Outro elemento que limita o uso dessa matéria-prima é o ácido acético, que também surge na transformação da biomassa em açúcar. Essa substância é tóxica para a levedura e diminui a eficiência da produção de etanol. Os pesquisadores da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, foram capazes de resolver os dois problemas em laboratório ao manipular o metabolismo da S. cerevisiae: além da glicose, a levedura modificada também consegue digerir a xilose e o ácido acético, transformando as duas substâncias em etanol. Com um cardápio mais completo, o micro-organismo vive mais e produz mais combustível.
“Nós introduzimos os caminhos metabólicos para o consumo de xilose e acetato de outros micro-organismos nessa levedura”, explica Yong-Su Jin, autor do trabalho e pesquisador da Universidade de Illinois. De acordo com os resultados obtidos com testes laboratoriais, a cepa criada pelos cientistas pode ser usada com as mesmas técnicas tradicionais empregadas na produção de bioetanol de segunda geração, mas com uma eficiência maior. “A quantidade de produção de etanol do açúcar será a mesma, mas nossa levedura modificada será capaz de converter o acetato da hidrólise celulósica em etanol também. Portanto, nossa levedura pode produzir mais etanol do que as cepas existentes.”
Yong-Su Jin não arrisca estimar um número para o aumento de eficiência do novo micro-organismo em relação ao usado hoje na produção de etanol. Ele ressalta que ainda é necessário aperfeiçoar a capacidade de consumo de ácido acético antes de pensar em comercializar a levedura modificada. Outra questão que a ser analisada é se o fungo artificial vai apresentar os mesmos resultados obtidos em experimentos controlados em uma usina de verdade.
No Brasil
Essa é, na verdade, a mais recente de várias pesquisas que tentam adaptar a S. cerevisiae à fermentação de celulose, um material que sempre foi indigesto para essa espécie. Há outros tipos de organismos que se dão muito bem com os açúcares do bagaço de cana, mas nenhum deles demonstrou o mesmo desempenho ou a mesma resistência em produzir etanol em escala industrial. Para vencer esse impasse, os pesquisadores procuram unir as duas habilidades em um só micro-organismo — uma tarefa que depende da delicada manipulação do comportamento de uma espécie viva.
“Existem vários grupos no mundo trabalhando nessa área. Algumas linhagens conseguem fazer isso muito bem em escala laboratorial, mas, quando saem de uma escala de mil para 100 mil litros, aparece o problema”, conta João Ricardo Almeida, pesquisador da Embrapa Agroenergia. A manipulação da levedura S. cerevisiae também tem sido feita no Brasil, onde a competição entre as indústrias energética e alimentícia pela cana-de-açúcar só faz crescer a necessidade pelo etanol de segunda geração. “Também trabalhamos para fazer a levedura que fermenta xilose e seja forte contra compostos tóxicos. Esse estudo está um passo à frente por também usar o composto tóxico para produzir etanol”, avalia João Ricardo.
Outro problema apontado pelo especialista para o aproveitamento da celulose na produção de combustível é que a forma de fermentação de etanol no Brasil é feita a céu aberto, uma condição inadequada para a manipulação de micro-organismos modificados em laboratório. Um grande volume de investimentos é necessário a fim de adaptar esse modelo às leveduras especiais. A Embrapa prevê que as primeiras usinas especializadas no processamento da biomassa lignocelulósica comecem a funcionar a partir de 2015, por iniciativas privadas.
Outras fontes
O etanol de segunda geração é tão eficiente quanto o combustível produzido por métodos tradicionais e pode ser fabricado sem o aumento da área de plantio. Isso significa tirar mais álcool de uma mesma quantidade de cana ou ainda produzir o etanol a partir dos restos de uma plantação destinada à alimentação. “O processo é um pouco mais caro porque tem de processar a biomassa e desestruturar a celulose para que os açúcares solúveis sejam liberados, mas é importante destacar que não tem o custo com a plantação”, compara Elba P. S. Bon, coordenadora do Laboratório Bioetanol da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Hoje, o bagaço e a palha de cana, principais fontes de material lignocelulósico no Brasil, são queimados nas usinas de biomassa, onde a maior parte do potencial energético da planta é desperdiçado. Também são fontes energéticas em potencial a madeira, as gramas e outros restos da agricultura, como a palha de trigo. “Tem muito açúcar na biomassa que não está sendo aproveitado para a produção de produtos químicos e combustíveis. Essa riqueza tem que ser aproveitada”, constata Elba. Para isso, ressalta a especialista, seria necessário não somente criar leveduras mais eficientes, mas também otimizar o processo industrial para diminuir o custo do investimento nesse tipo de atividade.