Depois de animar o mundo com as primeiras provas concretas de que rios caudalosos já correram em Marte e atestar que aquela terra vermelha teve condições de abrigar vida em tempos passados, o robô científico Curiosity joga um balde de água fria naqueles que esperavam sinais de organismos habitando o planeta no presente. Uma análise de dados colhidos pelo laboratório móvel, disponibilizada no site Sciencexpress, da revista Science, concluiu que um dos maiores indicadores de atividade biológica pode simplesmente não existir na superfície de Marte. O robô espacial avaliou que a quantidade de metano no planeta vizinho é praticamente nula, um dado que contraria números medidos anteriormente por satélites e telescópios terrestres.
Na última década, uma variedade de instrumentos vasculhou a atmosfera marciana em busca de metano e apontou nuvens do material flutuando sobre o planeta. A presença do gás, que tem como principal fonte os seres vivos, foi recebida como uma informação controversa, porém suficiente para receber a atenção dos pesquisadores mais otimistas. Agora, a polêmica volta, com a nova análise da agência espacial dos Estados Unidos (Nasa), segundo a qual a quantidade do elemento pode ser seis vezes menor do que a esperada. Os números verificados pelo robô indicam que a maior concentração de metano existente em Marte é de apenas 1,3 parte por bilhão.
Os dados foram medidos por um espectrômetro a laser, ferramenta que colhe amostras da atmosfera e procura vestígios do metano. O laboratório móvel fez a análise em seis dias diferentes, durante um período de oito meses. O resultado tem uma precisão inédita de 95%, explica o pesquisador Christopher Webster, gerente da Divisão de Instrumentos de Ciência Planetária do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa. “Tais medidas são muito difíceis de fazer. Quando realizadas da Terra ou da órbita de Marte, elas não têm a sensibilidade do Curiosity, que a faz diretamente do planeta”, compara ele.
A importância que os cientistas dão ao metano está na relação que ele tem com a vida na Terra. O hidrocarboneto é produzido na forma de dejetos por seres vivos e é considerado um sinal importante para a existência de formas de vida simples ou desenvolvidas. Na superfície de um planeta com atmosfera de baixa densidade, como Marte, seria prova de que esses seres ainda existiriam por lá. “A superfície de Marte é o pior inferno, nada orgânico dura muito tempo. O metano em Marte não levaria mais do que alguns dias ou semanas para se decompor”, aponta Jorge Quillfeldt, professor do Departamento de Biofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dúvidas O assunto, contudo, não está encerrado. Os números diminuem as chances de que o planeta abrigue micróbios produtores de metano, mas não excluem a possibilidade de haver outro tipo de vida no Planeta Vermelho. “É muito cedo para fazer essa afirmação, especialmente porque há outros micróbios encontrados na Terra que não produzem metano”, aponta Webster. O especialista brasileiro apoia a teoria esperançosa: “Existem micro-organismos que processam moléculas de outro jeito, com ácido sulfúrico ou amônia, em ambientes que para nós são venenosos e mortíferos. Pode haver vida que usa outro tipo de metabolismo”, especula Quillfeldt.
A ausência de metano pode também mudar o que os cientistas pensam sobre a atividade geológica do planeta, pois o gás é produto de um fenômeno chamado serpentinização – a reação gera o elemento no subsolo a partir de água líquida, outro grande indicativo de vida ativa. O Curiosity já encontrou indícios da existência do líquido em março. As provas de que rios já correram no planeta foram vistas em forma de cascalho registrado na Cratera Gale, uma área coberta por camadas de sedimentos ricos em registros sobre o perfil geológico do lugar há milhões de anos.
A cratera foi escolhida pela Nasa para exploração pelo potencial de oferecer provas de que o planeta teve condições de abrigar vida no passado. O robô não buscou sinais de existência de organismos ativos. “Sabemos de outros lugares que têm maior chance de ter atividade hidrotermal e água no subsolo”, ressalta Douglas Galante, do Núcleo de Pesquisa em Astrobiologia (AstroLab) da Universidade de São Paulo (USP). Esses locais inexplorados, de acordo com Galante, podem esconder sinais de metano mais significativos do que os encontrados nos últimos meses.
O especialista acredita que mais experimentos são necessários para esclarecer essa questão. Os dois quilômetros percorridos pelo Curiosity não representam, na opinião de Galante, um quadro completo da composição da atmosfera de todo o planeta. O ideal, de acordo com o pesquisador brasileiro, seria montar uma rede de sensores ou mesmo usar uma sonda voadora que percorresse a superfície do planeta para levantar dados mais completos. “Um planeta é uma coisa muito grande. É necessário tomar cuidado com essas extrapolações. Esses dados mostram que o metano, se existe mesmo, não é globalmente distribuído”, avalia Douglas.