Jornal Estado de Minas

ANIMAÇÃO BRASUCA

Fumec investe em captura do movimento para criar jogos 100% nacionais

Jorge Macedo - especial para o EM
Leonardo Augusto

  Para obter imagens que depois serão aplicadas aos personagens das histórias, alunos se passam por atores - Foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A PRESS

Um gaiato passa a noite na farra em Salvador e ao nascer do sol rouba o primeiro acarajé preparado por uma feirante para as vendas do dia. Um erro terrível. Na Bahia, todo mundo sabe. O quitute número um a sair da panela tem dono. Vai para Oxum, um poderoso orixá do candomblé que evidentemente não gostou nada do comportamento do espertinho. O que se segue é uma perseguição pelas ruas da capital baiana, com o gatuno tentando salvar a vida fugindo do acarajé que roubou, agora transformado em monstro por Oxum.

A ficção se passa no estado do Nordeste, mas foi idealizada e virou um jogo que está em fase de produção por professores e alunos da Universidade Fumec, de Belo Horizonte. Foi batizado de Corra acarajé, e a expectativa é que até o fim do ano possa ser acessado nos tradicionais sites especializados em jogos gratuitos. “Muito do que é feito hoje na área tem como base os Estados Unidos. Queremos colocar no mercado produtos com a cara do Brasil”, diz Hudson Ludgero Ribeiro, professor do curso de jogos digitais da universidade.

A cadeira tem um laboratório que pode ser considerado de ponta para a produção do que é conhecido hoje como animação com captura de movimento. O sistema utiliza câmeras de alta definição para obter imagens que em seguida são aplicadas aos personagens das histórias que vão para as telas. As filmagens são feitas dentro do laboratório com atores, muitas vezes alunos, em trajes especiais equipados nas articulações com pequenas bolas que funcionam como referência para as câmeras, possibilitando que as montagens sejam feitas em 3D.
O coordenador do curso de jogos digitais João Victor Gomide quer disponibilizar software gratuitamente para usuários - Foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A Press
A próxima produção a ser concluída pela escola com o uso do sistema já tem nome: A primeira perda da minha vida, um curta de 15 minutos com participação e a produção de integrantes do grupo de teatro Galpão. A história é uma adaptação de um encontro do escritor tcheco com uma garota de 5 anos em Berlim, na Alemanha, que acaba de perder a boneca. A animação deve ficar pronta no mês que vem.

O laboratório da Fumec ganhou o atual formato, com o conjunto de câmeras de alta definição, há um ano e meio, conta o coordenador do curso de jogos digitais da universidade, João Victor Boechat Gomide. Os recursos para a compra do equipamento partiram dos governos federal, estadual e da escola. Tudo muito sofisticado, mas, segundo o coordenador, nada que não possa ser dominado. “O aluno que chega aqui não precisa nem saber como pegar no mouse. É só gostar de animação.” Os estudantes geralmente assumem tarefas como modelagem de personagens e produção de cenários, que podem ser originais ou criados a partir de fotos.

Projeto premiado

Entre os projetos já concluídos, professores e alunos do curso colocaram na internet, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um site em que é possível usar gratuitamente um software de captura de movimento para animação. “Esperamos que o sistema seja usado por profissionais do mundo inteiro”, diz Gomide. O retorno para a escola, conforme o coordenador do curso de jogos digitais, é a obrigatoriedade de citar a universidade como a desenvolvedora do software.

A pesquisa que originou o site, chamada “Sistema de captura de movimento em tempo real e de código aberto”, foi finalista do Prêmio Santander Ciência e Inovação 2012 na categoria Tecnologia da Informação. Artigo do coordenador sobre o tema levou ainda o título de melhor trabalho na área de cinematografia digital da International Association for Media in Science (IAMS), em meio a 140 títulos de 15 países. O curso tem hoje 160 alunos e a duração é de três anos. A escola vai tentar lançar no ano que vem o primeiro bacharelado em computação gráfica do país.

Setor mega-aquecido

O setor de jogos movimenta no mundo cerca de US$ 70 bilhões por ano, valor superior ao registrado pelo mercado de música e cinema, conforme lembra João Victor Gomide. No Brasil, afirma ele, o giro ainda é pequeno. “O faturamento no país ainda é baixo por causa da carga tributária e da pirataria.”

Segundo dados da Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Digitais (Abragames), o mercado nacional de jogos foi o que mais cresceu em 2012. As vendas alcançaram R$ 1,6 bilhão, alta de 60% na comparação com 2011. O Brasil é o quarto maior consumidor de jogos do mundo. Ainda segundo a entidade, o mercado de trabalho na área deverá subir 13,5% nos próximos cinco anos. Os cargos mais procurados são os de programadores e designers de jogos para redes sociais e plataformas móveis. O Brasil tem hoje 35 milhões de habitantes que usam os chamados games, conforme pesquisa realizada pela Newzoo, empresa especializada no estudo do mercado de jogos.

O país é o quarto no ranking mundial, atrás da Alemanha, com 36 milhões, da Rússia, com 38 milhões, e Estados Unidos, com 145 milhões. O levantamento foi realizado em 10 países e confirmou o posicionamento de países emergentes em níveis semelhantes aos de nações da União Europeia no uso de jogos digitais.

Memória
Videogames de 1970

A história dos jogos digitais pode ser contada a partir de um dos primeiros videogames a serem fabricados, o Telejogo, na década de 1970. Eram duas barras em lados opostos da tela da televisão controladas por pequenas caixas com botões semelhantes aos usados para regular o volume de um sistema de som. Eram basicamente três esportes: futebol, tênis e paredão. A “bola” era um quadrado que precisava ser rebatido pelas barras. O marco seguinte foi o Pac-Man, da Atari, nos anos 80, um círculo amarelo que devorava pastilhas e era perseguido por fantasmas. O comando era dado por uma pequena alavanca com um botão vermelho fixado na diagonal. Foi o primeiro jogo a ter produtos temáticos vendidos no mercado. Novo salto foi dado pela Nintendo com Mario, o primeiro com narrativa. A princesa, raptada pelo gorila, tinha que ser libertada pelo herói. Na década seguinte veio a Sega, com o Sonic, inicialmente em 2D, mas que em seguida se transformou no primeiro a ser produzido em 3D. Os controles já eram bem mais evoluídos, com cursor e botões multifuncionais. Hoje, os jogos mais avançados usam sistemas de captura de movimento, com gráficos de alta resolução.