Jornal Estado de Minas

Identificação do gosto pelo cérebro nem sempre faz com que a pessoa experimente a mesma sensação

Pesquisa da USP pode ser útil à psicologia e à indústria de alimentos

Jorge Macedo - especial para o EM
Vilhena Soares

Brasília – Do ponto de vista fisiológico, a percepção dos sabores pode ser, resumidamente, explicada da seguinte forma: o contato do alimento com papilas gustativas, que ficam na língua, faz partir um sinal rumo a regiões específicas do cérebro. Assim que essas áreas são ativadas, a pessoa sente o gosto do alimento. Uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), contudo, mostra que a sensação do gosto não se resume a isso, pois fatores subjetivos parecem ter influência no processo. Durante o experimento, os especialistas observaram que a ativação cerebral nem sempre resulta na percepção do sabor.

O experimento foi liderado pelo professor Ernane José Xavier Costa, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da USP, em parceria com alunos. A ideia surgiu em 2005, quando ele criou uma interface para monitorar o funcionamento do cérebro e mostrar as funções do órgão no controle de atividades motoras. “Publicamos esse resultado, tivemos sucesso e partimos para algo mais específico, como a análise do paladar e de um sabor determinado”, destaca Costa. Ele escolheu, então, o açúcar como modelo, por ser bem-aceito na maior parte da população, além de a substância conter menos elementos químicos que o sal. “Buscamos algo que não fosse difícil de ser analisado e não viciasse o paladar dos voluntários”, destaca.

A pesquisa foi feita com 23 voluntários e durou cerca de dois anos, sendo concluída no fim de abril. Nos experimentos, os voluntários experimentavam porções de água com diferentes doses de açúcar, enquanto tinham o cérebro monitorado por um eletroencefalograma (aparelho que registra as correntes elétricas desenvolvidas no encéfalo por meio de eletrodos aplicados no couro cabeludo). O curioso foi notar que havia diferença entre a percepção dos participantes e o que era registrado por seus cérebros. Ou seja, em alguns momentos, depois da ingestão da água com açúcar, os sinais elétricos mostravam que o órgão havia identificado o sabor doce, mas isso não se transformava em sensação: para o voluntário, ele estava bebendo água pura. “Observamos que o cérebro recebe a informação, mas não a transforma numa reação consciente. Os voluntários disseram que não tinha açúcar, quando ele estava lá. Era o que já suspeitávamos, mas antes não tínhamos provas. Agora, temos nesse trabalho”, explica o professor.

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A pesquisa mostra uma nova visão sobre a identificação dos sabores, que promete mudar muito o que se pensava na psicologia e também na produção de alimentos. “Temos linhas de pensamento diferentes, falando sobre a função do inconsciente. Uma escola da psicologia acredita que ele existe, e outras não o consideram nesse reconhecimento de sabores. Nosso estudo fornece informações para a argumentação desses dois lados. Queremos também levantar questões relativas a nossa área (engenharia de alimentos), já que tantas empresas analisam o funcionamento do corpo humano ao receber informações sobre os alimentos. Essa novidade pode ser de grande valia para o setor alimentício”, detalha Costa.

 O pesquisador pretende agora analisar outros sabores, além de publicar em periódicos internacionais especializados o que já foi comprovado. Uma das alunas participantes do estudo, Ana Lívia Castro, explica como a equipe vai expandir o espaço de pesquisa: “Pretendemos confirmar se o cérebro reage dessa mesma forma com o amargo e o azedo, além de outros sabores. Acredito que, com esses resultados, vamos ter informações para ajudar na pesquisa de alimentos”, diz Ana.

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Individualidade

Quais seriam os fatores que explicariam essa resposta diferente entre o cérebro e a consciência? Para a psicóloga Lívia Borges, da Universidade Católica de Brasília (UCB), o estudo pode gerar outras perguntas. “Sabemos que as preferências individuais são formadas pelo que existe ao nosso redor. Para mim, esse resultado não foi uma grande surpresa. O papel da subjetividade, influenciando nas preferências, e as diferenças entre as pessoas traduzem essa individualidade. Isso abre uma possibilidade para novas pesquisas e pode questionar se outros elementos subjetivos estão envolvidos por trás dos resultados, como preferências pessoais, por exemplo”, destaca a especialista.

Na opinião do neurologista Fernando Prieto, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a pesquisa apresenta novidades e merece ser continuada. “Muitos trabalhos que buscam explicar o funcionamento do cérebro focam o olfato e a visão. Analisar o paladar é algo muito pouco explorado, apesar de tão interessante quanto. Essa pesquisa precisa de mais pontos para que possa defender suas teses, mas é algo  que promete resultados bastante relevantes, já que mostra algo que antes não sabíamos: esse reconhecimento inconsciente de um sabor”, comenta o especialista.

Prieto destaca que a pesquisa poderia vir a ser beneficiada com a mudança do aparelho utilizado para monitorar as ondas cerebrais. “O eletroencefalograma é bastante útil, mas acredito que o uso de aparelhos de ressonância magnética podem trazer resultados mais detalhados, que contribuam de forma maior para uma pesquisa tão interessante”, destaca o neurologista.