Já há algum tempo, Ferreira vem desenvolvendo esse estudo e fazia um mapeamento da fauna da caatinga brasileira quando se deparou com os espécimes. “O curioso é que eles são mais comuns na Amazônia e no Caribe, mas são raros e pouco estudados. O inesperado foi se deparar com eles em plena caatinga do Brasil”, observa o pesquisador, que chegou a descobrir outras espécies na região que ainda não foram descritas.
O biólogo ressalta a importância de se encontrarem espécies dentro de cavernas, pois ajuda a chamar a atenção para um patrimônio que está sendo ameaçado. “Até 2008, as cavidades naturais eram protegidas por lei pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e não podiam ser destruídas. Mas hoje isso mudou e foi, inclusive, permitida a mineração nas cavidades subterrâneas, o que pode gerar impactos ambientais grandes e até afetar essa fauna”, frisa.
O professor Adalberto dos Santos explica que várias imagens e uma amostra desses pequenos animais foram enviadas para a UFMG e, assim, foi possível classificá-los e compará-los com a descrição de outros bichos. “As novas espécies foram descritas a partir de características microscópicas de seus genitais, que os diferencia de outros animais do mesmo gênero. Ainda há muitas informações a serem descobertas, mas já constatamos algumas e os animais estão à disposição de qualquer estudioso para pesquisa”, diz.
Segundo Dos Santos, Rowlandius ubajara e Rowlandius potiguar são muito semelhantes e se diferem basicamente por sua ocorrência. A fêmea é maior e mede cerca de 4mm, e no final do abdômen tem um flagelo que funciona como uma antena, um órgão sensorial. Já o macho mede entre 2mm e 3mm, e o flagelo é modificado e usado nos acasalamentos. Outro dado é que esses aracnídeos são escavadores e parentes de escorpiões, aranhas e carrapatos, mas não são venenosos. “Eles soltam uma substância que é uma secreção defensiva e tem ácido acético na sua constituição, um cheiro que lembra vinagre. Mas é pouco perceptível e não causa nenhum dano ao homem. Mas pode causar a alguma presa ou predador”, acrescenta o pesquisador. Ainda de acordo com ele, esses aracnídeos se alimentam de sementes depositadas nas cavernas e de outros pequenos insetos que são atraídos pelo guano, nome dado às fezes de morcegos quando se acumulam.
O professor Adalberto José dos Santos diz ainda que a descrição acrescenta componentes até agora desconhecidos à já rica biodiversidade brasileira e mostra o país como hábitat de espécies que são mais comuns no Caribe e em áreas tropicais da América Central e do Norte. “No geral, faz-se mais estardalhaço quando se descobre uma espécie de vertebrado, como um mamífero ou ave. No caso dos artrópodes não é bem assim. A gente não conhece a maioria deles. Nosso conhecimento é muito pequeno. Falta informação e gente para gerar informação. E eles estão muito mais presentes na nossa vida do que imaginamos. Podem transmitir doenças, pragas na agricultura, por exemplo. Cada vez que descobrimos uma espécie nova, nossa ignorância diminui. Quanto mais se conhecer, melhor”, justifica.
Dimorfismo entre machos
Um dos participantes do estudo, o biólogo paulista Bruno Alves Buzatto, que atualmente trabalha como pesquisador da University of Western Australia (UWA), em Perth, ficou responsável por analisar o chamado ‘dimorfismo entre machos’ em uma das novas espécies descritas. Ele explica que isso ocorre quando alguma característica dos machos varia em tamanho de maneira que existem duas categorias de macho. “É como se no ser humano existissem naturalmente homens com braços muito longos e homens com braços muito curtos, com poucos ou nenhum homem de braços de tamanho intermediário. Algo mais ou menos assim ocorre nesses aracnídeos. Existem machos com pedipalpos longos e machos com pedipalpos curtos”, esclarece. Os pedipalpos são apêndices que ficam próximos à boca do animal, e em aracnídeos eles podem ser usados para capturar alimento, segurar a fêmea durante o acasalamento e para brigar. “Não sabemos muito bem o que os Schizomida fazem com os seus pedipalpos alongados, mas talvez os machos com pedipalpos longos os utilizem para brigar com outros machos, enquanto os machos com pedipalpos pequenos não briguem, mas utilizem alguma outra estratégia não territorial para atrair fêmeas. Tudo isso é especulação, mas é interessante descobrir o dimorfismo entre machos nesses animais que não haviam sido descritos ainda”, ressalta.