“Em uma comparação crua, ser professor/pesquisador no Brasil vale mais a pena do que ser professor/pesquisador nos Estados Unidos.” A frase é do pós-doutor em sociologia Jerônimo Muniz, de 34 anos, que fez seu doutorado na Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos. Segundo ele, os salários são parecidos: a universidade pública remunera cargos, e não pessoas. “O salário do professor/pesquisador aqui está atrelado à permanência na universidade e não à produtividade”, critica Muniz, relatando uma realidade da ciência brasileira. Nesta quarta reportagem especial da série “Vida de cientista”, o Estado de Minas mostra ainda que a publicação de artigos tem aumentado no país, termômetro positivo no mundo acadêmico, pois é sinal de produção de conhecimento, e que o país recebe cada vez mais gente do exterior.
Mas na prática a equação não é tão positiva quanto parece o cenário: um pesquisador brasileiro produtivo ganha o mesmo e dá a mesma quantidade de aulas que um professor que não produz. Segundo Muniz, uma lógica bem diferente da norte-americana. “Como consequência, o bem-estar aqui tende a ser maior, já que a cobrança é muito baixa, ainda que essa falta de competitividade na ciência brasileira tenda a prejudicar o progresso dela.” Não necessariamente por esse motivo, muitos pesquisadores seguem carreira no Brasil, mesmo depois de fazer a formação no exterior.
Leia Mais
Fuga de talentos científicos é realidade no BrasilGaleria de Cientistas Notáveis Cientistas devotados enfrentam desafios salariais, burocracias e pouca visibilidadeRenomados cientistas não estão livres da burocraciaApesar de alguns quesitos ainda negativos, a ciência nacional tem dado mostras de amadurecimento, mesmo que em uma velocidade mais lenta que a esperada por quem faz pesquisa. Em sua edição O novo mapa da ciência, a revista Nature colocou o Brasil ao lado de Cingapura, China, Índia e Coreia do Sul na lista de países que fazem pesquisa de alto nível, dominada por Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos. As redes de colaboração seriam o trunfo dos países emergentes para mudar o equilíbrio global da ciência.
No interior
Com a abertura de vagas para docentes pelo Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), oportunidades surgiram em diversas partes do país, e muito fortemente no interior. Segundo Luiz Antônio Elias, secretário-executivo do MCTI, em 2002 existiam 43 sedes de universidades e 148 câmpus espalhados pelo país. Para 2014, a previsão é de 63 sedes e 321 câmpus. É nesse contexto que instituições como a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, em Diamantina, ganham força. Doutor em química pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Juan Pedro Bretas Roa, de 31, é um dos professores que vão tentar se enveredar pelo interior. A UFVJM era uma opção em Minas, pois já contava com programa de pós-graduação em química, mas trabalhar em uma universidade em expansão exige engajamento em várias frentes. “A atividade não se resume às aulas e à pesquisa. É preciso atuar em comissões e conselhos da universidade, o que diminui o tempo de dedicação à ciência”, observa Roa, que vê uma oportunidade de crescer profissionalmente. “Como recém-doutor, acho que as perspectivas são muito boas, mas falta pessoal na administração e os docentes, em diversas ocasiões, ficam sobrecarregados”, pondera.
De Oxford para BH
Ele fala francês, inglês e alemão. Mas já sabe falar uai. Pós-doutor pelo Max Planck Institute, referência mundial em pesquisas do cérebro, o parisiense Jérôme Baron, de 40 anos, deixou a posição no centro alemão para ficar perto da esposa, brasileira, e da filha. Seu caso pode ser interpretado como uma tendência do cenário atual, pois mesmo diante das dificuldades na área científica ainda enfrentadas no país, o Brasil tem se tornado cada vez mais atraente também para cientistas estrangeiros. Doutor pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, uma das mais reconhecidas instituições do mundo, Baron optou pela UFMG, onde pesquisa, em corujas, a percepção visual.
“Encontrei uma linda brasileira. Ela tinha uma boa condição profissional aqui, seria difícil sua ida para a Europa. A gente queria caminhar juntos e o único caminho era eu vir.” Jérôme só conhecia um pesquisador no Rio de Janeiro, mas continuaria longe da filha, recém-nascida na época. Começou do zero. “Não conhecia ninguém na UFMG. A área de pesquisa que propus não estava estabelecida aqui. Foi um processo lento e tumultuado”, lembra o professor do Departamento de Fisiologia e Biofísica.
A diferença de estrutura foi gritante. Jérôme deixou uma instituição de ponta, de visibilidade internacional. “Se eu contar aos meus colegas de fora os recursos que tenho para fazer pesquisa aqui eles vão rir. É quase heroico fazer pesquisa no Brasil”, afirma. Apesar da crítica, ele é grato pelo apoio recebido da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e hoje, 10 anos depois de se estabelecer no país, consegue ver aspectos positivos. “Consegui estabelecer uma linha de pesquisa relativamente criativa, e começo a ganhar certa visibilidade. Já me acostumei.”
Realidades distintas
Felipe Tameirão Fonseca, de 23, mestrando em ciência animal pela Universidade Federal do Pará em estágio na Universidade Federal de Lavras (Ufla), conhece realidades bem distintas também, só que ambas no Brasil. Segundo ele, a principal diferença entre fazer pesquisa no Pará e em Minas Gerais é o investimento. “A quantidade de projetos de pesquisa e recursos aprovados, bem como o fomento à investigação, são maiores na Região Centro-Sul do país. Também nos faltam recursos humanos. O Pará tem bons pesquisadores, mas muitos professores ministram aulas de assuntos fora de sua área por falta de especialistas”, diz.