Carolina Cotta
Sérgio Pena chega a esperar semanas, às vezes meses, para ter o reagente liberado em seu laboratório na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, ou em seu laboratório privado, o Gene. É prova de que os grandes nomes da ciência nacional enfrentam os mesmos problemas de burocracia, remuneração e infraestrutura, mesmo tendo visibilidade internacional.
Especialista em genética, o pós-doutor pelo National Institute for Medical Research, de Londres, tem assento no Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, diretamente ligado à Presidência da República. Vê com bons olhos o 13º lugar em produção científica conquistado pelo Brasil, que ultrapassa importantes países europeus, e com olhos menos satisfeitos o ranking de citações, resultado de artigos publicados por pesquisadores brasileiros. “Cresceu a publicação, mas a qualidade do que é produzido não acompanhou esse número”, critica.
Exemplo de modelo no qual o Brasil precisa investir, a ciência translacional, aquela que tem uma reverberação na sociedade, Pena, assim que voltou do exterior, preocupou-se em abrir não só sua linha de pesquisa e laboratório na UFMG, mas também um espaço privado de pesquisa. Para isso, precisou se multiplicar. “Fazia pesquisa no hospital e no Gene. Investi muito para ter uma carreira acadêmica e também privada. Faço pesquisa acadêmica em um e ciência aplicada no outro. Desde o começo vivi esse binômio hoje tão desejável da interação da universidade com a empresa.”
Por outro lado, ele considera fazer ciência em empresa duplamente complicado no país. Nas universidades, por exemplo, é possível fazer importação direta. Nas empresas acaba aparecendo a figura do atravessador. Isso sem contar a demora. “Fora da universidade preciso pagar mais imposto. O que custaria R$ 100 mil, vira R$ 300 mil. Mas talvez o que mais incomode é a morosidade. Tenho que pensar hoje o que vou precisar daqui a seis meses. Isso atrasa a pesquisa.”
Perda de tempo
O problema não é diferente no Departamento de Física, onde trabalha o professor Marcos Pimenta, de 55 anos, referência em nanotubos de carbono. Pós-doutor pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), em Cambridge, nos EUA, o pesquisador lembra dos tempos em que fez pesquisa na universidade americana. Se pedia um filtro ótico, no dia seguinte o equipamento estava em sua mesa. “Aqui, tenho que escrever um projeto, esperar que seja julgado, aguardar o dinheiro, fazer o processo de importação. Depois de seis meses, ainda tenho que buscar o material no aeroporto. Passamos parte do tempo trabalhando em coisas que não são nosso objeto final”, diz.
Segundo o secretário-executivo do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Luiz Antônio Rodrigues Elias, o problema do atraso das importações está melhor desde a criação do CNPq Expresso, que reduz a burocracia. A ideia do programa é dar agilidade à vistoria da Receita Federal, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e outras instituições de fiscalização nos aeroportos internacionais. “A fiscalização é necessária. Se vou importar um ser vivo para pesquisa, tenho que garantir a sanidade da amostra”, justifica.
Fundador de uma linha de pesquisa inédita no Brasil e à frente do laboratório de espectrospia Raman, que estuda a interação entre luz e matéria, Marcos Pimenta também vê outros entraves ao progresso da ciência nacional, como o tempo de dedicação às aulas. Segundo ele, em países desenvolvidos um pesquisador leciona no máximo quatro horas semanais. A situação já ocorre na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A própria Universidade Federal do Rio de Janeiro já baixou para seis horas. Na UFMG a carga didática é de nove horas por semana.
Bolsa irrisória
“Damos muita aula e assim ficamos em desvantagem também no tempo disponível para a pesquisa. Muitas vezes trabalhamos como um don Quixote, o tempo inteiro lutando contra os moinhos para fazer a coisa andar”, desabafa. Pesquisador 1A do CNPq, o mais alto nível a ser alcançado por um cientista brasileiro, Marcos recebe uma bolsa de R$ 1.500 em reconhecimento à sua produtividade. Ser referência em sua área tampouco lhe dá retorno salarial. Como professor titular tem salário líquido de R$ 9.500 mensais. “O cientista não é movido pelo dinheiro, mas somos meio vaidosos, existe um certo narcisismo, uma busca por reconhecimento, que é nossa maior força interna”, defende o físico.
Sérgio Pena, em área oposta, não discorda. Convidado para dar uma aula inaugural do curso de medicina, apresentou aos alunos sua visão do que move o cientista no século 21. Em sua opinião, não é fama e glória, e lembrou o fato de o descobridor do código genético, Marshall Niremberg, ter sido identificado com uma interrogação em uma legenda de foto no Instituto de Ciências Biológicas/UFMG, feita por uma secretária da época de sua visita a Belo Horizonte. Tampouco é a expectativa de ter vida mansa, já que é uma atividade de muito trabalho. Boa remuneração também não explicaria essa decisão. Sobrava a quarta opção: criar algum conhecimento novo, de vez em quando. “Essa é a única razão. Esse é o prazer da vida científica. Nosso hobby é a ciência e a frase famosa entre os pesquisadores ganha sentido: ‘Se já temos a ciência, para que algo mais?”