Especialistas do Institute of Electrical and Electronic Engineers (IEEE), a maior organização técnico-profissional do mundo, revelam que tecnologias utilizadas para viagens e exploração do espaço, como energia sem fio, sensoriamento remoto e comandos ativados por voz, terão um papel cada vez mais importante no desenvolvimento de produtos eletrônicos de consumo utilizados pelo homem.
“Desde o programa Apollo, nos anos 1970, cidadãos comuns têm-se beneficiado das tecnologias espaciais, como instrumentos e aparelhos sem fio, detectores de fumaça, cronômetros a quartzo, a espuma tempur para colchões e travesseiros (desenvolvida pela Nasa para proteger os astronautas da pressão exercida pela força gravitacional no espaço), sem falar no já conhecidíssimo GPS,” comenta Edward Tunstel, membro sênior do IEEE e especialista em robôs no Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore (Estados Unidos). “Os avanços tecnológicos realizados para viagens e exploração espacial continuarão a influenciar de forma dinâmica a concepção de novos produtos de consumo”, completa.
Captação de energia
Segundo ele, empresas de eletrônicos de consumo buscam constantemente formas alternativas e mais eficientes para alimentar os dispositivos. As viagens espaciais também requerem grande quantidade de energia para uma missão. A pesquisa espacial já trabalha no aperfeiçoamento de um tipo de transmissão que capta a energia solar para uma rede de energia na Terra e que seja então distribuída no espaço. “Ainda está em desenvolvimento a capacidade de transmissão de energia a dispositivos eletrônicos por redes sem fio, o que poderá nos livrar da necessidade de conectar dispositivos em fontes de energia com fio”, diz ele, ressaltando que a energia sem fio já é transmitida por uma rede wireless para emitir uma carga.
Mas ainda está em estudos se desenvolveremos uma rede separada para, simplesmente, transmitir a potência ou se vamos utilizar redes sem fio existentes para emitir carga, de uma forma também sem fio, para os dispositivos no espaço ou em casa. “De qualquer maneira, a energia pode ser transmitida a partir de uma caixa similar a um roteador sem fio para um meio semelhante de tecnologia aberta. Isso vai alimentar o liquidificador, a TV e máquina de lavar roupa sem ser preciso conexões por um fio.”
Reação semelhante à do homem
O sensoriamento remoto e as capacidades computacionais dos veículos de exploração, como também veículos robóticos que exploram superfícies extraterrestres, são essenciais para o futuro da criação de formas mais realistas e naturais no uso cotidiano de equipamentos de sensoriamento. “Veículos como o Curiosity, que explora a superfície de Marte e é controlado a partir da Terra, têm ampliado a necessidade de precisão na movimentação”, comenta Richard Garriot, membro do IEEE e presidente da Space Adventures, empresa privada de exploração espacial. “Usos práticos da tecnologia de sensoriamento remoto já nos permitiram criar membros artificiais para seres humanos, que agora podem senti-los como se fossem reais”, afirma.
A voz no controle
Especialistas do IEEE lembram que a principal barreira para a viagem espacial em massa sempre foi o custo e que o peso do material em uma nave contribui extremamente para isso. Controles por voz vêm sendo descritos como tecnologia que quebra barreiras e que vai ajudar a reduzir o alto preço do peso em voos espaciais. Mas também são consideradas essenciais para a forma como os eletrônicos de consumo são projetados para o usuário. “O avançado sistema de controle de voz em desenvolvimento para o espaço terá um enorme impacto sobre a forma como outros eletrônicos de consumo serão criados. Os sistemas finalmente vão se tornar fáceis de usar e o tamanho do dispositivo de controle deixará de ser um obstáculo”, assegura Norm Augustine, presidente do Comitê de Análise de Planos de Voos Espaciais Tripulados dos Estados Unidos. Para ele, as tecnologias de controle de voz vão ajudar a tornar a viagem espacial um evento comum até 2050. “Porém, os consumidores não terão que esperar tanto para se beneficiar na Terra dos avanços de tecnologias de controle por voz.”
O QUE É
Maior organização técnico-profissional do mundo dedicada ao avanço da tecnologia para o benefício da humanidade, o IEEE, por meio de suas publicações, conferências, padrões tecnológicos e atividades profissionais/educacionais, atua em várias áreas técnicas, que vão desde sistemas aeroespaciais, computadores e telecomunicações, até engenharia biomédica, energia elétrica e produtos eletrônicos. Saiba mais em https://www.ieee.org
Impacto sobre os consumidores
Para as pessoas interessadas em saber se os programas espaciais podem contribuir com a criação de produtos de consumo na Terra, basta lembrar o suco de laranja desidratada Tang, usado nas missões na década de 1960. “Em termos de materiais diversos, sistemas de computação e navegação, entre outros itens, as melhorias que vemos hoje são bem grandes. A tecnologia de proteção contra o calor desenvolvida para uso no espaço, por exemplo, já é aplicada a tudo, desde forro de fogões a pinturas para prevenção de incêndios”, revela o norte-americano Paul Kostek, membro sênior do IEEE .
Ele explica que os computadores utilizados no programa espacial foram feitos menores do que as máquinas convencionais, fato que propiciou o desenvolvimento de sistemas parecidos para a aviação comercial e, logo em seguida, para o mercado doméstico. “Algumas tecnologias não foram feitas especificamente para o espaço, mas foram implementadas com sucesso nos programas. Um exemplo são as células de combustível dos programas Gemini e Apollo”, afirma.
O que nos trará o futuro? Segundo ele, a Microsoft já está trazendo sistemas controlados por voz, desenvolvidos incialmente para aplicação no espaço, para residências. Será por meio do seu acessório Kinect conectado à mais recente geração do Xbox. “O sistema permitirá que os usuários controlem os jogos, bem como a TV e outros equipamentos. Outras possíveis aplicações de sistemas baseados em voz incluem o controle do carro e de ambientes (calor, luz etc.).”
Ainda com relação aos carros, sensoriamento remoto será, para Paul Kostek, um elemento-chave no desenvolvimento de veículos sem motorista. A isso, serão incorporadas tecnologias dos atuais carros robóticos espaciais, para permitir uma operação segura. “Nós já estamos vendo algumas dessas implementações em carros que estacionam sozinhos, em sistemas de detecção de pista que mantêm a frenagem de carros sem deixá-los à deriva, em distâncias seguras de um veículo ou de um pedestre etc. Podemos esperar que novas interfaces de smartphones, tablets ou PCs serão usadas para controlar carros, casas e espaços de trabalho. Apenas com um dispositivo será possível fazer tudo. A única dificuldade será ter sempre o aparelho carregado”, complementa.
ENTREVISTA
. Geraldo Adabo
. Professor no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA)
“Essa tecnologia tem muitas vantagens”
O professor e engenheiro elétrico Geraldo Adabo, com mestrado em engenharia e tecnologias espaciais pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi o responsável pelo subsistema de alimentação do primeiro satélite brasileiro. Especializado nas áreas de engenharia elétrica e eletrônica, com ênfase em circuitos eletrônicos, trabalha principalmente temas relacionados a eletrônica de potência, sistemas de energia para satélites, sistemas elétricos de aeronaves, veículos aéreos não tripulados, circuitos de comunicação, transponder para satélites, circuitos e sistemas de rádiofrequência (RF) e fotônica (campo da ciência que estuda a aplicação de luz em diferentes níveis).
A energia sem fio vai mesmo ajudar os equipamentos a se tornarem dispositivos melhores?
As necessidades de alimentação elétrica têm se tornado uma limitação para os equipamentos disponíveis ao consumidor. Um bom exemplo dessa realidade são os smartphones, que contam com inúmeros recursos para o usuário, porém as baterias apresentam autonomia muito limitada, dentro dos requisitos de baixos peso e volume. Isso, mesmo para as tecnologias mais modernas de bateria.
A integração entre tecnologia e produtos de casa pode ser considerada uma tendência?
Há uma tendência de padronização de sistema de recarga de bateria sem fio, ultilizando-se do princípio conhecido como Lei de Faraday, que descreve a indução eletromagnética. Dessa forma, é possível utilizar o mesmo princípio de transmissão de energia dos transformadores convencionais dentro do contexto da recarga de baterias. Nesse aspecto, tanto o recarregador quanto o equipamento do usuário devem contar com os dispositivos eletromagnéticos, além dos controles de carga e posicionamento para agilização do processo.
A energia sem fio apresenta a mesma eficiência da tradicional, e onde ela pode ser aplicada com mais benefícios?
As tecnologias de recarga sem fio sofrem críticas quanto à eficiência em relação aos processos tradicionais, em função da eficiência de conversão inerente ao processo. O impacto desse aumento de consumo energético vai na contramão da tendência atual de redução do consumo mundial. Esse é um tema polêmico. Fora dessa polêmica estão as aplicações específicas, onde essa tecnologia pode ser aplicada com muitas vantagens. Exemplos: equipamentos perigosos para a manipulação do homem, onde a recarga pode ser controlada a distância, com recursos de robótica, ou ainda em situações onde o contato elétrico e a possibilidade de ocorrência de arcos voltaicos apresentem risco à segurança dos operadores.