Marcus Celestino
Um projeto pioneiro e deveras ousado. A Companhia de Abastecimento de Minas Gerais (Copasa), em parceria com a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), aplica em Janaúba – cidade localizada no Norte de Minas Gerais – a utilização de nutrientes advindos de efluentes tratados para a agricultura há cerca de um ano. Com o reaproveitamento de esgoto estabiliza-se a matéria orgânica, que ao fim do processo se transforma em minerais disponíveis para nutrir lavouras. Além dos benefícios da pesquisa para o meio ambiente, os agricultores do Vale do Gorutuba que sofrem com a diminuição do nível da Barragem Bico da Pedra, responsável pela irrigação da área, poderão ser favorecidos num futuro próximo pelas conquistas dos experimentos.
Janaúba é uma região que se encontra num difícil período de seca. Existe então o perigo do canal de irrigação que alimenta as plantações não ter condições funcionais a partir do mês que vem, deixando os agricultores na mão, situação recorrente em outras regiões do país, principalmente no Nordeste. “A fertirrigação então surge como nova possibilidade que pode ser aplicada a várias culturas”, afirma.
Nessa região do Norte de Minas Gerais, milho, algodão e banana são as principais culturas expoentes. Por isso, a pesquisa vêm sendo calcada nesste trio. “Já fizemos experimentos com algodão e milho, e agora com banana. Com os dois primeiros tivemos resultados excelentes. Os resultados com relação à banana ainda não foram obtidos, pois somente em julho, após a colheita, poderemos fazer uma análise completa”, destaca o analista. O coco também é um fruto cultivado na região do Vale do Gorutuba, mas a demora na obtenção de resultados com relação a essa drupa impede que estudos sejam feitos no momento.
O experimento consiste na divisão de três módulos dispostos lado a lado num campo de 1 hectare. Segundo Anibal Freire, “normalmente, há um canteiro sem aplicação alguma, um recebe a aplicação de água com adubação normal e outro recebe a mistura de água e esgoto”. Vale frisar que não é usado o esgoto bruto somente, pois ele é “demasiadamente forte”. A partir daí faz-se a análise da produção de frutos em cada um dos módulos. Nos casos do algodão e do milho, a produtividade no módulo fertirrigado com a mistura de água e efluentes superou a das outras duas áreas de plantio.
Segurança de consumo é garantida
É o que também garante o professor de agronomia da Unimontes e mestre em irrigação e drenagem Silvânio Rodrigues dos Santos. “Nesse caso, atendemos a necessidade da cultura em termos de nutriente com o esgoto tratado e complementamos o fertilizante com água limpa. Em se tratando da bananicultura, cerca de 20 a 30 dias antes da colheita, suspendemos a aplicação de esgoto e mantemos a irrigação com água limpa. Depois, avaliaremos os frutos para ver se há contaminação por micro-organismos”, afirma. “Nosso projeto visa a eliminação da poluição para podermos obter os nutrientes necessários com a devida segurança”, acrescenta Aníbal Freire.
Apesar do pioneirismo do projeto da Copasa e Unimontes, além de outros projetos em desenvolvimento no Brasil, o país ainda está em fase embrionária em termos de uso de efluentes para fertilização. Espanha, Austrália, Estados Unidos, Egito, Arábia Saudita, Tunísia, Chile, México e Israel dispõem de aplicações ambiciosas da fertirrigação com reaproveitamento de esgoto na agricultura.
“Em Israel, por exemplo, 80% do esgoto é revertido para a agricultura. Isso representa 50% da água voltada para tal. No México, há um plano de irrigação com esgoto bruto de 100 mil hectares. Agora eles já usam o resíduo tratado, mas os agricultores nem queriam, pois os índices de produtividade do milho com a utilização do esgoto bruto eram enormes. Pimenta também, mas basicamente milho, culturas tipicamente mexicanas. Além disso, a média de produção que a região obtém é maior que a média nacional de produtividade”, comenta Freire.
Quanto à expansão do projeto, o analista da Copasa diz que a companhia pretende expandir os feitos para um campo de 15 hectares de propriedade da empresa e, posteriormente, levar a ideia para outras cidades que sofrem a carência de água. “Estamos querendo implantar algo similar em outros municípios mineiros, como Corinto e outras cidades do Vale do Paracatu”, adianta.
Recepção
O analista crê que os agricultores veem com bons olhos o projeto e que estes são favoráveis a uma expansão em escala comercial no futuro. Contudo, Freire atribui ao preconceito por parte de investidores e consumidores dos produtos a falta de avanços nessa área específica de pesquisa. “É uma área que ainda não caminha por causa do preconceito e do pouco interesse e falta de ousadia das empresas na reutilização dos efluentes para a agricultura”, diz. Um infortúnio, pois estudos foram feitos à exaustão e garantem a segurança do consumo de alimentos advindos dessa técnica que, além de servir de alternativa à falta de água, é de grande valia socieconômica e salvaguarda para a manutenção da natureza.
PALAVRA DE ESPECIALISTA
FRANCISCOMALDONADO - MESTRE EM AGRICULTURA PELA UNIVERSIDADE DA FLÓRIDA
Solo mais nutrido
“De uma forma geral, a matéria orgânica mais comum, esterco de gado, de galinha, e aqueles considerados alternativos, como lodo de esgoto, composto de lixo domiciliar e resíduos industriais promovem um acréscimo nos teores de nutrientes no solo, melhoram suas propriedades físicas e aumentam o número de micro-organismos benéficos às culturas. Usar o esgoto bruto pode ser um problema, haja vista os problemas potenciais de contração de doenças. Já a matéria orgânica originária de estações de tratamento de esgoto (como é o caso do projeto em Janaúba), acredito que ele não ofereça esse tipo de problema, segundo pesquisas realizadas mundialmente. O grande problema é convencer os produtores a utilizarem o composto nas suas propriedades pelo receio de aquisição de doenças provocadas pela presença de pequenas agulhas, pedaços de plástico e outros contaminantes. Além disso, não sabemos qual seria a reação do consumidor dos produtos caso tomem ciência do fato.”