(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

Identificação do gosto pelo cérebro nem sempre faz com que a pessoa experimente a mesma sensação

Pesquisa da USP pode ser útil à psicologia e à indústria de alimentos


postado em 20/06/2013 13:00 / atualizado em 20/06/2013 13:14

Vilhena Soares

Brasília – Do ponto de vista fisiológico, a percepção dos sabores pode ser, resumidamente, explicada da seguinte forma: o contato do alimento com papilas gustativas, que ficam na língua, faz partir um sinal rumo a regiões específicas do cérebro. Assim que essas áreas são ativadas, a pessoa sente o gosto do alimento. Uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de São Paulo (USP), contudo, mostra que a sensação do gosto não se resume a isso, pois fatores subjetivos parecem ter influência no processo. Durante o experimento, os especialistas observaram que a ativação cerebral nem sempre resulta na percepção do sabor.

O experimento foi liderado pelo professor Ernane José Xavier Costa, da Faculdade de Engenharia de Alimentos da USP, em parceria com alunos. A ideia surgiu em 2005, quando ele criou uma interface para monitorar o funcionamento do cérebro e mostrar as funções do órgão no controle de atividades motoras. “Publicamos esse resultado, tivemos sucesso e partimos para algo mais específico, como a análise do paladar e de um sabor determinado”, destaca Costa. Ele escolheu, então, o açúcar como modelo, por ser bem-aceito na maior parte da população, além de a substância conter menos elementos químicos que o sal. “Buscamos algo que não fosse difícil de ser analisado e não viciasse o paladar dos voluntários”, destaca.

A pesquisa foi feita com 23 voluntários e durou cerca de dois anos, sendo concluída no fim de abril. Nos experimentos, os voluntários experimentavam porções de água com diferentes doses de açúcar, enquanto tinham o cérebro monitorado por um eletroencefalograma (aparelho que registra as correntes elétricas desenvolvidas no encéfalo por meio de eletrodos aplicados no couro cabeludo). O curioso foi notar que havia diferença entre a percepção dos participantes e o que era registrado por seus cérebros. Ou seja, em alguns momentos, depois da ingestão da água com açúcar, os sinais elétricos mostravam que o órgão havia identificado o sabor doce, mas isso não se transformava em sensação: para o voluntário, ele estava bebendo água pura. “Observamos que o cérebro recebe a informação, mas não a transforma numa reação consciente. Os voluntários disseram que não tinha açúcar, quando ele estava lá. Era o que já suspeitávamos, mas antes não tínhamos provas. Agora, temos nesse trabalho”, explica o professor.

 

A pesquisa mostra uma nova visão sobre a identificação dos sabores, que promete mudar muito o que se pensava na psicologia e também na produção de alimentos. “Temos linhas de pensamento diferentes, falando sobre a função do inconsciente. Uma escola da psicologia acredita que ele existe, e outras não o consideram nesse reconhecimento de sabores. Nosso estudo fornece informações para a argumentação desses dois lados. Queremos também levantar questões relativas a nossa área (engenharia de alimentos), já que tantas empresas analisam o funcionamento do corpo humano ao receber informações sobre os alimentos. Essa novidade pode ser de grande valia para o setor alimentício”, detalha Costa.

 O pesquisador pretende agora analisar outros sabores, além de publicar em periódicos internacionais especializados o que já foi comprovado. Uma das alunas participantes do estudo, Ana Lívia Castro, explica como a equipe vai expandir o espaço de pesquisa: “Pretendemos confirmar se o cérebro reage dessa mesma forma com o amargo e o azedo, além de outros sabores. Acredito que, com esses resultados, vamos ter informações para ajudar na pesquisa de alimentos”, diz Ana.

 

Individualidade

Quais seriam os fatores que explicariam essa resposta diferente entre o cérebro e a consciência? Para a psicóloga Lívia Borges, da Universidade Católica de Brasília (UCB), o estudo pode gerar outras perguntas. “Sabemos que as preferências individuais são formadas pelo que existe ao nosso redor. Para mim, esse resultado não foi uma grande surpresa. O papel da subjetividade, influenciando nas preferências, e as diferenças entre as pessoas traduzem essa individualidade. Isso abre uma possibilidade para novas pesquisas e pode questionar se outros elementos subjetivos estão envolvidos por trás dos resultados, como preferências pessoais, por exemplo”, destaca a especialista.

Na opinião do neurologista Fernando Prieto, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, a pesquisa apresenta novidades e merece ser continuada. “Muitos trabalhos que buscam explicar o funcionamento do cérebro focam o olfato e a visão. Analisar o paladar é algo muito pouco explorado, apesar de tão interessante quanto. Essa pesquisa precisa de mais pontos para que possa defender suas teses, mas é algo  que promete resultados bastante relevantes, já que mostra algo que antes não sabíamos: esse reconhecimento inconsciente de um sabor”, comenta o especialista.

Prieto destaca que a pesquisa poderia vir a ser beneficiada com a mudança do aparelho utilizado para monitorar as ondas cerebrais. “O eletroencefalograma é bastante útil, mas acredito que o uso de aparelhos de ressonância magnética podem trazer resultados mais detalhados, que contribuam de forma maior para uma pesquisa tão interessante”, destaca o neurologista.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)