diagnóstico.
 
Onde está o problema?

Não temos visibilidade internacional e temos um grande problema de comunicação. A indústria farmacêutica tem dificuldade para encontrar centros médicos especializados em determinadas doenças e os centros, por sua vez, precisavam passar por um processo bastante burocrático para se inscrever nas pesquisas. O resultado é uma ineficiência geral no processo de desenvolvimento de novos medicamentos.