Jornal Estado de Minas

Escambo virtual incentiva a prática do desapego

Por meio de grupos on-line, usuários promovem trocas e doações levando em conta a utilidade das ofertas e não seus valores. Feira da Gratidão, organizada no Facebook, leva prática de desapego para praças de BH

Jorge Macedo - especial para o EM

Shirley Pacelli

Pendrive, caneta, pasta, espinafre e limão obtidos em uma troca: a fotógrafa Verônica Martins permuta objetos e até móveis de acordo com a necessidade do momento - Foto: Verônica Martins/Divulgação

Que tal trocar uma mesinha de mogno por uma sacola de limão? Ou quem sabe livros por jabuticaba? Quando o assunto é escambo, a fotógrafa e ecóloga Verônica Martins, de 26 anos, não tem receio. Troca mesmo. Há cerca de oito anos, quando virou adepta do veganismo (filosofia de vida que boicota a exploração animal), ela teve o primeiro contato com a comunidade de Reciclistas em Belo Horizonte por meio de encontros dos grupos Gato Negro e Domingo Nove e Meia. De uma lista de e-mail, os Reciclistas passaram a trocar informações em um grupo no Facebook (https://on.fb.me/12y1bet), hoje com 1.139 membros. Surgia uma rede de pessoas com vontade de evitar o desperdício, consumir menos e oferecer apoio mútuo para isso. Foi criado um fórum para reciclar itens que não são mais utilizados – de uma cama a restos de material de construção, por exemplo.

Além do Reciclistas BH, específico para doações, Verônica participa do Escambo BH (https://on.fb.me/19sUKeP) destinado a trocas. Ela é anticonsumista assumida, compra basicamente comida e algum produto de que estiver precisando muito, como seus equipamentos fotográficos. O último sapato adquirido foi em 2009. Moeda, para ela, serve para pagar por serviços. Por esses dias precisou de uma pasta para organizar suas fotografias, artigo que não deve custar nem R$ 5, mas como ela mesma lembra: tem muita gente que deve ter uma parada em casa. Em questão de minutos depois da postagem no grupo do Facebook, a fotógrafa conseguiu o que queria. “Pen drive, por exemplo, é uma coisa ridícula, que todo mundo tem na gaveta. Pedi e ganhei dois. Minha mãe ia comprar um colchão inflável para receber a visita de um casal e não deixei. Pedi no grupo. Só não consegui ainda oferecer uma muda de citronela e ganhar a bateria de uma câmera profissional, infelizmente”, conta.

O escambo é sempre feito pensando na utilidade do produto e não no valor. Volta e meia, Verônica oferece móveis e outros utensílios da casa e pede comida orgânica na negociação. Dia desses trocou um som, já mais velhinho, por espinafre e uma sessão de reiki, terapia oriental. A cadeira abandonada do escritório, permutada por alargadores, ganhou novo lar.

Geladeira, armário, fogão, sapatos, roupas: as pessoas doam de tudo. Mas também querem tudo! Verônica conta que quando se trata de vestuário, às vezes os membros do grupo não precisam, mas já que é bonito e de graça, por que não? “Falta bom senso. Você oferece uma chupeta e eles querem”, brinca. Para pegar o escambo, ela tem a prudência de olhar se o usuário tem amigos em comum antes de passar o endereço de sua casa, caso o colega tenha disponibilidade para ir até lá. Normalmente, encontra com as pessoas no Centro da cidade.

DOAÇÕES

Mariana Lara Brun, que se confessa uma consumista, está adorando se desapegar: antes de se mudar para a Inglaterra doou o velho sofá - Foto: Arquivo pessoal Foi no grupo Reciclistas que a mineira Mariana Lara Brun, de 36 anos, se “livrou” de um sofá de sua antiga casa, quando estava de mudança para a Inglaterra, em junho deste ano, com seu marido inglês. Pelo seu perfil no Facebook ela postou também móveis, sapatos e roupas que estavam à venda ou disponíveis para doação. “Admito que adoro comprar, mas aprendi a ter desapego com essa experiência”, conta. Ela diz que se surpreendeu com a perfeição com que o sistema funciona e a forma como as pessoas voltam a ter confiança uma nas outras. Mariana não viu muitas reclamações na página, fora um desencontro ou outro. Além disso, diz que os grupos on-line são ótima oportunidade para adquirir produtos bons de segunda mão a preços convidativos.

Quem também é adepto de grupos on-line de trocas e doações é o estudante de arquitetura Paulo Henrique Pereira de Melo, de 21 anos, morador de Pará de Minas. Há um ano e meio ele participa da comunidade Desmaterialize-se, com cerca de 9 mil membros, no Facebook. Ele integrava outros grupos de compra e venda e achava absurdos os preços cobrados por alguns artigos usados. Descobriu no Desmaterialize-se a fonte das doações.

No começo, doava livros e material para vestibular, mas resolveu oferecer aulas de violão gratuitamente. Apesar dos insistentes pedidos de aulas particulares de outros usuários, a ideia, segundo ele, é fazer oficinas em organizações não governamentais. Pela internet, ele já negocia com uma instituição que cuida de dependentes químicos na cidade de Conceição do Pará. “Lá tem muito instrumento doado e alguns parados porque os internos não sabem tocar”, explica. Um abrigo próximo à sua casa também se interessou pela oficina.

Até hoje, ele só pegou para si um vídeo cassete para assistir a seus filmes antigos que ainda não ganharam versão em DVD. Livros e brinquedos para instituições de caridade também costumam ser recolhidos por ele no grupo. Para Melo, o único problema na comunidade on-line é que há mais pessoas pedindo do que doando. O que ele doa é buscado pelo interessado em sua casa, mas não sem antes ele averiguar as amizades em comum e conversar por inbox.

#Fikdica
Regras e práticas de boa convivência:

» Ao anunciar um produto, seja honesto e informe o seu estado: funcional, com defeito, desgastado...

» Crie um álbum de fotos dos artigos a serem doados/trocados no grupo com o seu nome para facilitar a identificação.

» Siga as instruções. Se é um grupo só para doação, não insista em comercializar ou trocar produtos.

» A forma de entrega é negociada entre os interessados.

» Não saia pegando tudo o que é oferecido. Reflita se é realmente útil para você.

» Ao finalizar a troca, notifique e retire as fotos da oferta.